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Estudo descobre aspectos inéditos sobre a transmissão do vírus da Hepatite C

Comportamento social pode facilitar a disseminação do vírus 

Marcia Scapaticio 

Com o objetivo de pesquisar a diversidade dos vírus que mais acometem as pessoas no Brasil, surgiu em 2002 o projeto VGDN (Rede de Diversidade Genética Viral). A iniciativa reuniu os laboratórios do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB USP) e o Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina (IMTFM USP). Os quatro vírus em questão eram o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), transmissor da Aids, o HCV, (da Hepatite C), o Hantavírus, que advém de um roedor e causa uma síndrome pulmonar grave e o RSV, que tem origem respiratória e atinge, principalmente, as crianças.

A coleta de material do HCV começou antes mesmo da idealização do VGDM e cobriu o período de 1997 a 2006, com amostras de sangue já armazenadas de um projeto anterior. No total foram mais de 700 amostras e questionários de quatro regiões do Estado de São Paulo. As descobertas sobre a transmissão do vírus da Hepatite C, o HCV, foram relevantes para o trabalho, que ganhou repercussão nacional e internacional, sendo publicado na revista científica americana Plos One.
Um de seus coordenadores, o professor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP) Paolo Zanotto, diz que o resultado mais surpreendente “foi ter percebido que diferentes subtipos da Hepatite C parecem estar estratificados em grupos demográficos de composição etária e comportamentos sociais distintos”. O ineditismo da pesquisa está no aspecto da transmissão: “O trabalho descreve aspectos antes desconhecidos do HCV, ao mostrar que cada subtipo do vírus associa-se a grupos com diferentes hábitos e é transmitido em diferentes redes de relacionamentos”, explica. 

Para a socióloga e pesquisadora do Nepaids (Núcleo de Estudos para a Prevenção do HIV/Aids) e da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo Regina Figueiredo, como a transmissão da Hepatite C é predominantemente sanguínea, “um foco importante a ser estudado, para as mulheres jovens é a ida à manicure, pois a esterilização do material tem que ser total”.
O HCV foi descoberto nos Estados Unidos, no ano de 1989.  No caso do Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, o total de infectados pela Hepatite C, no período de 1989 a 2009, correspondem a 132.950, de  Hepatite B 96.044, já do tipo A somam 124.687 indivíduos infectados . Essa virose é uma doença oculta, sendo diagnosticada através do exame de sangue; demora anos para se manifestar e quando se torna ativa no corpo humano pode se agravar ao transformar-se em cirrose e até em câncer. De acordo com a bióloga do IMT e uma das autoras da pesquisa Camila Romano, o tempo de coleta do sangue é fundamental, “por isso foi possível analisar sua diversidade e, como consequência, obtivemos resultados tão novos e interessantes”, relembra. 

Camila explica o processo da pesquisa

As primeiras respostas às análises feitas nos laboratórios foram quais os subtipos prevalentes no Estado, qual sua diversidade e qual a velocidade de seu desenvolvimento. Camila explica que com os testes em bancos de sangue, a partir de 1993, “a taxa de transmissão caiu praticamente para zero”, mas faz uma pergunta: “Se olhássemos o contágio hoje, o que esperamos encontrar? A resposta seria a diminuição da transmissão, só que isso só foi encontrado para um subtipo do vírus, o 1b. Então constatamos que no 1b, houve uma diminuição a partir da década de 80, mas os outros tipos estavam aumentando”, completa.

Tendo em mãos esses resultados, a equipe considerou dados pessoais e percebeu que determinados genótipos estavam associados a grupos etários, portanto, “poderia haver uma explicação social na transmissão do HCV”, afirma Camila. Dessa forma, os questionários preenchidos foram um auxílio para as conclusões. Houve análise da vida social dos pacientes, demonstrando que os infectados por determinados subtipos apresentavam um maior grau de comportamento de risco para o contágio.

A pesquisa confirmou, de acordo com Camila, que a transmissão do vírus é facilitada quando as pessoas apresentam perfis e costumes parecidos e “como não tínhamos acesso às redes sociais dos pacientes, como Orkut e Facebook, buscamos o parâmetro do contato sexual para investigarmos a extensão de suas relações pessoais”. A divisão foi feita tendo em vista o número de parceiros, menos de cinco ao longo da vida e mais de 50.

Regina prefere analisar por um viés complementar e aponta: “A questão não é só a quantidade de parceiros, mas a quantidade de relações sexuais sem proteção. E quando os pensamentos estão associados aos chamados grupos de risco, a desinformação é maior em relação à Hepatite”. 

Dados sequênciados no computador

Segundo os dados, a maioria dos pacientes se concentrou entre cinco e 50 parceiros, poucos em mais de 50. Camila mostra os números e menciona que “os com mais conectividade, ou seja, relacionam-se com mais pessoas, 50% são portadores do vírus 1a, logo, os vírus novos, transmitidos por determinados grupos sociais,possuem comportamentos associados que favorecem a disseminação da Hepatite C”. Entretanto, a bióloga ressalta que “o resultado não está associado à promiscuidade e até hoje não há prova concreta que transmissão sexual é um meio importante para o HCV”.

Zanotto confirma que “se o pequeno número de portadores de HCV mais jovens e com comportamento de alto risco for relevante para a transmissão epidemiológica, sua identificação possibilita moldar políticas de controle e prevenção focalizadas, eficazes em combater a disseminação”.
O professor cita que as conclusões fazem eco com vários estudos recentes publicados no Hemisfério Norte e completa: “Nossos achados precisam ser considerados com cuidado e a similaridade entre os resultados principais alerta para melhor avaliar o impacto de fatores de risco comportamental na transmissão do vírus da Hepatite C”. 

Saiba mais sobre a mudança comportamental relacionada à Hepatite

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