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Final do século 19. Num salão esfumaçado
do Le Chat Noir, o burburinho é alto. Intelectuais, artistas
e boêmios esperam ansiosos pela série de esquetes que
os entreterá noite adentro.
É esse clima de cabarés que está sendo revivido
todas as sextas, sábados e domingos no Teatro da USP, quando
a companhia Circo Grafitti encena a comédia musical O Gato
Preto. O nome faz referência à primeira casa do gênero,
que começou a animar as noites de Paris em 1881.
Mas o que é, afinal, um cabaré? Na opinião
do ator Gerson de Abreu, membro fundador da companhia, trata-se
de um espaço aberto para escritores, poetas, atores e malucos
em geral apresentarem o que sabem. Um músico compunha algo
à tarde e ia apresentar à noite, por exemplo. No geral,
os números eram extremamente irônicos e contestadores,
executados por comediantes interagindo com a platéia.
Não é exatamente o que vem à cabeça,
considerando as caracterizações de Hollywood. Todo
mundo pensa que o Moulin Rouge era o cabaré,
quando na verdade já era uma casa para inglês ver,
sem as características originais.
Fiéis ao estilo, Gerson de Abreu, Rosi Campos, Helen Helena
e Moisés Ignácio (auxiliados pela bailarina
muda Cléo Antunes) se revezam num sem-número
de quadros e personagens. E sem-número não
é força de expressão. Na verdade, eu
nem sei direito quantas esquetes estamos fazendo. Recentemente tivemos
a idéia de enunciar: primeiro quadro, segundo
quadro, mas logo alguém já diz vigésimo
quinto e bagunça tudo, brinca o diretor musical
Pedro Paulo Bogossian, que formou o Circo em 89 ao lado de Gerson,
Rosi e Helen, e toca piano acompanhado por dois músicos durante
a peça. Esse elemento de improviso tem muito a ver
com o cabaré original, que era feito de humor instantâneo.
Os comediantes tinham que ser bastante perspicazes para levar bem
o espetáculo. Esbanjando perspicácia, os atores
da montagem atual arrancam risos da platéia cantando as vantagens
do furto, a história das amigas que descobrem partilhar o
mesmo marido e as peripécias de galinhas pensadoras. Sem
contar impagáveis versões para A Dama das Camélias
e a morte de Joana dArc. Gerson, nesta última um bispo
da Inquisição que mal sabe o que está falando,
explica que a sátira de clássicos era uma prática
comum, já que os artistas queriam sempre quebrar fórmulas
e derrubar tabus. Essa ousadia lhes custou a perseguição
de Hitler, que em 1941 decretou proibida toda e qualquer manifestação
da arte degenerada.
A pesquisa que deu origem à peça, realizada pelo maestro
Bogossian, durou cerca de dois anos. Eu estava trabalhando
com Mirian Muniz no Teatro Cabaré Brecht, com as peças
mais musicais de Bertolt Brecht, e me interessei por aquele universo
que ele e o Kurt Weill retratavam em obras como a Ópera dos
Três Vinténs. Pesquisa vai, pesquisa vem, o diretor
acabou descobrindo que o próprio Brecht era assíduo
freqüentador de cabarés, e lá aprendeu a tocar
violão tendo uma cantora como mestra.
Findo o trabalho, foram garimpadas mais de 200 canções
da época, praticamente desconhecidas por aqui excluindo
a primeira e a última canção, todo o material
de O Gato Preto é inédito, com letras traduzidas e
adaptadas por Bogossian e Helen Helena. Uma das maiores dificuldades
na transposição é o ritmo do texto. Naquela
época, uma boa piada tinha normalmente umas quatro páginas.
Se eu fizer hoje uma piada de quatro páginas, ninguém
lembra como começou, diz Gerson.
Algumas personagens também foram atualizadas, como a do número
Tira a roupa, Petronella. Originalmente, tratava-se
de uma atriz que reclamava poder interpretar de Maeterlinck a Shakespeare,
mas só receber aplausos quando se despia. Na nova versão,
a voluptuosa bailarina muda quer porque quer ser uma estrela, e
recebe conselhos do coral para economizar nos panos, aparecer na
televisão, casar-se com um milionário, ter uma linda
filha e aproveitar os dividendos. Pois é, a arte degenerada
está de volta!
O
Gato Preto fica em cartaz no Tusp (r. Maria Antonia, 294, tel. 3259-8342)
somente até este fim de semana, com apresentações
sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 19h.
Os ingressos custam R$ 20,00. A partir do dia 5 de abril, o espetáculo
se transfere para o Teatro Ruth Escobar (r. dos Ingleses, , tel.
), mantendo os mesmos horários e preços exceto
aos sábados, quando custará R$ 25,00.
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