Foto: Cecília Bastos

Como cuidados com o lixo no trabalho e no espaço público podem colaborar para uma cidade (e um mundo) melhor


Foto:Cecília Bastos

Um motorista de caminhão levando placas de alumínio deixa cair, em rua próxima ao centro de São Paulo, parte da carga: olha para trás, mas prefere
seguir viagem, obstruindo a passagem de outros carros. Dentro de um ônibus da cidade, um garoto come salgadinho e joga a embalagem vazia pela janela.

No Parque Ibirapuera, outros resíduos de alimentos comprados por ali são simplesmente largados no chão. Extrapolando o limite dos municípios, a concessionária Ecovias, que administra as rodovias Anchieta e Imigrantes, diz recolher 110 toneladas de lixo arremessado de carros por mês nas estradas. Cenas cotidianas como essas trazem à tona uma discussão muitas vezes deixada de lado quando o assunto é enchente e lixo acumulado nas ruas: educação ambiental e a consciência social.

“No Japão não há varrição de rua, porque as pessoas são educadas. Tornou-se uma cultura. Para se chegar a isso, são necessárias duas coisas: educação e infra-estrutura de coleta, com lixeiras em todos os lugares”, avalia Elisabeth Grimberg, pesquisadora do Instituto Pólis, que destaca a importância de mudar a cultura do “estragou, joga fora”, para reutilizar, recondicionar, consertar.

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Objetivos como os destacados por Elisabeth, constantemente reforçados em encontros mundiais como a “8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8)”, em Curitiba, contrastam com o descaso de muitos cidadãos em relação aos resíduos por eles produzidos. O episódio do caminhão que largou placas de alumínio na rua é um exemplo disso. O fato foi presenciado, no final do ano passado, por Ana de Oliveira Martins, auxiliar de administração do Tusp. “Policiais precisaram vir e retirar as placas, porque ninguém conseguia passar”, lembra. Para Ana, este tipo de atitude é causado não só por falta de informação e educação, mas também por egoísmo. “As pessoas não querem ficar com aquele lixo. Minha bolsa é cheia de papel e lixinhos, carrego tudo até ter lugar para jogar”, explica.

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Ao flagrar alguém jogando papel nas ruas da cidade que produz 8 mil toneladas de resíduos por dia, a funcionária não disfarça o inconformismo. “Se eu conheço a pessoa, pego o papel e jogo no lixo. Ela fica olhando e acha estranho. Se não conheço, não faço isso, porque ela pode se ofender ou ser agressiva. Fico indignada com aqueles que jogam latinha pela janela do ônibus, é terrível!”, comenta.

Já Terezinha Maria da Silva, telefonista da Faculdade de Direito, acha que a função de repreender aqueles que usam a rua como depósito de embalagens deveria ser realizada por um profissional. “Não comento nada, pode provocar discussão. Isso devia ser feito por pessoas preparadas para dar serviço educativo”, sugere ela, contando que já chegou a largar coisas na rua antes de conhecer, por meio de um panfleto, o tempo de decomposição dos materiais na natureza.
Quando ficou sabendo que o papel pode demorar de 3 a 6 meses, o plástico, 100 anos, o vidro, até 4 mil, e que os metais jamais se decompõem, a atitude mudou. Há três anos, ela separa o material reciclável do seu lixo para catadores que ficam próximos a sua casa, em Santo Amaro.

Além do que é jogado nas vias públicas, vale destacar a quantidade gigantesca recolhida diariamente nos domicílios do Estado de São Paulo. Segundo a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), são 28 mil toneladas, num universo de 645 municípios.
“Isso tudo não é lixo”, reforça Afonso Matchil, vigilante da São Francisco. “Jogado na natureza, se deteriora. Reciclado, ganha finalidade”, diz ele, que já ganhou dinheiro vendendo papelão e jornal de condomínios para uma editora de livros. “O povo quer se livrar de móveis, cama.... Se mudar essa atitude, acaba a enchente em São Paulo”, prevê ele. “O pessoal tem dificuldade de pensar no semelhante.”

