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Ao
anunciar, em fevereiro de 2000, o mapeamento do genoma da bactéria
Xylella fastidiosa, causadora da praga do amarelinho
a maior conquista científica do Brasil nas últimas décadas
, os cientistas brasileiros passaram a ser celebrados em todo
o mundo como os maiores especialistas no estudo genético de
organismos causadores de danos à agricultura. Para publicações
como a revista Nature e os jornais The New York Times e Le Figaro,
por exemplo, o Brasil é hoje uma das potências
mundiais em genômica.
Estratégico para a economia mundial, esse conhecimento dominado
pelos cientistas brasileiros começa a deixar a academia e chegar
ao mercado. No dia 13 de março passado, cinco pesquisadores
da USP, Unicamp e Unesp anunciaram a fundação da Alellyx
Applied Genomics, uma empresa dedicada à criação
com base na genética molecular de produtos e
tecnologias que beneficiem a agricultura. Para desenvolver esses produtos,
a empresa receberá nos próximos cinco anos R$ 30 milhões
da Votorantim Ventures, um fundo de capital de risco do Grupo Votorantim,
criado há dois anos para financiar projetos de tecnologia avançada
nas áreas de telecomunicações e de ciências
da vida. Os sócios da nova empresa são os professores
Ana Claudia Rasera da Silva, do Instituto de Química da USP,
Paulo Arruda, João Carlos Setúbal, João Paulo
Kitajima os três da Unicamp e Jesus Aparecido
Ferro, da Unesp de Jaboticabal, além da Votorantim Ventures.
Essa iniciativa é o coroamento de todo o esforço
da Fapesp na área da genômica, comemorou o diretor
científico da Fapesp, professor José Fernando Perez
(leia texto abaixo).
A Alellyx será inaugurada dentro de três a seis meses,
em instalações que serão construídas na
região de Campinas, segundo a professora Ana Claudia,
ligada ao Departamento de Bioquímica do Instituto de Química.
O local foi escolhido por estar próximo à universidade
e a um poderoso pólo tecnológico, além de dispor
de área rural, necessária para as pesquisas. Em pouco
mais de um ano, os sócios pretendem ver a empresa em plena
atividade o que significa realizar de oito a dez projetos,
empregando perto de 50 pesquisadores. A expectativa é que os
primeiros produtos surjam em três ou cinco anos.
Recursos
e conhecimento
Com
os recursos da Votorantim e o conhecimento dos cinco cientistas
paulistas, a Alellyx deverá oferecer tecnologias hoje inexistentes
no Brasil e no exterior, capazes de melhorar a produção
agrícola. Tome-se como exemplo a laranja um importante
produto da economia do Brasil, que a cada ano colhe mais de 18 milhões
de toneladas da fruta. Utilizando as mesmas técnicas aplicadas
ao estudo do genoma da Xylella fastidiosa, os pesquisadores poderão
identificar os genes responsáveis, por exemplo, pelo sabor
da laranja, modificá-los e tornar a fruta mais doce. Podem
também tentar reduzir o tempo de maturação
da laranja, o que colabora para elevar a produção,
ou dotar a fruta de uma cor mais forte e atraente. Feito isso, basta
colocar essa tecnologia à venda para os produtores interessados.
As formas de melhorar as culturas são muitas,
afirma Ana Claudia. Ainda estamos estudando os projetos que
serão realizados. Além da laranja, a Alellyx
se dedicará principalmente a outras quatro culturas: eucalipto,
cana-de-açúcar, soja e uva.
A ferramenta que a Alellyx usará para produzir inovações
é a chamada tecnologia de DNA recombinante. Familiar aos
pesquisadores paulistas graças aos programas de genética
molecular financiados pela Fapesp, essa técnica permite cruzar
as inúmeras informações sobre os genes e obter
dados que levem a descobertas sobre o seu funcionamento. Esse trabalho
só é possível com a ajuda de poderosos equipamentos
de bioinformática. Por isso, a Alellyx fez acordo com a Sun
Microsystems, que produz tais equipamentos.
