Luís Carlos de Menezes, professor do Instituto de Física,
foi um grande freqüentador do Rei das Batidas algumas décadas
atrás e se lembra muito bem daquele “rapaz simpático,
comunicativo” que conheceu.
“Há leitores para o Paulo Coelho e há leitores para o Osmar, o
público dele não está nas livrarias.” Plínio Martins
“Escrevo para o público universitário, os vizinhos, os freqüentadores
da região, o pessoal do CEU Butantã, para aqueles que me viram
crescer, mas quero fazer meus livros chegarem ao maior número possível
de pessoas. Aqui tem uma lição de vida.” Osmar Afrísio dos
Santos
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“esquece” um livro
sobre a mesa do cliente. Quando volta, bandeja na mão,
o garçom-escritor é indagado: – Esse
livro é seu? – É meu, mas pode ser seu.
Por apenas dez reais você pode ter esse livro
que conta a história de um garçom dentro
de um bar dos 13 aos 46 anos de idade.
No Rei das Batidas, bar dos irmãos portugueses
Abílio e Manoel Abrantes, local muito freqüentado
por professores, funcionários e, principalmente,
estudantes da USP, essa cena é mais do que
comum. Foi dessa forma que Osmar Afrísio dos
Santos vendeu cerca de 5.200 exemplares de seu primeiro
livro, Sem Rei Nem Bar, Somente Osmar, e é assim
que ele provavelmente fará chegar ao público
sua segunda obra, Copos na mão, idéias
em vão.
Osmar nasceu aos 14 de novembro de 1960, em Iepê,
no interior de São Paulo. Com 5 anos foi morar
em Londrina e, aos 12, após a morte da mãe,
mudou-se com a família para a capital paulista.
Através do tio, Abdias Anastácio, que
então trabalhava no Rei das Batidas, Osmar
teve seu primeiro contato com o bar onde trabalharia
por muitos anos. Todos os dias, após a aula,
ficava por lá fazendo “uns biquinhos”.
Não demorou muito para que o menino de 13
anos se tornasse o mais jovem funcionário
do Rei. Como morava muito longe, o patrão,
seu Manoel Abrantes, o convidou para morar em sua
casa. Após terminar o colegial, Osmar decidiu
prestar vestibular. Foram 11 anos tentando entrar
na USP, sem sucesso. Durante esse tempo, graças
a alguns de seus muitos contatos feitos no bar, conseguiu
fazer três anos de cursinho gratuitamente,
cada ano em uma escola diferente.
Na falta de tempo para o estudo, Osmar aproveitava
o expediente. – Garçom, o que tem para tomar? – Tem
suco gástrico, pancreático, linfático,
salivar, laranja e pêssego, brincava com os
fregueses da Biologia. Se alguém da Matemática
pedisse três unidades de qualquer coisa, o
garçom respondia – Três vetores são
linearmente dependentes quando um deles for combinação
linear dos outros dois.
Dessa forma, somando à ótima memória
todo o seu carisma, Osmar ganhava não só conhecimento,
mas a simpatia de todos. “Ao mesmo tempo em que eu
falava aqueles termos técnicos, conseguia
memorizar alguns conceitos das matérias. As
pessoas achavam engraçado”, recorda o garçom.
Luís Carlos de Menezes, professor do Instituto
de Física, foi um grande freqüentador
do Rei das Batidas algumas décadas atrás
e se lembra muito bem daquele “rapaz simpático,
comunicativo” que conheceu. “Acho muito interessante
que ele, como escritor, esteja reportando toda essa
variedade de tipos humanos que ele conhece”, observa
o físico.
Entre 1985 e 1989, com o apoio financeiro de seu
Manoel, Osmar cursou pedagogia nas Faculdades Integradas
Hebraico-Brasileiras Renascença. Dos trocadilhos
com o jargão científico, o garçom
logo passou aos versinhos, que cativavam ainda mais
os freqüentadores do Rei das Batidas. Conhecendo
seu talento para a comunicação e sabendo
de sua longa trajetória no bar, alguns fregueses
passaram a incentivá-lo a escrever um livro
que contasse a história do bar.
“Quando comecei a escrever era para um grupo de
cerca de 200 amigos que me incentivavam. Pessoas
da FFLCH, da Odontologia, da FEA, da ECA, entre outras,
que freqüentavam o Rei”, conta o garçom-escritor.
Finalmente decidido a publicar um livro, Osmar foi à luta:
para conseguir fazer a impressão, buscou patrocínio
com amigos, fregueses e até com os patrões;
a editoração, por sua vez, ele conseguiu
gratuitamente, na Com-Arte, uma editora-laboratório
da ECA.
Plínio Martins, diretor da Edusp e professor
responsável pela Com-Arte, relata que, inicialmente,
houve resistência de alguns alunos em investir
no livro de Osmar. No entanto, essa barreira acabou
sendo superada: “Não deveríamos ser
elitistas e publicar no laboratório apenas
aquilo que o establishment considera como
bom. Um livro como o dele poderia ter um público
muito maior do que o de muitas teses”. De fato, a
previsão de Martins se concretizou. Lançado
em 1996, Sem Rei Nem Bar, Somente Osmar já está em
sua quarta edição.
Considerado pelo autor “um despejo amorfo de idéias
e pensamentos”, o livro vem sendo vendido principalmente
no boca a boca, nas conversas com os freqüentadores
do Rei das Batidas, que, por sinal, são o
principal assunto da obra. Ele chegou a ter espaço
em algumas livrarias, como a Belas Artes, mas isso
não ocorre mais atualmente. Supervisor do
trabalho de editoração do livro, Martins
julga normal essa rejeição: “Há leitores
para o Paulo Coelho e há leitores para o Osmar,
o público dele não está nas
livrarias”.
Hoje, mais de dez anos após a publicação
de Sem Rei Nem Bar, Somente Osmar, o autor
começa a divulgar e vender sua segunda obra. Copos
na mão, idéias em vão é uma
continuação da primeira e apresenta
ao leitor uma compilação de pequenos
poemas em verso e prosa, sempre baseados nas experiências
diversas vividas por Osmar nesses mais de 30 anos
como garçom do Rei das Batidas. O livro traz
organização e comentários de
Antônio Celso Xavier de Oliveira, um antigo
freguês que atualmente trabalha no Itamaraty.
Osmar não objetiva apenas fazer um relato poético
de situações muitas vezes inusitadas.
Seus livros são, para ele, quase uma missão: “Acredito
que eu posso ser um veículo de comunicação
para as pessoas. Aqui dentro tem uma lição
de vida: falo de Deus, das relações humanas,
da humildade, dos exageros e suas conseqüências”.
Embora escreva para o público local, Osmar sonha
em fazer seus livros chegarem ao maior número
possível de pessoas. “Meu objetivo não é fazer
disso um comércio. Quero fazer uma divulgação
social, um incentivo à cultura popular e, principalmente,
quero ajudar a mudar a vida das pessoas, especialmente
na parte sentimental.” |