A inclusão do idoso na sociedade é um valor que não pode ser esquecido


Os cabelos brancos, que já foram símbolo de sabedoria e motivo de honra em sociedades antigas, são hoje, amplamente desmerecidos. Existe uma forte visão generalizada que exclui o idoso do convívio social por ele ser encarado como uma peça obsoleta dentro do atual contexto. “Essa transformação foi consolidada com o advento da era industrial, em que os valores estão relacionados com a capacidade de produzir”, explica Dorli Kamkhagi, psicanalista especializada em gerontologia no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq / HC). “Dessa forma, deixar de produzir significa deixar de ter valor. E é terrível que esse preconceito transforme uma rica trajetória de vida e todo um legado de experiências em vítimas do envelhecimento.”

Para a humanidade, o envelhecer não está apenas relacionado com a passagem do tempo e com as mudanças vitais do corpo, mas também com suas expectativas, desejos e sonhos. Dorli explica que as reclamações mais comuns de idosos em suas consultas são os sentimentos de solidão, esvaziamento e ausência de companheiros para compartilhar vivências. “Eles se sentem como fantasmas, porque ninguém os enxerga. Os mais velhos precisam ser vistos para que participem e não fiquem fora da sociedade. E também porque são responsáveis pela formação de nossas famílias. Nossos filhos precisam saber da importância dos avós, por exemplo”, fala a psicanalista.

Diante desse quadro, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez a recomendação do trabalho voluntário para a terceira idade como uma opção de envelhecimento ativo. Segundo pesquisas realizadas pela Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP), cerca de 27% dos idosos no Município de São Paulo prestam algum tipo de trabalho voluntário. Heather Barker Dutra, responsável pela pesquisa, afirma que se trata de uma prática eficiente, pois “o idoso em atividade melhora sua qualidade de vida e a de pessoas ao seu redor. E isso o faz sentir útil, aumentando sua auto-estima”.


“Parece que somos fantasmas”. Essa frase é uma reclamação constante dos pacientes de Dorli Kamkhagi, especialista em gerontologia

Na visão de Dorli, “é importante pensar num constante movimento de integração. Não basta criar condições especiais em que os idosos apenas vão conviver com outros idosos. Seria como criar guetos”. Na linha desse pensamento, a USP tem o programa Universidade Aberta a Terceira Idade (UATI), em que algumas unidades do campus reservam vagas nas aulas para o público com mais de 60 anos. A proposta é oferecer aos idosos a possibilidade de estudar assuntos de seu interesse e conviver em meio ao público universitário e mais jovem.


“Cancelei os jornais, me cansei da papelada. Agora, só leio pela internet.” Olga Tereza, aposentada e freqüentadora de aulas na USP.

Olga Tereza Bechara, professora aposentada do Instituto de Psicologia, é freqüentadoras das aulas que a Universidade oferece. Atualmente, ela cursa a disciplina Cultura Árabe. “Como idosa, psicóloga e aluna, eu percebo a reação dos mais velhos: eles se sentem engrandecidos por estarem na USP. O contato com novos assuntos e tecnologias influencia a capacidade de interagir com o mundo”, conta. “No começo, se sentem deslocados, mas acabam rejuvenescendo com os graduandos.”


“O conteúdo das aulas não difere em nada do que é oferecido aos demais alunos”, diz o professor sobre as classes para terceira idade .

No IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas), o professor Roberto Dias da Costa ministra um curso de astronomia exclusivo para a terceira idade: “O conteúdo não difere em nada do que é oferecido aos demais alunos. Temos um ritmo mais pausado, com mais aulas em menos encontros por semana. Os idosos gostam muito do curso, são interessados e vêem as coisas com mais calma. No encerramento, em todos os anos, organizam uma festinha com chá e bolo”, conta.

Júlio Simões, antropólogo e professor da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), entende que as limitações biológicas e a degeneração do corpo são os desafios centrais na experiência contemporânea do envelhecimento. “Basta ver que a obsessão pelas formas corporais e a apresentação juvenil atravessam todos os complexos da produção tecnológica e da moda”, diz. Na sua opinião, “o maior gerador de exclusão não é o sentimento de inutilidade - por ter deixado o mercado de trabalho e a atividade - mas sim as conseqüências do declínio físico incontornável. E os cuidados com os idosos dependentes são custosos, em todos os sentidos da expressão, e provocam algum tipo de estresse nos familiares envolvidos”.

Em pesquisa conjunta realizada por instituições do Estado de São Paulo atuantes na área da saúde pública, foi verificado que metade dos idosos precisam de ajuda parcial ou total de terceiros para realizar pelo menos uma atividade do dia. Já 29% precisam do mesmo tipo de ajuda para três atividades diárias. E 17%, auxílio para mais de quatro. “Quando se fala nos movimentos que refutam a visão melancólica do envelhecimento e lidam com as ações positivas de explorar as possibilidades que o envelhecimento oferece, é preciso reconhecer que elas se voltam para os idosos saudáveis. Isso não quer dizer, portanto, que haja uma maior tolerância com a velhice.”

 


No Projeto Envelhecer Sorrindo, organizado na Faculdade de Odontologia com coordenação dos professores Moacy Domingos e Maria Luiza Moreira, a qualidade de vida é tratada a partir de cuidados com a saúde bucal dos idosos. Muitas vezes os problemas dentários podem impedir um diálogo ou uma refeição, o que, conseqüentemente, impede que o indivíduo se misture com outras pessoas. Fatos como esse levaram o projeto a uma abordagem mais social, incluindo acompanhamento de uma arte-terapeuta que realiza sessão durante o período de permanência na sala de espera. “Não criamos condições especiais para ninguém. Todos respeitam o horário e a lista de espera como iguais”, diz a professora Maria Luiza.

Marina Pasternac, filha de José Álvares de Souza, é acompanhante do pai nos dias de consulta. “O atendimento aqui é muito bom, nós conseguimos nos esclarecer e falar com quem está fazendo o tratamento. Sorte que tenho quem nos traz de carro até aqui, porque não tem como vir de ônibus com meu pai”, conta.

Foto Maria Pasternac com o pai José + A maioria dos idosos precisa de auxílio para uma ou mais atividades durante o dia. Nisso, a família pode ter dificuldades sérias. “Sorte que tenho quem nos traz até aqui”, diz Maria, acompanhante do pai no Projeto Envelhecer Sorrindo.

O antropólogo Júlio Simões reconhece a importância da família, mas destaca a necessidade de políticas públicas mais abrangentes: “O grande problema é amparar a velhice dependente e não dá para apontar as famílias como saída para a questão de saúde pública da terceira idade. É necessário repensar as instituições capazes de tratar a velhice com dignidade, como novos centros de residência de idosos que não sejam privilégio apenas de quem pode pagar.”

Serviço

Programa Universidade Aberta à Terceira Idade
Fique atento ao período de matrículas para as disciplinas do 2º semestre de 2006
http://www.usp.br/prc/3idade/

Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
Grupo de acompanhamento psicológico para maiores de 55 anos. Os participantes são selecionados no início do ano. Mais informações sobre os encontros e vagas pelo telefone (11) 3069-6576

Projeto Envelhecer Sorrindo
Atendimento odontológico com custos reduzidos. Informações na Faculdade de Odontologia (11) 3091-7882