Muitos adoram e muitos odeiam. Essa época de final de ano divide opiniões e sentimentos. Uma atmosfera de missão cumprida envolve as pessoas, que parecem chegar na encruzilhada da pergunta, o que você fez ? Além de refletir sobre o que passou, esses cerca de quarenta dias que envolvem o Natal são o momento perfeito para as famosas promessas de ano novo. “O final do ano sempre mexe com emoções, em geral ligadas a coisas mais primárias, que são a família e as primeiras experiências emocionais”, afirma Ana Cristina Limongi, psicóloga e professora do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade em São Paulo. “Em função disso podem existir três direções: a euforia, a negação e a depressão. É um fato cultural que gera impactos emocionais importantes”, explica.
Para Márcia Fernandez, enfermeira do Sistema Único de Saúde da USP (Sisusp) em Ribeirão Preto, é uma questão de necessidade refletir nesse período sobre o que aconteceu e reavaliar o que pode melhorar, além de fazer novos projetos. “É uma tradição. Vivemos numa correria tão grande que, quando vemos, já acabou. Estamos num ritmo tão frenético que é comum ouvirmos ‘já é Natal de novo!’ ”, afirma Márcia. Apesar do clima de alegria, é preciso se empenhar para fazer o melhor, “essa é uma fase que me entristece muito, porque pessoas de que gostávamos muito não estão mais próximas. Mas, mesmo assim, tento dar o melhor de mim, tanto na família quanto no trabalho”, completa. Há pessoas que entram num clima eufórico de festa, de encontrar quem não viu o ano todo. A professora Leila Cury Tardivo, do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia, diz que alguns chegam a sair da realidade, “pessoas que não se davam bem até novembro, em dezembro são felizes para sempre e em janeiro voltam a brigar. Isso mostra uma dificuldade em lidar com a realidade, as relações têm coisas muito boas e tem suas dificuldades também”. O problema são mudanças radicais de comportamento, que se transformam num processo cíclico de promessas que não geram resultados. “Há um aspecto positivo, que é se dar conta de que a vida não é só trabalhar e ganhar dinheiro, mas que também existe amor, amizade e solidariedade. O que sugerimos é que, na medida do possível, consigamos fazer essa reflexão no resto do ano”, completa Leila.
“Existe uma saudade que não é ruim, do bom que vivi. Mas há saudades muito dolorosas, mais melancólicas, que é a saudade do que não vivi, do que queria ter vivido e não pude, isso realmente pode gerar depressão”, afirma Leila. As pessoas se dão conta, também, das perdas reais que sofreram. “Muita gente não gosta dessa época do ano se morreram pessoas queridas, o primeiro Natal sem esse alguém é dificílimo. Mas com o passar do tempo, pode surgir uma saudade de lembranças boas e do vínculo que ficou dentro de você com essa pessoa, e isso te apazigua, te faz bem”, afirma a professora do IP. Existe, ainda, um terceiro tipo de reação a esse período do ano, que é a negação. “É a pessoa que fala ‘não sei e não quero saber’ e acha isso uma palhaçada. Mas como essa pessoa é pressionada, ela fica meio sarcástica, fala que é tudo comércio. Há a necessidade de dizer que isso não lhe pertence”, afirma Ana Cristina. Negação, depressão e euforia são comportamentos saudáveis na medida em que são formas de lidar com a emoção, mas se tornam nocivos quando você os usa de forma muito intensa e sem visão crítica. “São problemas sérios e muito mais freqüentes do que se imagina. Acho que a primeira atitude é, durante o ano, ir retomando algumas pequenas atividades de convivência social, fazer um almoço com um grupo de amigos, ir encontrar mais a família”, acredita Ana Cristina. Outro fator determinante desse estado de espírito diferenciado é a faixa de idade. “Se você é mais jovem, está com hormônios a mil por hora, quando você começa a envelhecer, surge uma preocupação com o futuro e se viveu bem a vida”, afirma a professora da FEA. A família de Andréa de Lima Lopes Pacheco, secretária do Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP), sempre comemora todas as datas, mesmo que seja com simplicidade. “Como são muitas pessoas, fazemos uma única festa para os aniversariantes do mês”, conta Andréa, que gosta da época do Natal e costuma passar com a família. “É parte da cultura, desde quando eu era pequena, minha família tem o hábito de se arrumar e cear todos juntos. Até a meia-noite fico na casa da minha mãe, depois vou para a casa da família do meu marido.” É, realmente, uma questão de hábito, para algumas pessoas certos gestos marcam o recomeço a cada ano. Andréia conta ainda que seu marido não gosta muito dessa época, “ele acha que as pessoas são um pouco falsas, e como não teve alguns hábitos desde pequeno, não entende, por exemplo, por que eu tenho que comprar roupa nova para a festa de Natal”.
Mesmo tendo como pano de fundo as religiões cristãs, o comportamento das pessoas no final do ano está inserido na cultura em geral. “Até quem não é cristão comemora o Ano Novo, é uma prática social, a troca de cartões e presentes”, comenta Ana Cristina. Para Leila, o problema são as promessas inatingíveis, “vou começar na academia, vou emagrecer 10kg, esse ano vou dar mais atenção para isso... quando as pessoas prometem não estão mentindo, na verdade estão pensando nisso, mas talvez sem se dar conta das reais possibilidades delas e dos outros”. Um planejamento consciente depende essencialmente de um bom diagnóstico atual e da avaliação dos pontos fortes e fracos num horizonte de seis meses a um ano. “Você tem que ser mais bonzinho com você, porque às vezes a gente acaba sendo excessivamente idealista. Então, são duas frustrações: perceber que não é um super-homem ou uma supermulher e que não conseguiu arrumar o que precisava, porque gastou tempo com coisa errada”, afirma Ana Cristina. Um pouquinho de sonho faz bem, faz a rotina se tornar mais leve, por isso no final do ano a perspectiva de férias, de uma viagem ou do 13º salário muda até mesmo o humor das pessoas; o que não é saudável é desconectar-se da realidade. As demonstrações de alegria e solidariedade poderiam se estender ao longo do ano, mas as preocupações do dia-a-dia acabam adiando essas atitudes. Para Leila, é possível perpetuar essa integração, “algumas empresas fazem o aniversário do mês, um almoço ou café da manhã com todo mundo junto. Vamos bater papo, às vezes você não sabe que um colega está com um problema, por que não se aproximar e dar uma palavra?”. Outra dica é “bolar programas realizáveis, pegar um cineminha, ir a um museu, se quer conhecer a casa onde nasceu, vá logo!”, aconselha Ana Cristina, para quem o segredo está na retomada da informalidade e do riso. A professora Leila Cury Tardivo é coordenadora do Projeto Apoiar do Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica e Social, que atende toda a comunidade. Tel.: 5044-6962. |