Os
anos 90 foram marcados por uma série de mudanças na
estrutura da economia e da sociedade. No caso do Brasil, além
da estabilidade econômica, um dos fatores decisivos nesse
processo foi a abertura do mercado, com o fim de protecionismos
e incentivos especiais para determinados setores. Muitos defendem
essas mudanças e outros as criticam, dizendo que trouxe mais
prejuízos que benefícios. Pensando nessas e em outras
questões, a economista Regina Zamith, pesquisadora do Programa
Interunidades de Pós-Graduação em Energia da
USP, resolveu estudar a situação do setor petroleiro
brasileiro, enfocando sua análise especialmente sobre as
indústrias para-petroleiras, fornecedoras de peças,
equipamentos e insumos para as empresas que extraem o petróleo,
como a Petrobras, após a flexibilização e abertura
do mercado à competição internacional, estabelecida
pela Emenda Constitucional nº 9, de novembro de 1995, e pela
nova regulamentação setorial, definida através
da Lei do Petróleo nº 9.478, de 6/8/97.
Segundo a pesquisadora, o Brasil construiu, ao longo de sua história,
uma sistema industrial complexo nessa área, sob a liderança
da Petrobras. Atualmente, esse sistema está enfrentando
grandes desafios no sentido de aumentar a sua eficiência,
reduzindo custos e propondo novas estratégias globais de
ação, diz. Apontar as características
presentes e as possibilidades da indústria para-petroleira
constituiu o objetivo principal do estudo.
As conclusõoes da pesquisa levaram à defesa de uma
dissertação de mestrado em 1999, agora transformada
no livro A indústria para-petroleira nacional, lançado
em novembro do ano passado pela Editora Annablume. Com 170 páginas,
a publicação contém uma apresentação,
da autoria de Edmilson Moutinho dos Santos, orientador do estudo
e professor do Programa Interunidades, mantido pela Escola Politécnica
(EP), Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE), Faculdade
de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e
Instituto de Física (IF), uma ampla lista de siglas e glossário
que facilitam o entendimento para os leitores menos acostumados
com o tema e dois capítulos. O livro tem a grande qualidade
de traduzir um tema bastante árido e complexo em termos compreensíveis
e agradáveis, afirma Santos. Trata-se, sem dúvida,
de uma obra muito bem escrita, baseada em um estilo de linguagem
que tem grande apelo para um público mais amplo e não
necessariamente conhecedor da problemática energética
e petroleira brasileira.
Na introdução, Regina faz um breve histórico
do setor no Brasil e descreve a situação internacional.
O primeiro capítulo é dedicado a explicação
dos procedimentos metodológicos que utilizou para seus estudos,
baseados no modelo de Michael Porter, pesquisador norte-americano
da Universidade de Harvard, chamado de A Vantagem Competitiva das
Nações, que estudou as economias de vários
países, detectando os motivos que levam essas nações
a ter maior sucesso em determinadas atividades industriais, e a
análise do mercado brasileiro, utilizando o conceito de diamante
petroleiro, para avaliar os determinantes da vantagem competitiva
brasileira.
O segundo capítulo traz uma avaliação da indústria
para-petroleira brasileira e dos caminhos que ela deve sequir para
se manter competitiva no mercado internacional. Através
da pesquisa de campo realizada com as empresas do setor durante
a Rio Oil and Gas Conference-1998, fiz um diagnóstico da
competitividade da indústria petroleira nacional com destaque
às relações entre as empresas de petróleo
e seus setores correlatos e de suporte, informa Regina.
Soluções
especiais
A pesquisadora
explica que as indústrias para-petroleiras brasileiras se
desenvolveram em torno das demandas que foram surgindo da Petrobras.
Conforme essa empresa foi se desenvolvendo, novos problemas
surgiam e eram solucionados, na maioria das vezes, por meio de solicitações
feitas para as empresas nacionais, que acabaram crescendo sem enfrentar
uma forte concorrência externa devido ao fato do mercado do
petróleo ser, na época, protegido por monopólio
estatal, diz. Noventa por cento de tudo que a Petrobras
comprava era fabricado no Brasil.
O desafio que se coloca para essas indústrias de apoio e
suporte é manter a competitividade. Segundo Regina, mesmo
com a abertura, ainda existem incentivos excepcionais para a área,
como o recém-criado fundo setorial do petróleo, o
CT Petro, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT),
que detém recursos com o objetivo de aplicá-los em
pesquisas, as bolsas para pesquisadores, concedidas pela Agência
Nacional do Petróleo (ANP), a concessão do regime
aduaneiro especial até 2005, com a isenção
dos impostos IPI, ICMS, Cofins e Pis, prazo em que se prevê
que a indústria brasileira terá condições
de competir com os produtos importados e a adoção
do sistema discricionário, que dá preferência
para as empresas que disputam concessões de áreas
para a extração e produção de petróleo
e apresentam projetos que prevêem a compra e contratação
de boa parte dos bens e serviços necessários para
suas atividades no Brasil. O que falta para essas empresas
é criar uma cultura de parceria com as universidades e centros
de pesquisa, o que a Petrobras sempre fez, aproveitando os recursos
existentes e criando novas sinergias, afirma. Essas
mudanças são muito recentes, o que explica porquê
muitas ainda não estão fazendo isso.
Grandes
profundidades
Para
competir no mercado globalizado, muitas indústrias estão
se fundindo, formando megaempresas que juntas dominam gigantescas
fatias do mercado. O setor petroleiro, especialmente a indústria
para-petroleira não foge dessa tendência. Três
empresas, Halliburton, Schlumberger e Baker Hughes, dominam mais
de 40% de todos os segmentos do mercado para-petroleiro, com exceção
do setor de perfuração direcionada, cujo percentual
chega a 80%, e do de engenharia e prestação de serviços
offshores, atividades ainda bastante fragmentadas.
A Petrobras, segundo a pesquisadora, é a empresa que mais
domina a tecnologia offshore ou de exploração em águas
profundas, tendo chegado a explorar petróleo a 1.877 metros
de profundidade. A empresa já tem tecnologia para chegar
até os 2.500 metros e está desenvolvendo equipamentos
para atingir os 3.000 metros, o que permitirá a exploração
de grandes reservas, fundamental para chegarmos a auto-suficiência
do abastecimento, diz Regina. Hoje produzimos cerca
de 80% do que consumimos nessa área.
Para ela, um dos caminhos para o setor para-petroleiro se manter
competitivo e disputar o mercado mundial, além dos investimentos
em pesquisas e possíveis fusões de empresas, é
concentrar boa parte dos esforços na tecnologia offshore,
que apresenta um alto nível de desenvolvimento. As
empresas, no mundo todo, normalmente garantem sua atuação
e crescimento contínuos investindo em determinados nichos
de mercado, o que não exclui a aplicação de
recursos em outras áreas, afirma. A própria
Petrobras e outras gigantes mundiais já estão se definindo
como empresas de energia e não de petróleo, o que
abre um leque enorme de possibilidades, como, por exemplo, os investimentos
em obtenção de energia através do aproveitamento
da biomassa.
Regina afirma que, apesar do atual cenário, se essas e outras
medidas forem tomadas pelas empresas brasileiras, o futuro é
promissor. Se isso não for feito, o País correrá
o risco de ver novamente acontecer o que ocorreu com as empresas
fornecedoras do setor automobilístico, que não investiram
em novas tecnologias e não se uniram para enfrentar a concorrência
e acabaram sendo compradas pelas suas rivais estrangeiras.
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