
“As pessoas enxergam a química como algo ruim. O conhecimento fica muito
mais agradável quando esclarece as reações do dia-a-dia
na prática”, diz Victoriano.
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Muitas pessoas não
acreditam em mitos, mas também não
ousam misturar leite com manga. Há quem
escolha a fase da Lua para cortar o cabelo ou arrisque
dietas milagrosas. Você já ouviu falar
do menino que supostamente morreu após tomar
Coca-cola e chupar pastilhas Mentos? Neste
vídeo é possível ver o
resultado da mistura entre a balinha e o refrigerante.
De todas as reações extraordinárias
que nos envolvem, praticamente nenhuma fica sem
explicação. Mesmo assim, é pequena
a divulgação científica que
chega até os leigos.
A série Caçadores de Mitos,
do canal por assinatura Discovery, ganhou muita popularidade
depois que passou a ser exibida pela televisão
aberta nas noites de domingo. No quadro, os dois
atores agem como cientistas malucos procurando mitos
do cotidiano para explicá-los através
de experiências práticas. A cada dia,
eles fazem um teste diferente: verificam se um
escapamento funciona com objetos estranhos dentro
dele, usam refrigerante
de cola para remover manchas no asfalto, ou metralham
um tanque de gasolina para confirmar se explode como
nos filmes. A idéia é desvendar
as lendas. Ou melhor, “detonar” os mitos.
“O sucesso do programa está em seguir uma
tendência: colocar o sujeito comum como protagonista
dos mitos. E essa é a melhor maneira de obter
perguntas e respostas sobre acontecimentos cotidianos
que a ciência pode explicar”, observa Pedro
Victoriano, professor do IQ (Instituto de Química). “O
conhecimento da química, física ou
biologia fica muito mais agradável quando
esclarece as reações do dia-a-dia na
prática.”
Na FEA (Faculdade de Economia, Administração
e Ciências Contábeis), a funcionária
da seção de Pós-Graduação
Melissa Andrade valoriza iniciativas capazes de explicar
a ciência para leigos. “O programa Caçadores
de Mitos é muito bom porque nos ajuda
a entender sem a linguagem acadêmica”, diz. “Quando
eu tenho muita curiosidade sobre algum mito, procuro
no Google, mas as explicações não
são confiáveis. É gente que
só acha que sabe.”
Mesmo com uma quantidade enorme de mitos circulando
em mensagens de e-mails ou nas conversas entre amigos,
são poucas as iniciativas para tratar do assunto
nas universidades ou na mídia. Na internet,
por exemplo, a maioria das páginas sobre mitos
explora o assunto com sensacionalismo ou oferece
explicações confusas e não convincentes.
O Projeto
Ockham é um dos poucos endereços
on-line onde o assunto é trabalhado de uma
forma séria. A equipe é composta
por pós-graduados em química e biologia
que se reuniram para suprir a falta de suporte
científico em torno de tabus e lendas. “Ser
cético não é ser um chato
sem imaginação que se recusa a sonhar
com civilizações extraterrestres,
ou curas médicas por terapia de cristais.
Nós simplesmente exigimos uma quantidade
maior de evidências”, explicam no site.
Na visão do engenheiro químico Alexandre
de Castro, coordenador do Projeto Ockham, boa parte
dos mitos está relacionada às fraudes
e especulações. “Vários não
passam de mentiras para lucrar com a credulidade
alheia: curas milagrosas, fenômenos paranormais
feitos com truques de mágica e consultorias
por astros. Outra coisa que chama a atenção
são as histórias fantásticas
para explicar fatos simples. Se existem fatos sem
respostas é porque não temos todas
as informações necessárias para
chegar a uma conclusão no momento”, diz.
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“O que faz mal não é o leite
com manga. São as quantidades em excesso,
horários de ingestão e a sensibilidade
do organismo”, explica a professora Elisabete.

