texto: Circe Bonatelli
Fotos: Cecília Bastos/ Reprodução

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Nas escadas rolantes e paredes das estações de Metrô, em São Paulo, um anúncio publicitário chama a atenção com os dizeres: “Apatia?”, “Irritabilidade?”, “Desinteresse sexual?” Por último: “Isso pode ser andropausa” e o endereço da clínica médica. Andropausa existe, mas é bem diferente do que o nome ou a propaganda acima levam a crer.

“O termo é biologicamente incorreto”, explica o urologista Aguinaldo Nardi, do Centrinho (Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais) da USP em Bauru. “Ao contrário do que acontece nas mulheres durante a menopausa, o homem não vive a interrupção [pausa] na produção de seu hormônio sexual, a testosterona.” O médico explica que o fenômeno masculino está relacionado à alteração nos níveis desse hormônio no sangue, mas não à sua parada total. Por isso, não pode ser comparado com a menopausa (veja mais diferenças na imagem abaixo).

Junto dessa mudança, aparecem diversos sintomas, além dos mencionados na propaganda do Metrô: dificuldades de concentração, de ereção, problemas de memória, insônia, depressão, aumento da gordura corporal, osteoporose e perda de pêlos. No entanto, um diagnóstico exato não pode ser feito apenas através dos sintomas. Problemas de coração, uso de medicamentos, estresse e cansaço também são grandes causadores de reações parecidas. Portanto, somente a consulta médica pode confirmar o quadro.

“É uma coisa muito subjetiva. Eu trabalho e estudo a noite, ando cansado o tempo todo”, diz o bem-humorado Reginaldo Mariano da Silva, 48 anos, funcionário da Escola Politécnica. “Cheguei a ir ao geriatra. Fiquei sabendo que ainda sou muito novo para uma consulta com ele. Mas deixou claro que é preciso saber envelhecer. Isso significa entender o que é natural.”

“A propaganda é uma sacanagem. O homem que trabalhou um dia inteiro e volta cansado para casa vai olhar o anúncio sobre andropausa e pensar: ‘sou eu'”. Aguinaldo Nardi, urologista

   

A diminuição da testosterona é um fenômeno comum, faz parte do envelhecimento. Homens na faixa dos 40 anos começam a perder entre 1% e 2% do hormônio por ano. Porém, existe outra alteração que pode ocorrer no mesmo período, o Déficit Androgênico do Envelhecimento Masculino, ou Daem. Esse caso ocorre apenas em 15% dos indivíduos, e se caracteriza por uma diminuição mais acentuada da produção hormonal, superando a porcentagem média. A maneira dos médicos encararem essas questões é variável.

 

 

 

 

 

 

Cecília Bastos
“Nos Estados Unidos, o mercado de anabolizantes e testosterona movimenta US$ 2 bilhões por ano. É uma exploração”, diz o professor Miguel Srougi.

 


“A dieta também é muito importante como preventivo dos sintomas da andropausa. Os homens nesta faixa etária devem restringir o colesterol e o açúcar, além de comer alimentos com maior teor de sais minerais e vitaminas, tais como hortaliças em geral e frutas.” Jocelem Salgado, professora de nutrição da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz)

 

 

A expectativa de vida cresceu significativamente nas últimas décadas e a longevidade deixa mais evidente nos homens os efeitos da diminuição do testosterona ao longo dos anos. Por isso, fala-se mais em andropausa hoje em dia. Alguns médicos consideram o fenômeno responsável direto pela perda de qualidade na vida masculina, e julgam necessário iniciar o tratamento com reposição hormonal. Outros, no entanto, entendem que a reposição deve ser feita apenas em indivíduos afetados pelo Daem, isto é, quando existe uma alteração comprovadamente anormal.

“Como a andropausa não é algo muito claro, e a reposição da testosterona pode causar transtornos, só deve ser usada em casos fora do comum para os homens”, recomenda Miguel Srougi, urologista e professor da Faculdade de Medicina da USP. Ele também cita um artigo de outubro do New England Medicine Journal, uma das publicações médicas mais importantes no mundo científico. O artigo coloca em xeque os resultados da reposição hormonal, geralmente utilizada para combater os sintomas da andropausa - perda de libido, aumento da gordura corporal e descalcificação óssea. Segundo os estudos divulgados, o uso de testosterona só é capaz de amenizar a descalcificação. Isso confirma o equívoco na utilização do hormônio para garantir bom desempenho sexual, como muitos consumidores desavisados pensam ao comprar medicamento sem recomendação médica.

A caminho do consultório

Um tratamento adequado com reposição hormonal não provoca câncer. A contra-indicação é feita somente em caso de pessoas que já possuem um tumor na próstata.

O não acompanhamento da andropausa e do Daem implica na convivência com sintomas muito perturbadores para o homem. A irritabilidade, apatia e desinteresse sexual atrapalham a qualidade de vida. “A consulta ao médico vai certificar que as perturbações não foram causadas por fatores psicológicos. Aí tem início o tratamento”, explica o urologista Aguinaldo Nardi.

Por isso, é importante quebrar o tabu que afasta homens do consultório médico. “Meu marido só faz consultas porque é uma exigência da empresa”, acusa Leonor Andrade, bibliotecária da Escola Politécnica. “Ele tem medo de descobrir que tem algum problema no organismo”, completa. Na USP Leste, a secretária Rosana Cunha afirma: “É preciso entender que ir ao médico é uma coisa natural”.

Reginaldo Mariano da Silva, da Escola Politécnica, concorda que existe o tabu: “Acho até um defeito. A gente nunca vê um grupo de homens falando sobre isso. Por conseqüência, tem menos divulgação das informações.” Por outro lado, João Notoriano, funcionário da Reitoria, em resposta à enquête da revista Espaço Aberto, deu uma luz: “ Desconheço qualquer menção a esse tipo de preconceito. Seria descabido e inconseqüente, pois nada melhor que procurar atendimento médico nesses momentos. A opção pela dor e sofrimento por conta da desinformação é aceitável, mas por preconceito, é ignorância pura”.

 

 
 
 
 
 
O Espaço Aberto é uma publicação mensal da Universidade de São Paulo produzida pela CCS - Coordenadoria de Comunicação Social.
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