texto: Daniel Fassa
fotos: Cecília Bastos e Francisco Emolo

 


Maria José Bento Lopes é funcionária da USP desde 1989, quando assumiu o cargo de auxiliar administrativa no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (Centrinho) da USP de Bauru. Desde então, para o desempenho de suas funções, tem no computador o seu principal companheiro. E adversário. A digitação excessiva, por horas a fio, provocou em Maria José uma doença hoje bastante comum na vida de muitos trabalhadores: LER-Dort.

As Lesões por Esforços Repetitivos (LER) ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort) são alterações e sintomas de diversos níveis de intensidade nas estruturas osteomusculares (tendões, articulações, nervos, músculos), decorrentes do uso excessivo ou inadequado do sistema osteomuscular no trabalho. Uma vez atingido pela moléstia, o trabalhador pode levar um longo tempo para se reabilitar.

“As LER-Dort são causadas por trabalhos que impõem sobrecarga dinâmica, caracterizada pela realização de movimentos de repetição, ou estática, quando o trabalhador é obrigado a ficar muito tempo na mesma posição. ”

© Cecília Bastos
Maria Maeno, pesquisadora da Fundação Jorge Duprat de Medicina e Segurança do Trabalho (FUNDACENTRO), órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego.

 



“Maria José Bento Lopes passou seis anos lutando contra a LER-Dort. Assim como ela, milhares de paulistanos são acometidas por doenças relacionadas ao trabalho todos os anos”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

© Francisco Emolo
Da esquerda para a direita, a médica do trabalho Edna Braggio e os engenheiros do trabalho Vera de Albuquerque e Douglas Alexandre Garcia, que trabalham no combate às LER-Dort na USP.

 

Foi o que aconteceu com Maria José: da constatação das primeiras dores até sua reabilitação parcial – já que no seu caso a LER se tornaria uma doença crônica – transcorreram cerca de seis anos. Tudo começou com algumas dores no ombro, à época não levadas muito a sério. “No início, a gente não dá muita importância.” Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, em 2001, somente na cidade de São Paulo, 310 mil trabalhadores tinham diagnóstico de LER-Dort. Desses, apenas 47% procuraram um médico.

Ainda sem desconfiar de que aquele incômodo poderia estar relacionado ao seu trabalho, mas preocupada com as dores, Maria José procurou um médico. Sem fazer muitos exames, ele não diagnosticou LER. Foram três anos atacando o problema de maneira ineficiente. “O médico me dava remédios, mas não adiantava nada.” Nem poderia. A médica e pesquisadora de doenças relacionadas ao trabalho Maria Maeno explica por quê: “ O tratamento de LER abrange não somente medicamentos, mas fisioterapia, rearranjo muscular, acupuntura e, em alguns casos, um tratamento psicológico”.

Desiludida com a ausência de resultados, Maria José desistiu do tratamento. No entanto, com o tempo, as dores passaram ao cotovelo, ao punho e, finalmente, ao braço inteiro. A situação se tornou insuportável. “Eu não conseguia dormir, passava noites em claro.” O inchaço e as dores agudas ininterruptas levaram a secretária a procurar outro médico, que, após uma série de exames detalhados, diagnosticou LER-Dort e emitiu uma Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para o Centrinho.

Inicialmente, Maria José ficou afastada por 15 dias, com o braço imobilizado. Em seguida, voltou ao trabalho, mas, como as dores continuaram, foi afastada mais uma vez, por 60 dias. Após esse período, durante o qual fez fisioterapia, passou por uma perícia no INSS (Instituo Nacional do Seguro Social) e retomou a mesma função exercida anteriormente, o que se revelaria um erro: “Ritmo e organização do trabalho são algumas das principais causas de LER”, revela Maria Maeno.

Como continuou a executar digitações em excesso, Maria José voltou a sentir muitas dores e começou a perder a sensibilidade no braço, bastante inchado. “Já não tinha forças para pegar um copo, comecei a entrar em depressão.” De fato, como afirma Maria Maeno, esse é mais um sintoma das LER: “Em decorrência das dores excessivas, do sentimento de incapacidade e da exclusão do mercado de trabalho causados pelas LER, a pessoa é conduzida a um processo depressivo”.