A reclamação de Terezinha quanto à falta de grandes campanhas educativas encabeçadas pela Prefeitura de São Paulo soma-se à observação de Helena Ribeiro, professora da Faculdade de Saúde Pública, que vê um trabalho abaixo do esperado. “A Prefeitura costuma fazer um pouco de divulgação no início da implantação de contêineres, mas depois não faz mais. A orientação deve ser constante, mas também é preciso oferecer comodidade aos cidadãos, ampliando o número desses contêineres em lugares próximos e fechados”, adverte ela, retomando a observação de Elisabeth Grimberg.
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Helena coordenou recente pesquisa sobre coleta seletiva de lixo na região metropolitana de São Paulo, que mostrou o crescimento de programas de coleta desenvolvidos em parceria com prefeituras e organizações de catadores. Os dados apontam 19 municípios com esses programas, que minimizam os resíduos encaminhados para aterros e proporcionam inclusão social e geração de trabalho e renda para cerca de 1.250 cooperados. Ao oferecer capacitação técnica, pagamento dos motoristas de caminhões e de tarifas de luz e água, por exemplo, as prefeituras colaboram para que essas pessoas recebam, em média, R$ 450. “Não é muito, mas ganham renda e proteção à saúde”, destaca a professora. Entre as recomendações da pesquisa às gestões municipais, estão definir metas de implantação e ampliação da coleta seletiva e divulgar os programas para ampliar a participação da população e volume de materiais coletados de forma adequada.

Dentro da USP

Foto:Cecília Bastos
A Universidade também enfrenta desafios parecidos com as administrações municipais na questão dos resíduos sólidos. A partir do dia 19 deste mês, o campus de São Paulo se junta aos outros campi do interior para oferecer coleta seletiva de plástico, metal, papel e vidro, em medida impulsionada pelo USP Recicla, ligado à Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e de Atividades Especiais (Cecae).
“A reciclagem é a última etapa do nosso programa de gestão dos resíduos”, explica Antonio Vitor Rosa, educador do USP Recicla. Segundo ele, o esforço anterior à reciclagem está na redução do uso de materiais
descartáveis, como a substituição de envelopes descartáveis pelo envelope do tipo vai-e-vem, e no incentivo à reutilização desses materiais. O papel sulfite já impresso, por exemplo, pode render bloquinhos de rascunho. Paralelo ao trabalho dos três “Rs”, segundo Rosa, está a educação.
Envolvida na ponta do trabalho do USP Recicla, Maria Helena Pereira conhece muito bem o desafio de convencer colegas a mudar pequenos hábitos do dia-a-dia para diminuir o lixo gerado na Escola de Enfermagem.
Coordenadora do programa na unidade desde 2001, Maria Helena explica que sua atual estratégia na escola é mostrar o que tem sido feito, como a coleta de papéis em caixas e o descarte de lâmpadas fluorescentes, além da substituição dos copinhos descartáveis pela caneca permanente. “Assim as pessoas vão se animando”, diz ela, que também fez curso de especialização em gestão de resíduos na Faculdade de Saúde Pública.
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LIXO E CIDADANIA

Prefeitura de São Paulo
Página informa como proceder para denunciar o atraso na coleta de lixo, o acúmulo de lixo em via pública e varrição mal executada, entre outros.

USP Recicla
Oferece dados sobre o trabalho de educação e gestão de resíduos realizado na Universidade. Há orientação sobre como fazer sua própria reciclagem e também uma composteira para tratar do lixo orgânico.

Lixo.com
Site com informação sobre cuidados com o lixo e endereços para contato com cooperativas de catadores em São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte.

Pólis
Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais
Área de Ambiente Urbano da ONG disponibiliza material de pesquisas sobre resíduos sólidos, coleta seletiva e experiência de organização política do movimento de catadores no Brasil.