Por Daniel Fassa
fotos: Francisco Emolo, Cecília Bastos e acervos pessoais

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

© Francisco Emolo
“Hoje, requer-se um tipo de educação mais polivalente, que forme um indivíduo capaz de fazer várias coisas, do que qualquer educação muito voltada para uma profissão muito limitada.” José Paulo Zeetano Chahad

 

 

 

© Cecília Bastos
“Quem se inserir nessa sociedade complexa vai sobreviver. É um darwinismo. Quem não se inserir vai ficar desempregado.” Gilson Schwartz



Todos os anos, em 1º de maio, comemora-se o Dia Mundial do Trabalho. A celebração foi criada em 1889, por um Congresso Socialista realizado em Paris, em homenagem à greve geral de 1º de maio de 1886, ocorrida em Chicago, o principal centro industrial dos Estados Unidos naquela época. Na ocasião, operários morreram lutando por condições de trabalho mais dignas e humanas.

Hoje, no entanto, a batalha começa mais cedo: diante de um mercado extremamente saturado, trabalhadores brigam entre si para conseguir um emprego. Essa realidade é ainda mais marcante entre os jovens. Segundo dados do Ministério do Trabalho e do Emprego, os jovens desempregados somam cerca de 3,5 milhões, ou 45% do total de 7,7 milhões de desempregados em todo o País. Diante disso, está cada vez mais difícil para a juventude saber como construir uma carreira profissional estável e bem-sucedida. Mais do que isso, aliar sucesso profissional à realização pessoal parece uma tarefa quase impossível.

Segundo José Paulo Zeetano Chahad, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA/USP) especializado em Economia do Trabalho, o desemprego dos jovens é uma realidade no mundo todo. “O fato de incidir muito sobre o jovem não é uma prerrogativa brasileira nem paulista, é universal. O jovem tem como características a inexperiência e a baixa qualificação, e isso determina o desemprego. Discrimina-se o não-qualificado. Como o jovem é não-qualificado ele é discriminado”, argumenta.

No caso brasileiro, há um agravante: embora o crescimento demográfico esteja diminuindo atualmente, ele foi muito grande até algumas décadas atrás, gerando a chamada “onda jovem”. Chahad explica que, em função das altas taxas de natalidade do nosso passado recente, hoje muita gente está afluindo para o mercado de trabalho, que fica sobrecarregado. Some-se a isso a baixa escolaridade da maioria dos brasileiros e o resultado são as altas taxas de desemprego atuais.

Para o economista e sociólogo Gilson Schwartz, o investimento em educação é fundamental, mas deve ser feito de maneira racional, levando em consideração as demandas da economia do século 21. Professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), Schwartz dirige um projeto que atua nesse sentido, a Cidade do Conhecimento, procurando promover uma interação entre economia de mercado, espaço público, comunidades locais, tecnologias digitais e gestão estratégica do conhecimento.

Segundo Schwartz, a sociedade contemporânea passa por uma mudança global de padrões. Isso cria a necessidade de um novo perfil de competências, qualificações e modos de aprendizado, ao qual o sistema educacional convencional está completamente inadequado. Por isso, ele criou uma disciplina denominada Iconomia, que é uma combinação de engenharia, economia, administração, contabilidade, matemática, estatística, computação, comunicações e artes. “É a combinação do conhecimento dessas várias áreas que dá a qualificação que hoje é necessária. No entanto, na estrutura da própria universidade, essas áreas estão completamente separadas”, lamenta.

Para o professor da ECA, a internet é uma ferramenta útil para superar essa defasagem provocada por um sistema educacional anacrônico. “Com a internet, a busca do conhecimento se abre. No entanto, o risco de você cair numa confusão e apenas consumir porcaria é tão presente quanto em qualquer feira popular do interior do nordeste. Tem que saber o que você vai comprar, de quem você vai comprar, como você vai interagir.”

A interdisciplinaridade reivindicada por Schwartz é também sugerida por Chahad como a porta de entrada para o mercado de trabalho: “Hoje, requer-se um tipo de educação mais polivalente, que forme um indivíduo capaz de fazer várias coisas. O Rogério Ceni bate falta, bate pênaltis e, se o colocarmos para atuar como beque central, ele provavelmente vai se sair muito bem”, brinca o professor.

Em economia, é sempre muito arriscado fazer previsões. Apesar disso, há oito anos, Gilson Schwartz aceitou o desafio de escrever um livro intitulado As Profissões do Futuro. Na obra, que teve a segunda edição atualizada lançada no ano passado, o professor aponta uma modernização do emprego no Brasil, com grande crescimento do setor de serviços, bem como da informalidade, potencializada pela internet. Além disso, ele ressalta a importância da inovação. Da mesma forma, José Paulo Chahad arrisca indicar algumas áreas como as mais promissoras: “A informática, o comércio exterior, a agroexportação, áreas ligadas à medicina, que têm sempre o seu espaço garantido, a biotecnologia, as ciências ambientais, a obstetrícia”.

