texto: Daniel Fassa
Fotos: Cecília Bastos e divulgação


 

 

 

 

© Cecília Bastos
Ailton Amélio da Silva


O dia está quente hoje, não é?! – Acho que vai chover... – Você trabalha aqui? – Nossa, esse trânsito está terrível! Quantas vezes você já não iniciou um diálogo com algum desconhecido dizendo frases como essas? Da mesma forma, ao encontrar aquele amigo de sempre, quantas vezes você já não perguntou: – Como foi a prova ontem? – Deu tudo certo no trabalho? – O que o médico disse? – Você mudou o cabelo?!

Ao contrário do que possa parecer, falar obviedades como essas não é um procedimento inútil empregado por quem está sem assunto. Através dessas conversas introdutórias descobrimos qual o estado de espírito do interlocutor e verificamos se ele está ou não disposto a dialogar. A tese é do professor do Instituto de Psicologia da USP Ailton Amélio da Silva, cujo objeto de estudo nos últimos anos tem sido o diálogo.

Segundo Amélio, inúmeros fatores podem determinar a ocorrência, a continuidade e o encerramento dos diálogos. Motivações pessoais, contexto, ambiente, postura corporal, expressões faciais, administração da palavra, temas abordados e timidez são alguns deles. “O diálogo exige uma coordenação: de que forma ocorre a troca de papéis, como percebo que o outro quer falar ou noto que ele está entendendo, de que maneira me recuso a passar a palavra, etc. São esses recursos que a gente tem estudado”, explica o professor.

“Quando não conhecemos o outro, falamos sobre coisas neutras, como o tempo e o trânsito. Por outro lado, se conhecemos a pessoa, somos obrigados a mencionar o que chamamos de tema dormentes (se você fez uma prova ontem e eu te conheço, sou obrigado a perguntar como foi)”. Ailton Amélio da Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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“O bom diálogo é aquele em que você compreende e é compreendido”. Tatiana Ricciardi Prado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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“Conseguir a cerveja de sexta e o futebol de sábado é um jogo de troca”. Reginaldo Grenzi da Silva

 

 

Na vida cotidiana, passamos a maior parte do tempo nos comunicando, seja com amigos, colegas de trabalho, pais, filhos ou cônjuge. Mas será que em todas essas ocasiões, de fato, dialogamos? Para Amélio, a resposta a essa questão é afirmativa, pois o diálogo pressupõe apenas que haja um ouvinte e um falante e que esses papéis sejam alternados. O que pode ser colocado em questão é sua qualidade: “Quando há compreensão mútua, respeito e confiança, há um bom diálogo”, afirma Amélio. A opinião do especialista é compartilhada por Tatiana Ricciardi Prado, funcionária do Serviço de Pessoal da Faculdade de Educação. “O bom diálogo é aquele em que você compreende e é compreendido”, opina.

Por outro lado, quando uma das partes não está motivada para a conversa ou tem uma predisposição ruim, as chances de ocorrer um mau diálogo são grandes. A professora Marisa Dantas Bitencourt, do Instituto de Biociências, sabe bem disso: “Quando estou cansada, irritada, fico sem vontade de falar ou ouvir e não consigo esconder”.

Além disso, como explica o professor Amélio, as emoções humanas podem comprometer qualquer possibilidade de conversação. “Sentimentos fortes são capazes de mexer com a fisiologia das pessoas, deixá-las alteradas, sem domínio sobre si mesmas, o que desencadeia vários processos, como o indivíduo disparar a falar descontroladamente ou ficar totalmente inibido”. Tatiana Prado é um exemplo disso: “Se alguém fala dos meus filhos eu fico muito brava, viro um bicho”.:

Tanto quanto as habilidades e motivações dos interlocutores no momento do diálogo, o contexto e o ambiente em que ele ocorre também são determinantes. Iluminação, som, cores, influenciam mais do que podemos imaginar. “Há lojas de fast food , por exemplo, que são projetadas para que as pessoas não fiquem lá paradas muito tempo, conversando. Na balada, as pessoas ficam com base na aparência e até o som obriga que seja assim, porque não dá para dialogar, porque você não ouve o outro”, argumenta Amélio.

No entanto, pior do que um mau diálogo é a ausência dele, principalmente nos relacionamentos conjugais ou entre pais e filhos. Mariana (nome fictício), funcionária da FEA, atribui o fim do seu casamento à falta de diálogo: “Em vez de diálogos, tínhamos monólogos. Se você está falando e a pessoa não dá um retorno, o casamento fica inviável”.

Por outro lado, no relacionamento com a filha de 16 anos, Mariana sente-se bem-sucedida. “Defendo o meu lado e ela defende o dela, no momento adequado e com muito respeito. Nem sempre concordamos. Quando percebo que seu comportamento pode ser prejudicial, uso minha autoridade de mãe”, esclarece. Amélio corrobora essa atitude. Ele explica que há momentos, principalmente na relação pais e filhos, em que a autoridade tem que prevalecer. Da mesma forma, no ambiente de trabalho, é normal que, após uma boa conversa, o chefe tome a decisão, pois essa é sua responsabilidade.

Reginaldo Grenzi da Silva, chefe do Serviço de Estágios da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, vê nos diálogos uma boa maneira de amadurecer e tomar decisões: “Para promover mudanças, realizar inovações, o que é muito complicado, nada melhor que uma boa conversa”. Casado, ele ressalta a importância do diálogo também no relacionamento conjugal. “Conseguir a cerveja de sexta e o futebol de sábado é um jogo de troca.”

Como os diálogos fazem parte da vida de todas as pessoas, o professor Amélio acha que elas deveriam aprender mais sobre o assunto. Por isso, ele organizou duas palestras com os temas “Habilidades verbais e não-verbais para dialogar” e “Motivadores e inibidores do diálogo”. A primeira foi realizada em março e a segunda ocorre no dia 13 de abril. Ademais, o psicólogo pretende criar um curso de pós-graduação explorando essas questões, mas faz questão de ressaltar: “Não tenho a fantasia de que o diálogo é tudo. Ele é uma parte maravilhosa, mas há outros fatores. Só o diálogo não basta, é preciso ação”.

 

 
 
 
 
 
O Espaço Aberto é uma publicação mensal da Universidade de São Paulo produzida pela CCS - Coordenadoria de Comunicação Social.
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