“Há mais mitos no mercado do que profissionais trabalhando para explicá-los
aos leigos”, diz o professor Aprígio

O professor Bertotti detona o mito da Coca-Cola e Mentos
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Na FSP (Faculdade
de Saúde Pública), a pesquisadora Elisabete
Machado aponta também o surgimento de mitos
a partir de razões sociais. “Muitos têm
origem no preconceito das castas e na questão
do chamado fruto proibido. Já se falou, por
exemplo, que o feijão-preto faz mal à saúde.
Na verdade, ele era a comida servida aos escravos.
Por isso, os ricos não consumiam o feijão-preto
e ainda o tachavam de ruim”, explica.
Como fatores originários de mitos no campo
da nutrição, a professora Elisabete
menciona as coincidências – a culpa vai para
o alimento quando o sujeito passa mal por outros
motivos desconhecidos – e a sensibilidade pessoal – algumas
refeições, quantidades e horários
podem ser indigestos para certas pessoas. “Pepino,
mortadela, ovo antes de dormir não fazem mal
para todo mundo. Depende do organismo”, esclarece.
A funcionária Christine Blair, do Serviço
de Assistência Financeira do IB (Instituto
de Biociências) reforça o caráter
popular dos mitos: “Eu ouço várias
histórias, e elas têm dado certo. Mesmo
que não seja provado cientificamente, dá para
fazer algumas verificações. Em época
de Lua cheia, acontecem mais surtos e nascimentos,
por exemplo (veja
esse mito detonado)”, conta. “Algumas coisas
são tão faladas, que acabam servindo
de regra para as pessoas. Se foi passado de geração
em geração nas famílias, nem
importa tanto se é verdade.”
Precisa-se de caçadores de mitos
Na opinião do professor Antônio Aprígio,
diretor do Centro de Difusão Científica
e Cultural da USP, em São Carlos, a carência
de trabalhos científicos desbravando mitos é resultado
do ambiente de pesquisa no País. “Os pesquisadores
trabalham pouco com divulgação científica
por uma questão de sobrevivência”, afirma.
Aprígio explica que pesquisas na chamada “ciência
de ponta” dão melhor retorno ao cientista,
através de publicação em veículos
especializados no setor, maior peso no currículo
e melhor apreciação junto às
agências de fomento.
Para leigos conseguirem acesso ao conhecimento científico,
as indicações são leitura de
revistas, visitas a museus e garimpagem de sites
confiáveis na internet. O cenário brasileiro
ainda depende do crescimento gradual da divulgação
científica. “O Brasil é um país
novo nesse segmento. As mudanças podem ser
aceleradas a partir da cobrança da mídia
e do debate nas escolas, mostrando que a ciência é capaz
de responder às perguntas do dia-a-dia. É preciso
provocar o meio científico para aparecerem
as respostas”, aponta Aprígio.
Detonando
a Coca-Cola e Mentos
Não, refrigerante de cola e pastilha Mentos
não matam. Quem garante é a professora
e nutricionista Elisabete Machado, da FSP. “No caso,
a Coca-cola e a pastilha são ingeridos separadamente
e passam por transformações – são
mastigados, encontram enzimas e o suco gástrico – até se
misturarem no estômago”. Portanto, a reação
no organismo não é a mesma que vimos
no vídeo . E se a pastilha fosse engolida
inteira, aconteceria uma reação semelhante,
mas bem menor. O gás seria expelido das formas
mais conhecidas: eructação (arroto),
pum ou, no máximo, vômito.
Já a adição de Mentos ao refrigerante
de cola realmente faz sujeira. O gás carbônico,
dissolvido nos refris, exerce pressão para
deixar a fase aquosa e se difundir para a fase gasosa.
Quando um corpo sólido entra em contato com
a bebida, ele estimula a formação de
microbolhas. “Por algum componente da fórmula
de Mentos, a formação de bolhas é mais
efetiva nessa pastilha. Aí, a pressão
do gás é bem maior”, garante o professor
Mauro Bertotti, do IQ. |