Com isso, Maria José teve que ser novamente afastada, dessa vez por 90 dias. Paralelamente ao tratamento feito com o médico do convênio oferecido pelo Centrinho, ela passou a se tratar com uma especialista em medicina do trabalho. Após muita hidroterapia e imobilizações periódicas completas, a auxiliar administrativa voltou ao trabalho, porém, seguindo recomendações de nova perícia do INSS, numa nova função: recepcionista.

Maria José revela que ainda sente algumas dores e que, por isso, a vigilância e o tratamento têm que ser constantes – “Não passo mais horas na frente do computador, não sofro pressão da minha chefia e faço hidroginástica regularmente”. Embora o ideal fosse permanecer no novo cargo, ela voltou a trabalhar como auxiliar administrativa depois de algum tempo, agora na Seção de Pós-graduação do Centrinho.

Além de pessoas que trabalham com digitação, as LER-Dort podem atingir uma infinidade de outros profissionais, tais como operários de linhas de montagem, caixas de supermercados, bancários, teleatendentes, enfermeiros e auxiliares de cozinha. No campus da capital da USP, existe um órgão que trabalha especialmente para diagnosticar situações de risco e evitar que casos complicados como o de Maria José se repitam. Trata-se do Serviço de Engenharia, Segurança e Medicina do Trabalho (Sesmt), que, segundo o coordenador Douglas Alexandre Garcia, “faz um trabalho conjunto de monitoramento ambiental e médico”.

Para isso, Garcia conta com o apoio da engenheira do trabalho Vera de Albuquerque e da médica do trabalho Edna Braggio. “A partir de uma queixa do funcionário, fazemos exames para verificar se a doença tem mesmo a ver com o trabalho, se não é um reumatismo. Em seguida, mandamos fazer uma avaliação do posto de trabalho (engenharia), para então encaminharmos o paciente para um tratamento com médico, ortopedista e fisioterapeuta. Se houver necessidade, restringimos seu trabalho, o afastamos ou, até mesmo, solicitamos a mudança de sua função”, explica a dra. Edna.

O trabalho da medicina é completado pela engenharia, como exemplifica Vera: “Se uma pessoa trabalha fazendo café e está com tendinite no pulso, calculamos quanto pesa a jarra, qual a altura que ela tem que ser colocada, a que distância do corpo ela fica, etc., a fim de que possamos recomendar a situação ideal e fazer as adequações do posto de trabalho”.

O INSS determina que nos primeiros 15 dias de tratamento ou afastamento, o empregador deve arcar com os custos. Após esse período, a
Previdência Social se responsabiliza por todas as despesas. No caso da USP não é diferente, mas, em paralelo com o tratamento oferecido pelo INSS, o Hospital Universitário disponibiliza ortopedistas e fisioterapeutas a todos os funcionários da universidade que necessitarem.

Serviço:

Se você desconfia estar desenvolvendo uma LER-Dort, procure o Sesmt o quanto antes. Nas Unidades Básicas de Saúde (Ubas) de todos os campi da USP há representantes desse serviço.

São Paulo: (11) 3091-9267
Bauru: (14) 3235-8319
São Carlos: (16) 3373-9195/9197
Ribeirão Preto: (16) 3602-3509/3539
Piracicaba: (19) 3429-4025
Pirassununga: (19) 3565-4257

No site da Fundação Jorge Duprat de Medicina e Segurança do Trabalho (FUNDACENTRO), órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego, há inúmeras informações sobre doenças relacionadas ao trabalho, bem como uma seção “Fale Conosco”, onde se pode fazer consultas técnicas a respeito do assunto. Além disso, a instituição possui uma biblioteca especializada em saúde e segurança no trabalho localizada em sua sede, na rua Capote Valente, 710, Pinheiros, São Paulo.

Previdência Social: 0800 780191

 

 
 
 
 
 
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