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Uma vida dedicada aos direitos humanos

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Aulas digitais e educação on-line

 

Gabriela Stocco

Professora do IP se desdobrou em resistência à ditadura e prevenção da AIDS

Vera Paiva, professora do Instituto de Psicologia (IP), conta histórias de sua trajetória que renderiam diferentes perfis interessantes: filha de um desaparecido político, militante contra a ditadura e fundadora do DCE Livre da USP ou pesquisadora da prevenção da AIDS. Com tudo isso na bagagem, é hoje admirada pelos alunos e uma referência quando se fala em prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.

Vera nasceu e passou a infância em São Paulo, depois morou no Rio de Janeiro, mas mudou-se novamente, dessa vez para Santos, quando em 1971 o pai, o ex-deputado federal Rubens Paiva, foi preso por agentes da ditadura militar e nunca mais voltou.

Mais tarde, foi sozinha para São Paulo estudar Psicologia na USP: “Eu tinha um interesse forte, genuíno pela felicidade das pessoas. Eu me preocupava pelo sentimento humano em todas as dimensões. Na família em que eu fui criada, eu fui ensinada a ser sensível ao que os outros estão sentindo, à igualdade de oportunidade e de direitos de ser feliz”.

Vera conta que sempre foi ótima aluna, apesar de não ser ‘a primeira da sala’, já que sempre esteve envolvida em várias atividades, como o movimento estudantil. Na época em que cursava a graduação, vigorava no Brasil a ditadura militar, que a então estudante ajudou a combater ao participar da fundação do Diretório Central dos Estudantes Livre da USP Alexandre Vanuchi Leme.

Como diretora da entidade, chegou a ser detida e ficar 24 horas na cadeia esperando ser interrogada. Ela conta: “a democracia com paz era aquilo que a gente desejava ao construir o DCE Livre da USP. E a paz, o debate de ideias é o que a universidade pode dar”.

Vera conta: “A gente enterrava livros e textos do Marx, Paulo Freire, até Freud, as coisas mais ridículas. Qualquer coisa que eles decidissem que era subversivo, indicador de que você era um comunista que ia comer criancinhas, eles prendiam a gente.”

Sob essa opressão, a forma encontrada por ela para contribuir para a sociedade foi continuar pensando o Brasil e pesquisando. “Eu tinha interesse, além do fazer, pelo pensar sobre como fazer. O fazer bem informado é um melhor, mais eficiente”.

Ela diz “eu dou aula e adoro, tanto quanto fazer pesquisa”. Enquanto fazia o mestrado, Vera começou a atender em seu consultório muitas pessoas vivendo com AIDS, porque na época havia muito preconceito mesmo entre os psicólogos e vários não queriam atender pessoas infectadas com o vírus HIV. A epidemia estava no início e, em 1985, a professora passou a trabalhar com o tema, que seria marcante em sua trajetória acadêmica.

Professora do Instituto de Psicologia, Vera Paiva coordena o Nepaids, que está lançando coletânea sobre os dez anos de combate à AIDS no século 21

Ela descreve uma cena em que visitou um de seus pacientes, que morreria horas depois: “Eu entro no Hospital Emílio Ribas de máscara, mas depois eu tirei, mesmo grávida, porque era bem informada. Eu ando pelo corredor do nono andar onde estavam as pessoas morrendo de AIDS, aquele sofrimento absurdo e uma família na porta. Eu sabia que ele estava lá, entrei e ele me deu a mão e, sabendo que ia morrer, falou ‘Veroca, engraçado… No dia que eu peguei AIDS,eu estava fazendo outra coisa’. Ou seja, naquele momento, foi que eu decidi, além de tratar de pessoas infectadas, trabalhar na investigação de uma tecnologia adequada para prevenção”.

A partir dessa situação, Vera passou a se preocupar com a possível infecção dos jovens da época. Ela conta que pensou que aquilo poderia virar uma tragédia, pois aquele paciente não fazia parte dos grupos de risco da época, como homossexuais, usuários de droga e prostitutas.  “Se isso estava acontecendo com esse homem, o que aconteceria com os filhos dele? Minha esperança era que se a gente conseguisse um modo de trabalhar com a juventude na sala de aula, salvaríamos muitas vidas, e eu acho que nós salvamos… isso me dá uma alegria impressionante”.

