Há quem não pegue elevador nem que tenha que subir vários andares pela escada, outros entram em desespero assim que vêem uma barata rastejando pelo chão, existem ainda aqueles que preferem passar horas dentro de um ônibus a ter que sentar na poltrona e decolar em um avião. Apesar de muitas vezes causarem desconforto, taquicardia, suores no corpo e uma tremenda sensação de insegurança, acreditem, sentir medo é fundamental para o ser humano.

Segundo Marcus Lira Brandão, professor de Psicobiologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto, “o medo é uma reação adaptativa do meio, na medida em que faz com que o animal se proteja das ameaças do ambiente”, afirma Brandão. O professor explica que a reação do organismo é proporcional à intensidade e à distância da ameaça e que esse fenômeno contribui para a preservação da espécie.

o medo é uma reação adaptativa do meio, na medida em que faz com que o animal se proteja das ameaças do ambiente”

Marcus Lira Brandão

“As reações do homem ou de qualquer outro animal num momento de perigo são basicamente as mesmas”, conta. “Primeiro há um sinal de alerta, depois o congelamento quando não há a possibilidade de fuga e, por fim, a fuga. Ou, dependendo do caso, a reação de ataque defensivo.” Brandão também explica por que após passarmos por um momento de pavor, sentimos as reações somente depois do perigo ir embora. “Essa reação posterior a um momento de perigo acontece porque é nesse momento que o cérebro está processando a informação que acabou de receber. Ele associa o que acabou de ocorrer com uma série de informações anteriores que lhe dão a noção de perigo”.


Normando Peres Silva Moura, funcionário da Seção de Cultura da Faculdade de Letras, sabe do que Brandão está falando. Certo dia, vinha de sua casa em Cotia para São Paulo, dirigindo o carro a cerca de 100 km/h. Logo após a curva, percebeu que o trânsito estava parado e freou bruscamente, parando a poucos metros de causar um acidente. “No momento eu reagi bem, mas segundos depois comecei a sentir as pernas tremendo e a colega que estava no banco do passageiro comentou que eu estava muito branco”, relata. Naqueles segundos após a freada, o cérebro de Normando provavelmente associou as informações de que ele estava em alta velocidade, que havia um carro à sua frente, e que um acidente ali poderia colocar em risco a sua vida. Por isso a tremedeira e palidez.

foto:Cecília Bastos
No momento eu reagi bem, mas segundos depois comecei a sentir as pernas tremendo e a colega que estava no banco do passageiro comentou que eu estava muito branco”

Normando Peres Silva Moura

A responsável por reconhecer essas informações é a amígdala, não aquela que fica no fundo da garganta, mas uma outra, localizada dentro do cérebro. É ela que identifica o medo e ‘explica’ ao organismo o real perigo daquele instante. “Fica a cargo da amígdala também liberar a endorfina, que tem efeito analgésico sobre o organismo, ou seja, permite ao indivíduo ou animal suportar um pouco mais a dor num momento de perigo”, explica Brandão, coordenador do Laboratório de Psicobiologia da USP de Ribeirão Preto, onde há três anos é desenvolvido o Projeto Psicobiologia do Medo e Estresse, que estuda a organização neural do medo, as respostas do organismo e os estímulos sensoriais (luz, som, etc.) que o provocam.

foto:Cecília Bastos
Quando estou sozinha eu até consigo matar a barata, mas só a custo de muito briga e gritaria”

Maria Lucia Mota

Algumas vezes o medo pode virar piada, como o pavor que a analista de comunicação social do Instituto de Ciências Biomédicas, Maria Lucia Mota, sente por baratas e que a faz mobilizar diversos colegas de trabalho quando o pobre inseto aparece. “Quando estou sozinha eu até consigo matar a barata, mas só a custo de muito briga e gritaria”, explica Maria, que já passou pelo que para muitos seria um trauma, de sentir uma barata subindo pela perna durante o banho. Brincadeiras à parte, em alguns casos o medo se torna doentio e extremamente danoso ao indivíduo. “É o prejuízo em algum aspecto importante da vida que caracteriza o medo patológico ou o transtorno de ansiedade. Prejuízo na vida profissional, na vida pessoal ou no lazer, por exemplo”, explica o médico do Instituto de Psiquiatria do HC, Tito Paes de Barros Neto.

