NESTA EDIÇÃO

 

Demóstenes, orador ateniense

 

A mulher grega
cortesã, esposa e leitora é representada em várias figuras antigas



 


 


 



Cenas de iniciação na guerra, de guerreiros e da infância no mundo clássico podem ser vistas na exposição a ser montada na Faculdade de Educação

A
educação na Antigüidade clássica — que visava mais à formação do ser humano e menos às hoje tão valorizadas técnicas pedagógicas — será debatida pela USP na próxima semana. De 22 a 26 de abril, a Faculdade de Educação promoverá a 1º Semana de Estudos Clássicos e Educação, que reunirá especialistas de diferentes instituições para analisar as idéias de pensadores gregos e latinos e a sua importância para os educadores modernos. “É uma primeira experiência que fazemos, a fim de fortalecer a área de estudos clássicos na faculdade”, afirma a professora Gilda Naécia Maciel de Barrros, docente da Faculdade de Educação da USP e organizadora do encontro. Realizada com a participação dos alunos do primeiro ano do curso de Pedagogia, a semana incluirá uma exposição de imagens sobre a vida e a educação na Grécia e em Roma (leia o texto abaixo).
As diferentes fases da civilização grega antiga — e a forma como a educação era vista em cada uma delas — serão abordadas na semana. Os valores educativos do chamado período arcaico, situado entre os anos 900 e 500 antes de Cristo, por exemplo, serão analisados pela professora Gilda Maria Reale Starzynski. Docente aposentada da Faculdade de Educação da USP e uma das principais helenistas brasileiras, Gilda falará sobre “Ulisses, o herói humano”, enfatizando os aspectos pedagógicos do principal personagem da Ilíada, o grande poema épico de Homero, ao lado da Odisséia. Compilada nos anos arcaicos mas tratando de uma época ainda anterior — o período micênico —, a Ilíada realça, na figura do guerreiro, o valor da honra e do dever de realizar grandes façanhas, além da habilidade no falar.
Já as várias manifestações culturais do período clássico — os séculos de ouro da civilização grega, situados entre os anos 490 e 322 antes de Cristo — serão o tema da maior parte das palestras da semana. Tome-se como exemplo o teatro. As peças compostas pelos grandes trágicos gregos — Ésquilo, Sófocles e Eurípides — transmitiram valores que colaboraram sensivelmente para a formação do homem antigo. Autor da célebre trilogia Oréstia — parte das sete peças de sua autoria hoje conhecidas —, Ésquilo tem como tema principal a idéia da fatalidade e da cólera dos deuses, sempre prontos a se lançar contra os homens que se elevam muito acima dos outros. Sófocles, de quem restaram sete tragédias — entre elas Electra e Édipo Rei —, é um autor que “humaniza” mais suas peças: à onipotência dos deuses ele contrapõe a consciência e a liberdade do homem. Nas suas 19 peças hoje preservadas, Eurípides, por sua vez, mostra ter sido fortemente influenciado pelos sofistas — professores itinerantes que, instalados em Atenas na segunda metade do século 5 antes de Cristo, se propunham a ensinar os jovens a discursar diante da Assembléia do povo, a discorrer sobre todas as coisas e a questionar as leis e os deuses. Essa formação dos cidadãos atenienses através das obras trágicas será analisada na palestra “O teatro grego e a educação”, que será dada pela professora Monique Konder Comparato. Mestra pela Sorbonne, na França, Monique foi orientada por uma das grandes helenistas do século 20, Jacqueline de Romilly.
Além do teatro, a filosofia grega também será objeto de análise durante a semana. A formação do homem proposta por Platão, autor de A República — onde expõe sua famosa teoria das idéias, segundo a qual as coisas sensíveis são cópias imperfeitas da idéia eterna dessas coisas —, será discutida pela professora Gilda Maciel de Barros. Gilda investigará a importância do amor, ou eros, nessa formação. A ética de outro filósofo grego, Aristóteles, e suas implicações com a educação serão interpretadas pela professora Carlota Boto, também da Faculdade de Educação da USP.
Em boa parte moldada pelos valores gregos, a educação romana será analisada em palestras como “O estóico Marco Aurélio e a cura da alma” — a ser feita pela professora Rachel Gazolla, da PUC de São Paulo — e “Breve histórico da educação romana”.

