Pesquisa da FMUSP revela excesso de iodo no sal e o conseqüente aumento dos casos de tireoidite de Hashimoto


A falta de iodo pode levar a uma série de problemas de saúde, mas o excesso também. “Uma planta precisa de determinada quantidade de água para viver. Se regar demais, ela morre, se colocar muito pouca água, ela não vai bem. A tireóide é como essa planta, quando não recebe o mínimo de 100 microgramas (mcg) até o máximo de 290 mcg de iodo por dia, não funciona normalmente”, explica o endocrinologista Geraldo Medeiros Neto, chefe da Unidade de Tireóide do Hospital das Clínicas (HC) e coordenador das pesquisas que comprovaram o excesso de iodo no sal e o conseqüente aumento de casos de Tireoidite Crônica Auto-Imune, conhecida como Tireoidite de Hashimoto (TH).



“Quando a glândula tireóide fica muita cheia de iodo, nosso sistema que fabrica anticorpos manda os seus soldadinhos, as células brancas do sangue, investigarem o que está acontecendo. Eles acham que a tireóide não pertence ao corpo daquela pessoa e começa a haver fabricação de anticorpos contra a própria glândula.” Os sintomas são bastante tênues e aparecem muito lentamente. Fadiga crônica, intolerância ao frio, ganho de peso, aumento do colesterol, queda de cabelo, unhas quebradiças, pele muito seca e amarelada são alguns deles. Porém, a pessoa diagnosticada com TH pode levar uma vida normal se submetida à medicação indicada.

Foto:Francisco Emolo
Se o excesso de iodo pode levar causar tipo de doença, então qual a razão do sal iodado? Os efeitos da carência de iodo no organismo são ainda piores, o principal é que a criança que nasce de uma mãe que não recebeu iodo tem 20% a 25% menos massa cerebral. “Se a grávida não tiver um mínimo de 200 mcg a 300 mcg de iodo por dia, o recém-nascido pode apresentar sérios problemas cognitivos. Essas crianças não conseguem aprender, têm repetições sucessivas, abandonam a escola, não podendo se tornar elementos úteis e produtivos dentro da sociedade”, diz Medeiros.

Nos anos de 1955 e 1975, foram feitas tentativas de iodação do sal, mas falharam, pois a compra do iodo ficou a cargo do salineiro. Até que em 1982, foi criado um núcleo de trabalho no Ministério da Saúde, do qual Medeiros fez parte, e verificou-se que poderia ser utilizada uma verba de emergência
do ministério. Então, de 1982 a 1992, o salineiro ganhou o iodo e a produção foi fiscalizada. Até que o advogado-geral da União declarou esse processo ilegal. “Ficamos três anos em um período negro... Até passarmos pelo vexame de o Unicef doar 12 milhões de dólares para o Brasil comprar iodo”, recorda Medeiros. “Em 1995, finalmente, contei toda essa história para o ministro da Saúde e ele decidiu por fim nisso.” Foi aprovada uma lei que obrigava todo o sal do Brasil a ser iodado e o Ministério forneceria o iodo.

A iodação começou a ser feita numa proporção de 40 mg a 60 mg de iodo por kg de sal. No entanto, as usinas reclamaram que esses limites eram muito próximos. Com isso, os limites mudaram para 40 mg a 100 mg de iodo por kg de sal. “Eu não sei quem foi, não foi baseado em pesquisa, eu não fui consultado, nem os outros assessores. Foi uma reunião dos usineiros, com a Anvisa e o Ministério da Saúde”, afirma Medeiros. E o iodo ficou em excesso.

Em 2001, foi feita uma enquete de norte a sul do País. “Colhemos urina de mais de 2.300 escolares e verificamos que 70% estavam excretando mais que 300 mcg/dia, 60% deles estavam excretando mais que 500 mcg/dia e 12% mais que 1.000 mcg/dia, isso estendido para população em geral é um desastre”, recorda Medeiros. O estudo foi repetido no Estado de São Paulo e seus resultados levaram à redução do teor de iodo em 2003 para 20 mcg a 60 mcg por kg de sal. Mesmo assim, em 2005, uma nova pesquisa na região do ABC comprovou que muitas pessoas ainda têm excesso de iodo no organismo. “Em 1994, o percentual de TH era de 9%, agora é de 18%. Eu acho que é o excesso de iodo a que estivemos sujeitos durante esses cinco anos”, analisa Medeiros.



Os casos de TH demoram de quatro a cinco anos para começar a aparecer e apenas nas pessoas geneticamente predispostas. Sendo que a mulher apresenta oito vezes mais problemas de tireóide que o homem, pois perde mensalmente uma quantidade de iodo na menstruação e pelo rim, por condições próprias do hormônio feminino. Além disso, sempre precisa de um pouco mais de iodo principalmente na época da gravidez e da lactação. “Eu tive uma reunião no Ministério da Saúde em março, vamos examinar 40 mil escolares, um universo que representa a população toda do Brasil em vários municípios. Coletaremos a urina e amostra de sal que consomem e verificaremos como está a questão da excreção urinária de iodo. Esse projeto já tem sua verba alocada, está pronto para começar”, comemora Medeiros. O endocrinologista responde a dúvidas pelo e-mail duvidas@indatir.org.br.