Com as baratas, até que Maria se dá bem, mas quando o assunto é violência, aí sim, a funcionária tenta se policiar para não cair nesse quadro apontado pelo dr. Paes de Barros. Ela é daquelas pessoas que diariamente mudam o caminho para casa e, faça chuva ou faça sol, não abre as janelas do carro para nada. “Eu tento manter o equilíbrio para não deixar esse medo dominar minha vida”, afirma a funcionária, que mora sozinha e já interrompeu a leitura de Rota 66, do jornalista Caco Barcelos, porque o livro, que trata da violência policial, a deixava “um tanto assustada”.

A pessoa não pode se encolher, evitar o medo, essa é a contramão do tratamento e da solução do problema”

dr. Paes de Barros

Ainda na psiquiatria, há outra forma em que o medo pode se tornar extremamente prejudicial ao indivíduo. É o que os médicos chamam de Transtorno (ou Síndrome) do Pânico. “O que se chama de Síndrome do Pânico é um ataque de ansiedade que pode durar de 15 a 30 minutos, em que o indivíduo é assaltado por um pavor intenso”, explica Paes de Barros. Segundo ele, as crises de pânico muitas vezes são desencadeadas mesmo sem um objeto real que cause medo, e os sintomas são taquicardia, falta de ar, tremor, sudorese, tontura, boca seca, entre outros. Segundo dados da Associação Nacional de Síndrome do Pânico, a doença atinge de 2% a 4% da população mundial, na sua maioria jovens entre 21 e 40 anos. O médico afirma ainda que, ao contrário do que se pensa, o transtorno não é um mal exclusivo de quem mora em metrópoles como São Paulo. “Foi feito um estudo em cinco cidades dos EUA, sendo duas metrópoles e três cidades menores, inclusive rurais. A prevalência de transtornos de ansiedade e de pânico foi exatamente a mesma.”

foto:Francisco Emolo
“Trabalhar com cadáveres não é nem um pouco diferente de trabalhar com um computador, um eletrodoméstico ou qualquer coisa assim. Para mim, é como lidar com uma máquina”

Miguel da Silva Passos

Dr. Paes de Barros explica que a melhor maneira de combater um medo é enfrentá-lo. “A pessoa não pode se encolher, evitar o medo, essa é a contramão do tratamento e da solução do problema”, explica o médico que escreveu um livro chamado Sem medo de ter medo, onde, além de outras observações a respeito do tema, descreve exercícios para enfrentar seus temores. “São exercícios de exposição, de enfrentamento gradual, sistemático, em que a pessoa encara gradativamente situações de menor medo até situações de maior medo”, indica o médico. “Quem tem medo de sair sozinho, por exemplo, deve se expor a uma situação de ansiedade mínima, como ficar na frente de casa por um tempo. Em outro dia, vai até a esquina, depois uma volta no quarteirão, e assim por diante.”

foto:Francisco Emolo

Talvez seja mais ou menos essa a atitude de Miguel da Silva Passos Junior, que há 30 anos trabalha na Faculdade de Medicina, boa parte deles num setor que causaria calafrios naqueles que não têm muita intimidade com a área da saúde, o setor de Anatomia. Embora os amigos achem seu trabalho bastante sinistro, Miguel não se importa de trabalhar num ambiente cercado por cadáveres. “Trabalhar com cadáveres não é nem um pouco diferente de trabalhar com um computador, um eletrodoméstico ou qualquer coisa assim. Para mim, é como lidar com uma máquina”, conta. As faxineiras da Faculdade, entretanto, não compartilham da mesma opinião e preferem nem se arriscar a varrer a sujeira de dentro da sala de Anatomia.