“Você vê governos falando que estão investindo mais em educação e em tecnologia, mas isso não aparece nas oportunidades de emprego. Se eu investir mais em educação, mas no modelo errado, eu vou continuar produzindo pessoas que não são desqualificadas, mas são não-qualificadas para as oportunidades que estão aparecendo.” Gilson Schwartz

© Cecília Bastos
“Você tem que entrar dentro de uma dinâmica de demanda, que não é a mais confortável, sem menosprezar o que você quer fazer. Esse olhar duplo é uma coisa difícil, é uma nova administração.” Yvette Lehman

Acervo pessoal de Maria Helena Goldman
“Vejo muitas pessoas que forçaram a barra, fizeram o que tinha mais status e não o que queriam, e agora estão infelizes.” Maria Helena de Souza Goldman

 

Mas a escolha profissional do jovem não deve se limitar apenas àquilo que o mercado determina. A realização pessoal deve ter tanto peso quanto a suposta garantia de sucesso que algumas carreiras possam oferecer num determinado momento. É isso o que defende Yvette Lehman, professora do Instituto de Psicologia, especialista em Psicologia Social e do Trabalho: “Quando a idéia de adaptação ao mercado de trabalho fica em primeiro plano, há um grande prejuízo para o jovem, porque a sobrevivência, o salve-se quem puder se sobrepõe àquilo que ele quer ser, ao que vai fazê-lo feliz”.

Maria Helena de Souza Goldman concorda. Professora do Departamento de Biologia da USP de Ribeirão Preto, ela conta que quando decidiu estudar biologia, o curso enfrentava um preconceito social muito grande. Apesar disso, ela enfrentou as resistências e fez aquilo que queria. “Hoje, estou muito satisfeita. Quando se trabalha com satisfação e dedicação, consegue-se ser bem-sucedido. Vejo muitas pessoas que forçaram a barra, fizeram o que tinha mais status e não o que queriam, e agora estão infelizes.”

A bióloga ressalta, ainda, que, em sua opinião, os jovens estão muito acomodados atualmente. Além disso, ela nota que o vestibular tem sido supervalorizado, transformado num fim em si mesmo. “Os alunos chegam à faculdade achando que já cumpriram sua missão, quando, na verdade, estão apenas começando.”

Yvette Lehman corrobora a percepção de Maria Helena: “Passar no vestibular é um rito de iniciação, é a passagem para o mundo adulto (ter a chave de casa, poder sair à noite). Para o jovem, essa passagem é o mais importante. Mas essa é uma estratégia infantil, porque deixa de lado o conteúdo social daquilo que ele vai fazer, em função apenas do status. Numa situação como essa, a possibilidade de fracasso é muito grande”.

Para a psicóloga, diante de um mercado cada vez mais instável e exigente, o jovem deve, sim, assumir uma posição de versatilidade, sem, no entanto, abandonar completamente as coisas às quais tem mais afeição. “Acho que o que salva o jovem hoje é buscar criar oportunidades na área que mais o atrai. Ele não deve esperar que o mercado já dê um projeto pronto, mas agir de forma criativa, para defender o que gosta e preencher as brechas existentes”, adverte.

“O jovem está muito em risco se ele só escolher aquilo que no mercado está sendo mais demandado. Ele deve garantir aquilo que gosta e, frente ao que ele gosta, ver no mercado onde aquilo está sendo demandado, às vezes de maneira modificada, mais criativa, acoplada a uma situação mais nova. O jovem tem que estar aberto às brechas de mercado que ele pode ocupar.” Yvette Lehman

Acervo pessoal de Maria Solizete Granziol Silva
“É importante ser polivalente, não ficar numa coisa só.” Maria Solizete Granziol Silva

Acervo pessoal de Jõao Luiz Notariano
“A coisa mais importante é fazer o que a gente gosta, com amor”. João Luiz Notariano

 

Maria Solizete Granziol Silva é secretária de pós-graduação no Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) há quase 30 anos e acha que poderia estar feliz atuando em outras áreas também: “Gosto bastante do que faço, estou numa área que me satisfaz, mas sou uma pessoa de fácil adaptação”. Já sua filha, recém-formada em Saneamento Ambiental , por não conseguir encontrar emprego, trabalha dando aulas de inglês. “Ela estudou a língua desde a adolescência e isso ajudou muito. É importante ser polivalente, não ficar numa coisa só”, argumenta a mãe.

De fato, Yvette Lehman explica que fazer várias atividades diferentes é uma nova maneira de se sobreviver no mercado atual. Ela ressalta, no entanto, que isso não significa abrir mão de trabalhar com aquilo que se gosta: “Você nunca vai poder anular as suas afinidades, porque se trata de uma demanda pessoal, existencial. Não adianta você fazer uma coisa só por dinheiro, se sentir vendido e não sair satisfeito, não respeitar o que você está fazendo”.

O pensamento de João Luiz Notariano vai na mesma direção. Pós-graduado em Ciências Contábeis , ele é funcionário da USP desde 1981. Na ocasião, recusou um emprego numa empresa de telefonia que pagaria mais que o dobro do que ele receberia na USP, porque queria trabalhar com aquilo que gostava. “A coisa mais importante é fazer o que a gente gosta, com amor. Não vale a pena ter uma fortuna e não ter um bom relacionamento em casa, na família e no trabalho.”

 

As Profissões do Futuro
Gilson Schwartz
Editora Publifolha
112 páginas
R$ 17,90

 

 

 

 
 
 
 
 
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