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novela
por
Marcos Jorge




O Brasil foi uma, duas, três, quatro, cinco vezes campeão mundial de futebol. Uma ditadura subiu ao poder e foi derrubada pela democracia. Três diferentes papas lideraram a Igreja Católica. Em pouco mais de meio século, muitas coisas mudaram, mas um hábito do brasileiro permaneceu intocável ao longo desse período: o ritual de diariamente acompanhar sua telenovela predileta.

Ela surgiu no Brasil em meados dos anos 50, seguindo outro sucesso, a radionovela, e logo conquistou o coração do público. “O sucesso da telenovela deve-se a uma combinação de elementos de aceitação popular: radionovela, cine em episódios, folhetins literários, melodrama no teatro”, afirma a professora Renata Pallottini, do Núcleo de Estudos em Telenovela da ECA-USP. “Todos esses gêneros têm grande aceitação na massa e a telenovela segue o mesmo caminho.”

foto:Francisco Emolo
O sucesso da telenovela deve-se a uma combinação de elementos de aceitação popular: radionovela, cine em episódios, folhetins literários, melodrama no teatro”

Renata Pallottini

Para se ter uma idéia da popularidade da telenovela no Brasil, basta dar uma olhada em alguns números fornecidos pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística). Na semana de 22 a 28 de agosto, quatro novelas estavam entre os programas de maior audiência: “Floribella”, na Bandeirantes, “Essas Mulheres”, na Record, além das “globais” “Alma Gêmea” e “América”. Essa última, o programa mais assistido da grade brasileira com 53 pontos no Ibope. Vale lembrar que o grande sucesso da teledramaturgia brasileira, “Senhora do Destino”, atingiu em seu penúltimo episódio 62 pontos. Difícil de imaginar essa audiência? Então saiba que cada ponto no Ibope representa 49,5 mil domicílios, ou seja, naquela noite mais de 2,5 milhões de televisores, somente na Grande São Paulo, estavam ligados na trama de Aguinaldo Silva.


Embora não seja uma especialista, Eliane Luis Pereira, vigilante feminina no Cepeusp, entende bastante de telenovela. Conseqüência de um hábito familiar de sentar em frente à televisão e acompanhar os melodramas, que vem desde a infância, “Vejo novelas desde que tinha uns 12 anos, e hoje em dia elas são uma espécie de companhia para mim”, afirma Eliane, que mora sozinha, não tem filhos e gostou principalmente de “Sinhá Moça”, “Pantanal” e “O Clone”. “Das mexicanas só assisti àquelas que tinham a Thalia (Ariadna Thalia Sodi Miranda) no elenco”, explica, referindo-se à “trilogia” mexicana das Marias (Maria do Bairro, Maria Mercedes e Marimar).

foto:Francisco Emolo
Eu admiro a produção técnica das novelas, o figurino, cenário, trama, mas o que não me atrai é o conteúdo”

Fábio Batista da Silva

Realmente, no quesito telenovelas o Brasil é referência mundial. Não só pela audiência dentro do País, mas pelo sucesso que elas atingem no exterior. Um dos maiores exemplos desse sucesso foi o caso de “A Escrava Isaura”, vendida para diversos países e que transformou a atriz Lucélia Santos numa verdadeira celebridade russa. “Dentre as telenovelas que vejo, a brasileira é a melhor, do ponto de vista técnico é a mais bem feita, tem melhores atores, utiliza mais externas, mais locações, e, principalmente, no que toca ao roteiro, é mais leve, coerente e verossímil”, explica Renata Pallottini. A professora da ECA, que também é dramaturga e escreveu episódios do seriado “Malu Mulher” e algumas telenovelas, se opõe à crença de que existe uma fórmula para escrever novelas. “Não acho que exista uma receita para fazer novelas. Existem, claro, algumas constantes do gênero, mas insistir no que já tem sido feito muitas vezes me parece um conservadorismo malsucedido”, contesta.

Talvez um sinal dessa fuga do conservadorismo seja o fato de alguns temas, antes polêmicos, estarem sendo colocados em discussão justamente por meio das telenovelas. É o caso, por exemplo, das relações homossexuais em “O Clone”, ou a questão agrária de “O Rei do Gado”. Para Renata, a liberalização no tratamento de temas conflituosos e polêmicos é uma tendência geral. “Hoje em dia trata-se de sexo em revistas para famílias, de drogas pelo rádio ou nas igrejas, do crime em TV. A telenovela só fez adaptar-se à evolução dessa liberalização”, afirma.


Quando não vejo a novela me sinto um pouco frustrada”

Marivone de Fátima Souza

Apesar de trabalhar num núcleo de estudos dedicado unicamente à telenovela, Renata ainda vê um pouco de preconceito em relação à telenovela “especialmente por parte de alguns intelectuais mais elitistas, e até por parte da Academia igualmente elitista”, diz. No caso de Fábio Batista da Silva, secretário do Departamento de Bioquímica da Química, não é bem o preconceito que o afasta da televisão no horário nobre. “Eu admiro a produção técnica das novelas, o figurino, cenário, trama, mas o que não me atrai é o conteúdo”, afirma Batista, que prefere ler um livro ou assistir a algum outro programa de TV, como jornal ou documentário. Forçando um pouco a memória, ele lembra que viu “A Escrava Isaura” e que gostou “porque conhecia a história da escrava e ficou admirado com a produção que reconstituiu um cenário de 100 anos atrás”, explica.


Adorada por brasileiros, russos e até por quem não gosta de telenovela, na opinião de Marivone de Fátima Bardela de Souza, “A Escrava Isaura” “é muito sofrida”. A funcionária do Centrinho, em Bauru, prefere aquelas mais românticas e diz que até chora com os personagens algumas vezes. A paixão de Marivone por novelas pode ser medida por alguns hábitos peculiares, como ler no jornal o que vai acontecer na novela naquela semana e ainda assim gravar episódios que, por algum motivo, não consiga assistir. “Quando não vejo a novela me sinto um pouco frustrada”, conta.

Depois de ver tanta novela, é até difícil de lembrar aquela que mais gostou, mas quando o assunto é a personagem predileta, Marivone tem na ponta da língua alguns nomes. Um deles é a da sem-terra Luana, de “O Rei do Gado”, interpretada por Patrícia Pillar. A segunda da lista é Maria do Carmo, personagem de Suzana Vieira, em “Senhora do Destino”. “Ela é um exemplo de luta, de quem criou os filhos com dificuldade e depois ainda enfrentou a rebeldia deles”, orgulha-se. “Existem muitas coisas na novela que servem de exemplo para nós. Sou uma mulher lutadora, gosto de estar sempre aprendendo e sou uma pessoa muito humana e romântica. Talvez por isso goste tanto de telenovela”, conclui Marivone, que com todo esse romantismo poderia muito bem ser personagem da próxima novela das seis.

 

 
 
 
 
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