texto: Por Circe Bonatelli
Fotos: Cecília Bastos/ João Neves

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Créditos: Cecília Bastos
“A criança precisa de uma agenda folgada. É importante suprir o tempo com qualidade ao invés de quantidade”, avisa Macedo


Agenda cheia durante a maior parte da semana não é exclusividade de gente grande. Muitas crianças acordam cedinho e, além da escola, ainda ficam ocupadas o dia todo com aulas de idioma, informática, esporte, dança e outras várias disciplinas complementares. É tudo de que precisam para “vencer na vida” quando estiverem adultas, certo? Errado. As crianças precisam, essencialmente, de tempo livre. Sem isso, chegam a sofrer de estresse como adultos.

“É na folga da infância que a criança vai brincar, criar e fazer experimentações de acordo com os seus interesses. Esse contato permite que ela conheça a realidade do mundo”, explica o professor e coordenador do Laboratório de Psicopedagogia do IP (Instituto de Psicologia), Lino de Macedo. “Se ela não tiver tempo livre, perderá uma oportunidade única no seu processo de desenvolvimento, pois é um momento de exploração livre, sem compromisso, pressão dos horários ou do grupo”, completa.

Macedo também alerta, ao contrário do que os pais costumam crer, que as aulas da escola voltadas para atividades recreativas não servem para substituir o tempo livre. “Não é a mesma coisa. Na escolinha, a criança é dirigida por um adulto. De certo modo, isso vira uma obrigação. O bom é ela poder escolher como brincar, segundo seus critérios próprios.”

Apesar do alerta do professor, é complicado resolver o dilema. A necessidade de compensar as aulas fracas do colégio leva muitas crianças aos cursos particulares. Enquanto isso, os pais estão longe do lar, enfrentando a jornada de trabalho ou dedicados a especializações. Ainda que o excesso de atividades na infância seja prejudicial, a situação tornou-se solução para uma classe privilegiada com recursos para bancar a ocupação da criançada. Ao mesmo tempo em que os pais arrumam um adulto qualificado para cuidar das crianças, garantem que os pequenos estejam sendo preparados para o competitivo mercado de trabalho lá na frente.

“Eu gostaria que minha filha pudesse fazer mais coisas à tarde”, conta Cássia Eliane, funcionária da clínica da Faculdade de Odontologia. Mãe de uma já pré-adolescente, ela sofreu nas vezes em que precisou deixar a menina sem companhia em casa. E ao mesmo tempo, Cássia tem a preocupação com o futuro profissional da garota. “Minha filha quer se preparar. Agora, está procurando um curso de inglês que vai ser dado pelo governo. Não são todos que têm condições de pagar”, conta.

O estresse

Segundo a pesquisadora Roselene Crepaldi, do Laboratório de Psicopedagogia, o ritmo da sociedade provoca o afastamento dos pais, mesmo que todos tenham a real vontade de passar mais tempo com seus filhos. “O problema é o convívio esquecido. As famílias acabam por transmitir a responsabilidade da educação para as escolas, que oferecem um aprendizado cheio de regras e fórmulas. Onde ficam os valores humanos que se aprendem em casa?”, questiona.

A pesquisadora Roselene adverte que presentes não substituem a presença dos pais

 

 

 

 

créditos: João Neves
“Melhor deixar a correria para os adultos. Senão, quando elas vão poder ser criança?” Clélia Cardoso.

 

créditos: João Neves
Sandra precisa organizar a vida dos três filhos. Para evitar aulas extras, procurou uma escola com período estendido e mais atividades. Quem não pode pagar, precisa de outra solução.

 

O resultado do afastamento são crianças com agenda completa para compensar essa ausência. Então, de maneira natural e impensada, os pequenos procuram estratégias forçadas para conseguir algum tempo livre. É aí que surgem as birras, manhas e fingimentos, além dos sintomas do estresse como falta de concentração, irritabilidade e carência.

A funcionária Clélia Camargo Cardoso, do Centro de Informática do campus de Ribeirão Preto (Cirp), testemunhou esses casos durante um período em que trabalhou como professora antes de chegar à Universidade. “Eu via muitos alunos com tempo contado. Depois da aula eles já tinham outras coisas marcadas, viviam numa correria igual a de adultos.”

O professor Lino de Macedo, do IP, ressalta que a tendência é exatamente essa: crianças imitando adultos. “Eu entendo a preocupação dos pais em organizar a agenda dos filhos. Mas, a agenda cheia na infância provoca hábitos idênticos aos dos mais velhos: chegar em casa e deitar no sofá, ficar assistindo à TV, ir dormir, etc. Enfim, a criança fica passiva.”

De acordo com o psicopedagogo, o recomendado é que meninos e meninas de até 12 anos não fiquem mais que seis horas do dia ocupados. “São quatro horas de escola e mais duas com atividades programadas. Esse valor é variável, há crianças mais tranqüilas e outras mais excitadas. O importante é que tenham tempo livre em um ambiente familiar, com companhia e brinquedos, podendo exercitar, sem compromissos, a própria realidade.”

A funcionária da seção de eventos do IAG (Instituto de Astronomia e Geofísica), Sandra Nava, procurou um modo de amenizar a distância dos três filhos, um com sete anos, e os gêmeos, com quatro. “Eu sei que eles sentem minha falta, e eu não confio em babás ou empregadas para cuidar deles.” A solução de Sandra foi procurar uma escola em período semi-integral, onde já são oferecidas todas as aulas que costumam ser complementadas em cursos particulares, como inglês, informática e natação. “Eu fico aliviada ao deixa-los sob cuidados de adultos bem orientados. Já em casa, para suprir nosso afastamento, eu e meu marido pensamos em atividades para fazer os filhos participarem da nossa vida. Eles me ajudam a preparar a mesa do jantar, lavar uma salada, e eu os ajudo com lição de casa ou brincamos de desenhar. Quando estão mais cansados, eu leio uma história ou rezamos.”

 

 
 
 
 
 
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