Por Circe Bonatelli
fotos: Francisco Emolo, Cecília Bastos e reproduções


 

 

 

 

 

© Francisco Emolo
“ É extremamente dolorosa a situação do trabalhador. O idoso, o ex-presidiário, o sindicalista, o obeso, ou o deficiente. Qualquer um dos cidadãos brasileiros pode se encontrar em desvantagem e assim ser julgado, em função do contexto e das circunstâncias.” Firmino Alves de Lima

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

© Cecília Bastos
“A mídia não dá importância a questões nobres. A escola também é fundamental nesse processo de educação. Os sindicatos e o próprio Departamento de Recursos Humanos da empresa devem divulgar ações antidiscriminatórias e demonstrar como são valores sutis”. Maria Cristina Cacciamali

© Francisco Emolo
“Não digo que [a discriminação] não existe. Apenas que a procura é pequena.” Ruy Laurenti

© Cecília Bastos
“O trabalhador é discriminado desde que ele nasce na classe trabalhadora, dentro do sistema capitalista. Não tem como lutar contra a discriminação sem querer mudar o sistema.” Neli Maria Wada

© Francisco Emolo
“Os casos de discriminação na USP não mostram que a Universidade tenha um tratamento discriminatório. A sociedade como um todo tem esse problema.” João Zanetic

 

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Ela não está nas revistas, nos debates públicos ou nos bate-papos entre amigos. Não é exclusiva de negros, mulheres ou homossexuais. E quem passa pela situação não se manifesta imediatamente. A discriminação é um assunto desacreditado porque fica oculto nas entrelinhas do cotidiano e o Judiciário não consegue detectá-la. O intuito desta reportagem é verificar os novos conceitos sobre o tema e observar os casos indiretos no ambiente de trabalho.

“Na chamada discriminação indireta, as atitudes do empregador não têm, necessariamente, a intenção de discriminar. No entanto, elas provocam um resultado adverso para determinado grupo. O desfavorecimento pode acontecer com ou sem intenção”, diz o juiz Firmino Alves de Lima, cuja dissertação de mestrado na Faculdade de Direito da USP abordou as deficiências legislativas e judiciárias para lidar com o tema no País.

Relatórios do Ministério do Trabalho e Emprego trazem enxurradas de informações sobre o já tradicional desfavorecimento por cor e gênero. Aqui vai um deles: dos 442 mil novos empregos para o nível superior completo, criados em 2005 no Brasil, as mulheres ficaram com a maior parte: 268,3 mil. Porém, a remuneração feminina para esse mesmo nível escolar é de apenas 56,94% do salário masculino.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o desnível salarial é evidente também entre os negros, cuja remuneração atinge apenas 51,1% dos brancos.

No entanto, outras formas de desfavorecimento têm motivos bem menos pontuais – orientação política, orientação sexual, desavenças pessoais ou até mesmo time de futebol – e são responsáveis por recusas de admissão ou promoção.

De maneira geral, as pessoas associam discriminação a piadinhas sobre raça e gênero, às humilhações e aos gritos de chefes. Em uma das entrevistas com funcionários, a servidora Inaiê Wenzel, do Sibi (Sistema Integrado de Bibliotecas) mencionou uma idéia mais abrangente: “Discriminação é você ser colocado de lado por ter uma forma diferente de pensar”.

Conforme define a Convenção 111 promulgada em 1958 pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), discriminação é “toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por feito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego e profissão”. Veja a íntegra

Não dá para afirmar que Inaiê foi precisa na resposta. No Brasil, fora as referências à Convenção da OIT, ninguém é preciso no assunto. Nem a lei. A Constituição de 1988 proíbe a discriminação, mas não define o que é discriminação.

Se Inaiê não foi exatamente precisa na conceituação, ao menos ela está no caminho certo. No século 21, o foco não está mais na definição do que é ou nos principais grupos atingidos (mulheres e negros), mas na maneira de encarar o problema e suas manifestações indiretas. Já existem tentativas internacionais de mapear os fatores, sejam eles graves ou fúteis, que podem culminar numa situação desfavorável para o funcionário ou candidato a vagas.