Em seu livro Fazendo Arte com Camisinha,Vera conta detalhes sobre as oficinas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis realizadas nas escolas, que foram as primeiras do gênero no país. “No trabalho com jovens, o primeiro passo é dar informações completas. Segundo, ter a clareza de que não vale a pena fazer palestra, porque ela não resolve. É necessário ter espaços menores para aprofundar a conversa, tem que ser hiperdialógico. Não adianta dizer para usarem camisinha se não discutirmos cada um dos casos, pois cada tempo coloca obstáculos novos para a prevenção”, comenta a pesquisadora.

Grande parte das pesquisas da professora na área de prevenção é feita como parte de seus trabalhos no Núcleo de Estudos para Prevenção da AIDS (Nepaids), coordenado por ela. O núcleo está lançando uma coletânea, pela Editora Juruá, com uma expressão teórica e prática sobre 10 anos de trabalho na prevenção de AIDS já no século XX. São cinco volumes, escritos por vários profissionais e coordenados por Vera.

No entanto, para colocar em prática as oficinas de prevenção de AIDS dentro das escolas, a equipe do núcleo teve que enfrentar muita resistência da sociedade e do governo, pois se acreditava que falar sobre o tema ou distribuir camisinhas iria estimular o sexo entre adolescentes.

As campanhas governamentais para a prevenção da época diziam coisas como ‘Se você vê cara, não vê AIDS’, ‘Se você não se cuidar, a AIDS vai te pegar’, sobre as quais Vera comenta: “o vírus não pega a gente, a gente que o pega. E o que é se cuidar? É preciso que dizer como, não adianta criar pânico nas pessoas”.

Outra campanha, dizia “Eu tenho sífilis, mas eu vou tomar antibiótico e não vou morrer”, “Eu tenho diabete, mas eu vou tomar remédio e não vou morrer” e no final “Eu tenho AIDS e vou morrer”. A pesquisadora critica: “Isso criou a noção de morte civil. Você extrai a vida da pessoa extraindo os seus direitos, porque você a condena a morte e faz com que cada um que está ao seu lado fique esperando-a morrer. É tirado o direito de a pessoa trabalhar, ter filhos, família. Mas claro que isso foi antes da medicação”.

Comissão da Verdade

Vera com irmãos Nalu, Beatriz e Marcelo, o filho mais velho, Chico, e o sobrinho Michael Rubens na exposição que marcou os 40 anos do desaparecimento de seu pai, em 2011, no Memorial da Resistência de São Paulo. Na imagem ao fundo, Rubens Paiva e sua esposa, Maria Lucrécia

Como representante da família de Rubens Paiva, Vera foi convidada para a instauração da Comissão Nacional da Verdade, em 16 de maio desse ano, e conta que “foi um momento muito emocionante, porque todos os presidentes estavam lá apoiando uma investigação desses anos de chumbo”.

Sobre a contribuição que a Comissão pode trazer à sociedade, ela diz que se trata de retomar o debate e deixar claro para as forças armadas e a polícia de hoje, herdeiras da ditadura, que não é aceitável torturar, matar e prender arbitrariamente. Além disso, ela diz: “A minha esperança é que a gente consiga descrever, de fato, o que aconteceu e ter os números de mortos e desaparecidos políticos. Eu espero que se recupere a memória dessas pessoas e se destaque delas a noção de terrorista”.

Seja em seu trabalho como pesquisadora, no qual lutou para salvar vidas e levar dignidade às pessoas vivendo com AIDS, seja na resistência à violência e arbitrariedade da ditadura, a vida de Vera é marcada pela defesa dos direitos humanos. Mãe de dois meninos, ela comenta: “Se você for olhar o que eu faço hoje, todo o meu trabalho é menos na dimensão do adoecer e mais na prevenção do adoecimento. Fazia sentido pra mim desde que escolhi a profissão. Eu sou bem feliz como psicóloga”.

Um comentário sobre “Uma vida dedicada aos direitos humanos”

  1. Maria Teresa A Silva disse:

    Veroca é um modelo de professora e de militante pelo outro. Teresa

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