O mito das sereias

A 1ª Semana de Estudos Clássicos e Educação terá o mérito ainda de utilizar o pensamento antigo para refletir sobre as práticas pedagógicas hoje. Uma pergunta que todo educador se faz — “Podem a ética e a cidadania ser ensinadas?” — será debatida pelo professor José Sérgio Fonseca de Carvalho, da Faculdade de Educação da USP. A professora Maria Cecília Souza, da mesma faculdade, usará o mito das sereias, lenda transmitida pela Odisséia, para falar sobre a escola atual.
Mas não é só. Haverá também tempo dedicado a apresentações cênicas. Alunos do primeiro ano de Pedagogia vão encenar trechos de duas obras clássicas. Uma delas é a Apologia de Sócrates, o diálogo escrito por Platão que retrata a defesa do filósofo Sócrates — acusado de perverter a juventude de Atenas e de negar os deuses — diante dos tribunais atenienses. Condenado, Sócrates foi obrigado a se matar ingerindo sicuta, em 399 antes de Cristo. O outro clássico a ser encenado é o autor cômico Aristófanes. Os alunos representarão trechos de algumas das 11 comédias de Aristófanes preservadas, entre elas As nuvens, que mostra o conflito entre a educação ateniense tradicional e aquela nova educação trazida pelos sofistas. Nessa peça, o jovem Fidípides, recém-iniciado na sofística, resolve bater no seu pai, Estrepsíades, porque — conforme insinuaram seus mestres — a lei que manda não bater nos mais velhos é tão convencional quanto uma lei que permita essa atitude. O exagero cômico reproduz e ridiculariza o mesmo relativismo com que pais e filhos se defrontam hoje, em pleno século 21 — o que faz dos antigos uma excelente fonte de reflexão para os problemas pedagógicos atuais. A semana contará ainda com a participação do Coral da Faculdade de Educação da USP.

A 1ª Semana de Estudos Clássicos e Educação será realizada nos dias 22 a 26 de abril de 2002 na Faculdade de Educação da USP (avenida da Universidade, 308, Cidade Universitária, São Paulo). A entrada é gratuita. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3091-3574 ou através da página eletrônica do Grupo de Estudos Clássicos da Faculdade de Educação da USP (www.paideuma.cjb.net).


Mostra traz imagens da Grécia e de Roma

Durante a 1ª Semana de Estudos Clássicos e Educação, o público poderá conhecer a exposição “Grécia e Roma — Vida e Educação”, que estará montada de 22 a 26 de abril no saguão da Faculdade de Educação da USP. Com imagens extraídas de livros, ampliadas e afixadas em painéis de um metro de altura, a mostra apresenta cenas da vida cotidiana da Grécia e da Roma antigas, relacionadas com a questão da educação. As imagens — das quais uma parte ilustra estas páginas do Jornal da USP — podem ser visualizadas também via Internet, no endereço www.paideuma.cjb.net.
A educação arcaica, a formação do homem na cidade grega, a condição da mulher no mundo antigo, as idéias pedagógicas romanas — tudo isso está exemplificado na exposição. “Homero foi o educador da Grécia”, lembra a professora Gilda Naécia Maciel de Barros, da Faculdade de Educação da USP e organizadora da mostra, referindo-se às imagens sobre o período arcaico, que retratam a aristocrática sociedade de nobres guerreiros vista na Ilíada e na Odisséia. “O herói homérico é o homem hábil no falar e capaz de agir, seja em tempo de guerra ou de paz, nas assembléias e nos conselhos.”
Sobre o mundo cívico, o professor Marcos Sidnei Euzebio, doutorando da Faculdade de Educação da USP e um dos colaboradores da exposição, afirma: “A cidade monopoliza a atividade de todos. O jovem grego ou romano prepara-se para ser aquilo que a comunidade espera dele”. Já a situação da mulher é descrita em painéis preparados pela professora Maria Amalia Longo Tsuruda, outra colaboradora da mostra. “As mulheres recebiam educação?”, pergunta-se Maria Amalia, em texto que acompanha as imagens na Internet. “Se pensarmos em Esparta, seguramente sim. Se pensarmos em Atenas, os textos dizem que não. Entretanto, os vasos que apresentam figuras de mulheres estão entre os mais antigos exemplos de vasos cujo tema é a leitura.”
Para a professora Gilda, tanto a mostra como a semana são maneiras de dar continuidade a um trabalho pioneiro da USP — a ênfase dada aos estudos clássicos no curso de Pedagogia. “A Faculdade de Educação da USP é talvez a única no Brasil que tem a preocupação em oferecer uma formação clássica aos pedagogos, tão importante para eles”, diz Gilda, lembrando que esse mérito cabe aos fundadores do Departamento de Filosofia e Ciências da Educação, que teve origem há mais de 30 anos na Seção de Educação da célebre Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, na rua Maria Antonia. Entre esses fundadores estavam pensadores como Laerte Ramos de Carvalho, Roque Spencer Maciel de Barros e João Eduardo Rodrigues Villalobos. “Temos que manter e fortalecer essa obra.”