Nos Estados Unidos e União Européia, onde os movimentos segregacionistas têm um contexto histórico mais escancarado, já foi estabelecido que o ônus legal de justificar a discriminação não é do empregado, mas sim do empregador. Considera-se que o patrão tem maior capacidade de explicar por que o funcionário foi prejudicado ou desfavorecido.

No Brasil, se já não bastasse a falta de estrutura do queixoso, os juízes também demonstram inaptidão. “Há anos, eu tive a oportunidade de julgar um caso discriminatório, mas não entendi como tal. Hoje eu penso, puxa vida, que falta de consciência e conhecimento técnico,” conta o juiz Lima, hoje um estudioso da área.

Segundo explica Maria Cristina Cacciamali, professora da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) com pesquisas sobre mercado de trabalho e políticas públicas, o despreparo é resultado de uma sociedade que não fomenta discussões sobre as formas da discriminação e como lidar com ela. Como ninguém toca no assunto, a jurisprudência não alcança uma solidez.

“Quando você monta uma lei, ela demora uns seis ou sete anos para ter um impacto social. Os atores que vão interpretá-la não a entendem automaticamente. Muitos sequer sabem que tal lei existe. E não basta só conhecer os artigos. Tem que saber interpretar e operacionalizar”, afirma.

Quem pode ajudar?

Se a Justiça formal é deficiente, a orientação para o funcionário que se sentir discriminado é procurar outras instâncias mais próximas como a chefia do seu departamento, a ouvidoria ou até mesmo o sindicato da classe. O importante é não deixar de lado a situação e procurar resolvê-la da forma menos constrangedora possível.

Na Universidade de São Paulo, três órgãos oferecem suporte: Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), Adusp (Associação dos Docentes da USP) e a Ouvidoria Oficial.

“Na Ouvidoria, a questão da discriminação é mínima”, afirma o professor e ouvidor Ruy Laurenti. “Não digo que não existe. Apenas que a procura é pequena.” Segundo Laurenti, o atendimento às reclamações acontece através de uma conversa reservada entre ele e o queixoso, depois entre ele e o acusado.

No Sintusp, a negociação pode envolver também outras etapas. “O trabalhador chega até aqui num nível emocional fragilizado. Ele procura ajuda depois de muito sofrer discriminação, não é logo na primeira vez. E se o acusado não quiser diálogo, fazemos manifestação e abrimos um processo”, garante Neli Maria Wada, diretora do sindicato.

Conforme relata Neli, as pessoas que mais procuram o Sintusp são os dependentes químicos e possíveis vítimas de assédio moral. Já na Adusp, a principal reclamação dos docentes é pela discriminação política ou pelas desfeitas com suas linhas de pesquisa. “Geralmente, as situações não são explicitadas, mas aparecem indiretamente, como nas dificuldades para renovação de contrato,” revela o professor João Zanetic, vice-presidente da associação. “Os casos são pouco freqüentes, mas quando surgem, nos manifestamos por boletins no site e pelo serviço jurídico.”

O que não é discriminação?

“O fato em si de preteri não é discriminatório se as características exigidas forem essenciais para exercer a função”, explica o juiz Firmino Alves de Lima. Ele cita o caso de uma mulher não admitida para ser piloto de aviões comerciais na United Airlines. “Em julgamento, ficou explicado que ela foi barrada por ter um grau de miopia incompatível com a função, não por ser mulher.”

 

Serviço

Ouvidoria de Serviços Públicos da USP
Rua da Reitoria, 109 – Cidade Universitária
(11) 3091-2074
ouvidor@usp.br

Sindicato dos Trabalhadores da USP
Travessa J, 374 – Cidade Universitária
(11) 3091-4380/4381/4385
sintusp@sti.com.br

Associação dos Docentes da USP
Avenida Professor Luciano Gualberto, Travessa J, 374 – Cidade Universitária
(11) 3091-4465/4466
adusp@adusp.org.br

 
 
 
 
 
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