Ética
e transparência
Para
estudar os genes de produtos agrícolas e descobrir formas
de melhorá-los, a Alellyx terá de recorrer a seqüências
depositadas em bancos de genes públicos e privados. Um desses
bancos é a Fapesp, que guarda seqüências obtidas
em seus programas de mapeamento genético. Acontece que os
cinco cientistas sócios da Alellyx participam desses programas
e têm acesso a tais informações. Ana Claudia
ressalta, porém, que a empresa fará acordos com a
Fapesp, a fim de poder utilizar as
seqüências. Não vamos nos apropriar dessas
seqüências de jeito nenhum, mas sim fazer parcerias com
a Fapesp, com muita transparência, garante a professora,
acrescentando que, se necessário, ela e seus sócios
deixarão as funções de coordenação
que mantêm na fundação. É o nosso
nome e o nome de uma grande empresa como a Votorantim que estão
em jogo. Seqüências de genes da cana-de-açúcar,
do eucalipto e das bactérias Xanthomonas citri e Xanthomonas
campestris são as que mais interessam à Alellyx. Genes
de produtos agrícolas menos estudados como a soja
deverão ser seqüenciados pela própria
empresa.
Também em nome da transparência, Ana Claudia e seus
sócios todos eles dedicados exclusivamente à
docência e à pesquisa na universidade vão
solicitar a mudança de regime de trabalho. Dessa forma, poderão
trabalhar na Alellyx sem perder o vínculo com a academia.
Para a professora, atuar no mercado traz benefícios tanto
para os docentes como para a universidade e os alunos. Isso
abre os horizontes do pesquisador, que não fica só
no laboratório, sem contato com o mundo, diz. Ao
mesmo tempo, enriquece a universidade e as aulas.
Para Ana Claudia, iniciativas como a Alellyx que transformem
conhecimento científico em produtos para o mercado
são possíveis em outras áreas, inclusive na
medicina. É claro que, dependendo do setor, haverá
mais ou menos concorrência, diz. Mas a possibilidade
existe, basta alguém dar o pontapé inicial.
Segundo a professora, o sucesso da Alellyx será importante
também para mostrar à iniciativa privada que, quando
estimulada, a universidade é capaz de gerar riquezas materiais.
É preciso ampliar essa interação entre
o capital e a academia.
Há tempos essa interação e o produto
final como resultado faz parte dos planos de Ana Claudia.
Formada em Farmácia e Bioquímica pela USP em 1990,
ela se doutorou pelo Instituto de Química da USP em 1994,
na área de bioquímica. Em 1996 tornou-se professora
do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), também
da USP. Dois anos depois, passou a atuar no Instituto de Química.
Logo depois integrou a equipe de 192 pesquisadores do Estado que
mapearam o genoma da Xylella fastidiosa. Com essa experiência,
começou a conversar com Arruda, Setúbal, Kitajima
e Ferro sobre a possibilidade de transformar conhecimento
em PIB. Em dezembro passado, quando o também professor
do Instituto de Química da USP Fernando Reinach foi contratado
pela Votorantim Ventures para descobrir na academia projetos com
potencial de mercado, o caminho estava aberto para a parceria. Firmado
o acordo, só faltava o nome da empresa: alellyx, xylella
ao contrário, foi a forma encontrada pelo professor Kitajima
de lembrar a participação dos cinco sócios
na grande façanha da ciência brasileira o mapeamento
da Xylella fastidiosa.
Para
Perez, iniciativa é coroamento
O surgimento de empresas de biotecnologia molecular como
a Alellyx é o resultado natural e inevitável
do trabalho realizado nos últimos anos pela Fapesp, que financiou
vários programas na área, como o Projeto Genoma-Xylella,
o Projeto Genoma Humano do Câncer e o Projeto Genoma Cana-de-Açúcar,
entre outros. A afirmação é do diretor científico
da Fapesp, professor José Fernando Perez. Para ele, a iniciativa
dos professores da USP, Unicamp e Unesp significa o coroamento desse
esforço de formar recursos humanos em biotecnologia.