Ulisses, Aristófanes, Platão, estóicos...

Esta é a programação completa da 1ª Semana de Estudos Clássicos e Educação, a ser realizada na Faculdade de Educação da USP de 22 a 26 de abril

Dia 22, segunda-feira
14 horas: “Ulisses, o herói humano”, professora Gilda Maria Reale Starzynski (Faculdade de Educação da USP).
16 horas: “A memória, a escola e o mito das sereias”, professora Maria Cecília Cortez Christiano de Souza (Faculdade de Educação da USP).
19h30: “O estóico Marco Aurélio e a cura da alma”, professora Rachel Gazolla (PUC de São Paulo).
21h20: “Aristófanes educador”, apresentação cênica dos alunos do primeiro ano do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da USP, sob orientação da professora Maria Amália Longo Tsuruda (Universidade Ibirapuera).

Dia 23, terça-feira
14 horas: “O teatro grego e a educação”, professora Monique Konder Comparato (Liceu Pasteur).
16 horas: “Aristófanes educador”, apresentação cênica (reapresentação).
19h30: “Filios et filias educere: breve histórico da educação romana”, professora Patrizia Bergamaschi (Universidade São Judas Tadeu).
21h20: “Filios et filias educere: breve histórico da educação romana”, professora Marli de Bari Matos (doutoranda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP).

Dia 24, quarta-feira
14 horas: “Filios et filias educere: breve histórico da educação romana”, professora Patrizia Bergamaschi (reapresentação).
16 horas: “Filios et filias educere: breve histórico da educação romana”, professora Marli de Bari Matos (reapresentação).
19h30: “A ética de Aristóteles e a educação”, professora Carlota Boto (Faculdade de Educação da USP).
21h20: “Podem a ética e a cidadania ser ensinadas?”, professor José Sérgio Fonseca de Carvalho (Faculdade de Educação da USP).

Dia 25, quinta-feira
14 horas: “Eros, a força do amor na paidéia de Platão”, professora Gilda Naécia Maciel de Barros (Faculdade de Educação da USP).
16 horas: “Presença clássica nos programas escolares em São Paulo no século 19”, professora Maria Lúcia Hilsdorf (Faculdade de Educação da USP).
19h30: “Ritos de iniciação entre jovens gregos (Esparta e Atenas)”, professora Maria Beatriz Florenzano (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP).
21h20: “Apologia de Sócrates”, apresentação cênica dos alunos do primeiro ano do curso de Pedagogia, sob orientação professor Marcos Sidnei Euzebio (doutorando da Faculdade de Educação da USP).

Dia 26, sexta-feira
14 horas: “Ritos de iniciação entre jovens gregos (Esparta e Atenas), professora Maria Beatriz Florenzano (reapresentação).
16 horas: “Apologia de Sócrates”, apresentação cênica (reapresentação).
19h30: “A filosofia de São Tomás de Aquino subjacente às formas cotidianas de linguagem”, professor Luiz Jean Lauand (Faculdade de Educação da USP).
21h20: “As formas de convivência em clave chinesa”, professora Ho Yeh Chia (doutoranda da Faculdade de Educação da USP).

 




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