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Os limites da nossa individualidade

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São Paulo, a terra da seca

 

Por William Nunes
Situações de invasão prolongadas podem levar a quadros muito sérios de ansiedade, estresse e até depressão

Situações de invasão prolongadas podem levar a quadros muito sérios de ansiedade, estresse e até depressão

Professores da USP falam sobre como impor limites àqueles que invadem nossa privacidade

Com os avanços da tecnologia em alta, muito se tem falado sobre invasão de privacidade, seja na implantação de câmeras nas escolas, controle de dados pessoais na internet, redes sociais, e o conflito ético do acesso à informação. Esta prerrogativa de proteção da vida íntima está assegurada no artigo 5º, inciso X, da Constituição brasileira e é, portanto, um direito de todos.

 

“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

 

Além das situações citadas, o ambiente corporativo também é propício para esse tipo de incômodo pessoal. O trabalho é um lugar em que as pessoas se equilibram entre sua individualidade e uma atmosfera coletiva. Nesse caso, as relações podem se tornar problemáticas, podendo levar a processos jurídicos ou até mesmo interferir seriamente no emocional de quem é invadido e desrespeitado.

 

Por que isso acontece?

 

Professora Marina Greghi, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP)

Professora Marina Greghi, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP)

Mestre em Psicologia Experimental pelo Instituto de Psicologia (IP), Frederico Dentello diz que a invasão ocorre devido a um ambiente propício para isso. “Uma pessoa invade a privacidade de outra porque obtém resultados de algum valor para ela. A outra pessoa deixa que isso aconteça porque assim evita ou escapa do sofrimento da situação.” Segundo ele, o comportamento abusivo diminui à medida que os resultados deixam de ter algum sentido.

Outro motivo que colabora para que incômodos como esse aconteçam é a cultura. Para a professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), Ana Cristina Limongi-França, “o que temos no Brasil é uma maior informalidade no trato de informações pessoais. Há uma sobreposição, entre vida privada e profissionalismo, e é até esperado que ela ocorra”, afirma.

A qualidade de vida que a empresa oferece também é um fator que deve ser levado em conta. Marina Greghi, professora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), diz que as condições do ambiente corporativo refletem nas relações entre os funcionários e estão combinadas com as características pessoais deles mesmos.

As redes sociais também têm potencializado e facilitado a invasão de privacidade. Estudiosos internacionais da área dizem que as pessoas hoje estão muito mais propensas a compartilhar sua vida pessoal na internet do que no telefone, por exemplo. Para a professora Ana Cristina, expor alguns aspectos da sua vida on-line é uma brincadeira perigosa e é preciso ter critérios. “O exemplo mais clássico disso é quando o funcionário fala mal do chefe e posta no Facebook”, diz ela.

 

Quais as consequências?

 

Professora Ana Cristina Limongi-França, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA)

Professora Ana Cristina Limongi-França, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA)

Dentello explica que há a interação de dois tipos de agentes: um falante, que causa um incômodo, e um ouvinte, que sofre esse incômodo e que, para cada um, há consequências diferentes. No caso do ouvinte, elas são sempre um reflexo negativo e que pode piorar. “Equivalem de uma picada de inseto até a manipulação do seu corpo por um estranho”, exemplifica. A repetição dessas situações importunas acumula a sensação e pode resultar em quadros difíceis de ansiedade, submissão emocional, estresse, burnout (síndrome de esgotamento profissional) e até mesmo depressão. Para a professora Ana Cristina, “o ser humano quer ser amado e reconhecido e quando você está sendo rejeitado e sozinho no trabalho, ele se torna mais difícil e a pessoa se sente incompetente, sem ter com quem compartilhar”. Esses casos são muito recorrentes em organizações que valorizam a competição e o individualismo em detrimento do trabalho em equipe.

No caso do líder de um grupo não é diferente. Se ele não impuser respeito, quem invade seus limites percebe que consegue obter algo que os outros colegas não conseguem. O sentimento de grupo é deixado de lado e dá a entender que o chefe é controlado. “Informações privilegiadas podem significar mais dinheiro ou mais benefícios e impressionar alguém aumenta a probabilidade de ele fazer algo positivo por você”, diz Dentello.

A invasão de privacidade chega a tal ponto que, segundo Ana Cristina, passou a se criar uma cultura de exigência de novos tipos de competências nas organizações: as familiares e comunitárias. Isso quer dizer que, mesmo estando dentro do ambiente empresarial, sua postura na vida privada é levada em conta. “Você tem que ser um bom pai de família, ajudar seus filhos na escola e apoiar sua mulher em casa. Há uma expectativa de que a pessoa tenha um comportamento saudável em todas as áreas”, comenta a professora.

 

O que fazer?

 

O ideal para que a privacidade e os sentimentos de cada um sejam respeitados é que o grupo não tolere esse tipo de comportamento. “Por exemplo, quando se valoriza o trabalho em equipe e a participação objetiva de todos, obter vantagens individualistas ou ter prazer com o constrangimento alheio simplesmente perde valor”, afirma Dentello. O incentivo ao trabalho em conjunto e à qualidade de vida, segundo a professora Marina, fazem parte de estudos da Psicologia Industrial e do Trabalho e são ações que trazem benefícios aos funcionários e à empresa.

As redes sociais são um fator que tem potencializado e facilitado a invasão de privacidade

As redes sociais são um fator que tem potencializado e facilitado a invasão de privacidade

A possibilidade da punição também não deve ser excluída e as normas devem ficar claras para todos os funcionários, porém, o professor Dentello afirma que o essencial é que não seja perpetuada uma cultura da invasão de individualidade dentro das corporações. “Se essa invasão é tolerada ou estimulada pelo grupo, é difícil, embora não impossível, escapar de, uma vez ou outra, ser vítima ou agente desse comportamento espúrio”, conclui.

Além disso, a professora Ana Cristina acrescenta que coisas pessoais e de valor íntimo devem ser guardadas. “O espaço é de trabalho e da empresa”, diz. Saber discernir e separar ambas as situações constitui um conceito da psicologia chamado de inteligência emocional, habilidade cobrada por algumas empresas na hora de resolver problemas e que pode ser aplicada em diversas situações controversas. Segundo ela, essas competências devem fazer parte de qualquer pessoa que tenha alguma atividade coletiva. “O ditado diz que o cachorro entra na igreja porque encontra a porta aberta. Então é preciso ser esperto, ter profissionalismo, saber se posicionar e ter tolerância zero com esse tipo de situação”, completa. No entanto, sabemos que cada pessoa difere em seus limites de tolerância, força de imposição e que esta não deve ser uma medida tomada desacompanhada de outra. Ela afirma ainda que, apesar de ser possível que a pessoa que está sendo vítima de invasão consiga ter certa autonomia, a cultura organizacional dos ambientes de trabalho também é responsável por evitar ou incentivar esta prática. Então, é muito importante o funcionário saber que ele pode encontrar respaldo nas normas da empresa.

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