Para Perez, a iniciativa marca também o início de
um novo paradigma do relacionamento entre capital e
ciência, há pouco tempo tão distantes um do
outro. Os recursos da Votorantim Ventures representam um capital
de risco inteligente que acredita no cientista e que certamente
trará inúmeros benefícios ao País, na
forma de tecnologia nacional, de maior produtividade da agricultura
brasileira e na criação de novos postos de trabalho
para pesquisadores. É preciso incentivar mais esse
relacionamento. Só temos a ganhar com isso.
Outras iniciativas semelhantes deverão ocorrer, acredita
Perez. Evitando citar nomes, ele lembra que em cerca de um ano e
meio já conversou com mais de uma dúzia
de empresas de capital de risco, interessadas em investir em idéias
geradas na universidade. O que estamos assistindo é
só o começo de um processo que tende a se fortalecer.
Perez não se perturba com o fato de os sócios da Alellyx
participarem de programas de biotecnologia da Fapesp e terem acesso
a informações úteis à empresa. Destacando
que os termos de confidencialidade da Fapesp serão cumpridos
Não temos dúvidas quanto à integridade
dos nossos pesquisadores, diz , ele lembra que esses
são problemas menores, gerados pelo sucesso,
e que serão devidamente resolvidos. O importante é
lembrar que esses problemas são pequenos se comparados com
o que está acontecendo, acrescenta, reconhecendo que
ainda temos de aprender como o sistema de pesquisa se
relaciona com as indústrias. A criação
de empresas desse tipo é pioneira na história econômica
do Brasil: significa que estamos transformando conhecimento em valor
financeiro.
A fuga de professores da academia para a iniciativa privada também
não assusta Perez. Segundo ele, as universidades já
contam com uma capacidade de reposição muito
grande e há um fluxo constante de lideranças
acadêmicas. Se os nossos pesquisadores estivessem sendo
contratados por empresas do exterior, isso seria uma derrota,
avalia. Mas que eles estejam criando suas próprias
empresas, produzindo tecnologia nacional, resolvendo nossos problemas
e gerando empregos, isso é uma grande vitória.
Para o diretor científico, a universidade paulista vive o
ótimo momento de mandar pessoal preparado
para as empresas.
Tudo
começou com a Xylella
A criação
da Alellyx Applied Genomics é resultado de um processo que
teve início em outubro de 1997, quando a Fapesp deu início
ao Projeto Genoma-Xylella, com o objetivo de mapear todos os 2.900
genes da bactéria Xylella fastidiosa, causadora da praga
do amarelinho, que ataca os laranjais. Concluído em
fevereiro de 2000 a um custo de US$ 13 milhões, o projeto
reuniu 192 pesquisadores ligados a 35 laboratórios de pesquisa
espalhados pelo Estado de São Paulo. Cada um desses laboratórios
seqüenciou pedaços do genoma da bactéria. Os
resultados eram enviados ao Laboratório de Bioinformática
da Unicamp, que coletava e processava os dados. Foi a primeira vez
no mundo que se descreveram todos os genes de um organismo causador
de danos à agricultura feito celebrado por publicações
dos Estados Unidos e da Europa.
A integração entre os 192 pesquisadores se deu através
de uma rede virtual, a rede Onsa sigla em inglês da
Organização para Seqüenciamento e Análise
de Nucleotídeos , instalada pela Fapesp. A Onsa permitiu
que, através da Internet, os cientistas trocassem informações
e agilizassem o trabalho. Tanto que o projeto, previsto para ser
concluído em maio de 2000, terminou três meses antes.
Graças ao conhecimento adquirido com o estudo da Xylella,
a Fapesp pôde financiar outros projetos de seqüenciamento
de genes. Os pesquisadores paulistas já concluíram
a descrição do genoma das bactérias Xanthomonas
citri e Xanthomonas campestris também causadoras de
pragas à agricultura e mapearam partes importantes
dos genomas da cana-de-açúcar e do eucalipto.
As implicações econômicas do trabalho dos cientistas
são evidentes. Combater as pragas dos laranjais beneficia
diretamente a citricultura do Brasil, que tem mais de um milhão
de hectares ocupado por pomares de laranja. Mais de um terço
dos laranjais paulistas responsáveis por mais de 80%
da produção do País sofrem com a praga
do amarelinho. Segundo o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus),
as perdas anuais provocadas por essa doença chegam a R$ 150
milhões.
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