texto: Circe Bonatelli
Fotos: Francisco Emolo

 

Cecília Bastos

 

 

Crédito: Cecília Bastos
“Quando estava no primeiro ano do curso preparatório da Escola Politécnica, assisti a um filme sobre a vida de Pasteur que me causou uma mudança gostosa.”

 

Crédito: Cecília Bastos
“O apoio da Fundação Rockefeller foi muito importante para a ciência brasileira. Eu fui um dos muitos privilegiados.”

 

Crédito: Cecília Bastos
“No 1º semestre em Brasília, passava a maior parte do tempo discutindo com os políticos o número e o valor das bolsas de mestrado e doutorado.”

 

Crédito: Cecília Bastos
Segundo Pavan, qualquer lado de observação é válido para suas obras, “você escolhe o que acha mais gostoso”.

 

Crédito: Cecília Bastos
Nas horas vagas, o professor faz esculturas com raízes de árvores. Um dos destaques na sala de sua casa é a Mulher Perfeita. O nome é uma brincadeira de Pavan, pois “ela tem três pernas, três braços e uma cabeça pequenininha”.

 

Crédito: Cecília Bastos
Pavan com o troféu Guerreiro da Educação.

 


Crodowaldo Pavan é Professor Emérito da USP e da Unicamp há mais de uma década. Aos 87 anos, continua buscando novas descobertas como pesquisador voluntário no Instituto de Ciências Biomédicas. O curioso é que a escolha pela biologia foi influenciada pelo cinema. Depois de assistir a um filme, protagonizado por Paul Muni, sobre a história de vida de Luis Pasteur, Pavan decidiu: “Quero fazer o que Pasteur fazia”.

A família do biólogo era dona de uma indústria de porcelana em Mogi das Cruzes, o que o levou a ingressar no curso preparatório da Escola Politécnica. Mas no primeiro ano, “assisti a um filme sobre a vida de Pasteur que me causou uma mudança”. Estava semeada no coração do jovem a vontade de pesquisar.

“Fui a uma palestra do professor de biologia André Dreyfus e perguntei para ele o que fazer para ser como Pasteur. Ele disse ‘quem?’ – devo ter pronunciado um Pasteur meio atrapalhado –, expliquei ‘esse do filme do Paul Muni.’” Poderia estudar na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, cursando História Natural. E assim o fez. Em 1938, aos 19 anos, se tornou aluno do curso indicado por Dreyfus.

Para se divertir, Pavan e um colega da Faculdade de Medicina tinham o hábito de conhecer cabarés, “não para fazer farra, só por curiosidade”. Como não tínhamos dinheiro, íamos já que abria e os donos gostavam que tivesse fregueses para atrair outros. Colocavam uma garrafa de cerveja e copos vazios, como se já tivéssemos tomado, e ficávamos conversando com as meninas”, conta Pavan.

Em 41, quando terminava a graduação, a Fundação Rockefeller mandou um representante para sondar pessoas interessadas em receber auxílio para pesquisa. “O apoio da Rockefeller foi muito importante para a ciência brasileira. De 42 a 62, ajudou no desenvolvimento da biologia, da química, da física, da matemática. Eu fui um dos muitos privilegiados.”

Nessa época, Pavan trabalhava como técnico no laboratório de Dreyfus, quando o professor Theodosius Dobzhansky veio para o Brasil estudar a genética das moscas de fruta. Em 45, uma bolsa levou Pavan a passar um ano e meio no laboratório do Dobzhansky na Universidade de Columbia em Nova York. Nessa viagem, “conheci duas personalidades extraordinárias, os filhos do José Ermírio de Moraes, Antonio Ermírio e José Ermírio de Moraes Filho, que estavam indo estudar nos Estados Unidos”. Os três ficaram amigos durante as longas paradas do avião.

Assim que retornou dos Estados Unidos, em 1946, Pavan casou-se com a namorada que deixara no Brasil e ex-aluna Maria de Lourdes de Oliveira Pavan. Quando terminou o curso de História Natural, o professor se prontificou a dar aulas gratuitas de preparação para o vestibular. “Dentre os alunos apareceu uma que me impressionou.” Da união, que durou até 1988, quando Maria de Lourdes faleceu, resultaram três filhos e cinco netos.

Em 49, durante uma excursão ao litoral, Pavan trouxe algumas larvas que encontrou. “Dois dias depois estava no laboratório, às 23h, quando vejo as larvas querendo sair do vidro, tiro uma delas, faço uma lâmina e pela primeira vez vi o maior cromossomo politênico da minha vida.” Essas moscas, Rhynchosciara angelae, têm algumas características extraordinárias que já renderam mais de 50 teses.

Em 53, os pesquisadores Watson e Creek descobriram que os cromossomos são feitos essencialmente de DNA. Foi, então, criado o dogma da genética mundial de que todas as células de um mesmo organismo têm os mesmos gens e a mesma quantidade de DNA. “Analisando o desenvolvimento dessas larvas, verifiquei que durante o desenvolvimento da Rhynchosciara acontecia o aumento de DNA no cromossomo. Isso era um absurdo genético.” Pavan levou oito anos para que a comunidade científica aceitasse sua hipótese.

O incansável professor teve tempo ainda de entrar na política para defender a ciência, de 86 a 90 foi presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). "No 1º semestre em Brasília, passava a maior parte do tempo discutindo com os políticos o número e o valor das bolsas de mestrado e doutorado.” O resultado foi que nos três primeiros anos de Pavan à frente do CNPq foram concedidas mais bolsas do que nos 31 anos anteriores da instituição.

Hoje, como pesquisador voluntário no ICB, Pavan estuda as bactérias presentes em ovos de aves, principalmente galinha, e sementes de plantas. Segundo o pesquisador, um terço do peso da gema são bactérias benéficas relacionadas à regeneração das células. “Quero colocar células-tronco de camundongo no ovo e ver o que acontece. Se a célula se desenvolver com a goma produzida pelas bactérias, vai dar muito pano para mangas”, prevê.

O pesquisador recebeu recentemente o Prêmio Professor Emérito 2006 – Troféu Guerreiro da Educação, concedido anualmente pelo Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee) e pelo jornal O Estado de S. Paulo. O que fez brotar a reconhecida paixão do biólogo pelo conhecimento não se pode determinar, mas com certeza a temporada de um ano na casa da avó em São Paulo colaborou. “Essa é uma história interessante que marcou minha vida.” A família ainda morava em Mogi das Cruzes, quando Pavan, aos dez anos, veio para São Paulo morar com a avó para tratar do amarelão.

O português, língua que a avó falava muito bem, era proibido, pois queria que o neto aprendesse italiano. “Ela me disse uma coisa fantástica: ‘Fazendo isso você vai aprender italiano e tudo que a gente coloca na cabeça como aprendizado ninguém tira de nós.’”. Além disso, o menino gostava muito de consertar coisas, como fechaduras, cortinas, e a avó o incentivava. “Ela nunca reclamou quando eu quebrava alguma coisa e sempre dizia: ‘Só não quebra quem não faz nada.’”.

 

 


 
 
 
 
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