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Exposição
procura envolver os visitantes no clima da revolução
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É no
olhar curioso das crianças que visitam o seu ateliê que
Arcangelo Ianelli tem, aos 80 anos, a certeza de que está apenas
começando a aprender a viver. De vez em quando, os garotos
vão espiá-lo em sua sala e perguntam admirados: O
senhor é o artista?.
Ianelli responde brincando: Acho que sou eu. Percebe os
meninos dando risada. Outro dia, um deles comentou: Nossa!
E o senhor ainda está vivo! Achei engraçada a
espontaneidade. Mas o garoto tinha razão. Todos os meus contemporâneos
já se foram. Rebolo, Bonadei, Mário Zanini, Mabe, Fukushima...
Na verdade, estou lutando contra o tempo.
Na luta contra o tempo, Ianelli busca a energia de cada manhã.
Faz questão de levantar bem cedo e saudar o sol caminhando
no Parque da Aclimação, onde tem diversas esculturas.
Vai para o ateliê e trabalha sem parar. O movimento das crianças
há dois anos ele participa de um projeto junto das escolas
e abriu o seu ateliê para a visita dos alunos alegra
a rotina. Uma vida é muito pouco. Para ser artista precisaria
de três vidas. Uma só para estudar e pesquisar. Outra
para exercitar o aprendizado. E a terceira para realizar.
Apesar do jeito tranqüilo, Ianel-li desabafa a inquietação.
Tenho vivido uma aflição. Preciso correr no trabalho.
Dizem que todo artista é um eterno insatisfeito. E eu sou assim.
Quando penso que estou terminando um quadro, me vem a sensação
de que, na verdade, estou só começando. Concebo uma
paisagem na mente, mas a mão nunca obedece. O que me consola
é saber que o tempo é curto para o artista, mas não
tem limites para a arte...
Um
mergulho no mundo da forma e da cor
Ianelli
expõe pouco, mas produz muito. Perdeu a conta das pinturas
que fez nos últimos 61 anos. Suas esculturas também
já têm uma história de 27 anos. Para criar todas
essas obras e mergulhar na forma e na cor, o artista foi construindo
um mundo à parte, em pleno bairro do Paraíso.
Hoje, esse mundo integrado por 12 casas antigas que Ianelli
foi adquirindo e reformando desde a década de 60 traduz
todas as dificuldades e sonhos de sua trajetória. O muro
alto e o portão de ferro escondem esta vila. Um jardim com
folhagens típicas da mata atlântica vai revelando outras
linhas da mão do artista. É muito bom mexer
na terra, plantar, conta. Não gosto de ficar
podando. Prefiro deixar as plantas crescendo à vontade, com
as formas de sua própria natureza.
O caminho que leva ao ateliê é entremeado de réplicas
de estátuas renascentistas e fontes. No piso de cimento das
calçadas, dos corredores e das escadas, Ianelli também
gravou o seu desenho. O meu lazer é o meu trabalho,
diz. Só saio daqui e só viajo se for por algum
motivo relacionado à arte.
Cada espaço desta vila foi projetado pelo próprio
artista. Mas, na verdade, é Dirce, sua mulher, quem há
56 anos cuida de sua vida, das contas e da agenda. Organiza a rotina
para que o artista ganhe tempo para criar. Quando nos casamos,
o pai de Ianelli tinha a esperança que eu fosse desviá-lo
da pintura, lembra. Mas ficou desapontado quando percebeu
a minha felicidade ao vê-lo desenhar.
As tintas, os pincéis, os quadros... Tudo em seu devido lugar.
Há uma casa só para guardar as madeiras que esticam
as telas. Ianelli as prepara no próprio ateliê. Também
tem outras salas para montar os projetos das esculturas. Pelas paredes,
o artista vai pendurando alguns pensamentos que extrai dos livros
e das conversas com os amigos.
Um corredor aqui. Outro lá. As portas se abrem sempre para
os sonhos de quem buscou a luz. O galpão de esculturas é
um destes espaços luminosos. Há dezenas de obras.
Todas de mármore branco para captar os tons ao redor. Gosto
de ouvir a opinião das pessoas sobre o meu trabalho, especialmente
as mais simples, que falam as coisas como sentem. Fiquei feliz quando
vi uma senhora, mais ou menos da minha idade, observar a escultura
Os Amantes no Parque da Aclimação. Ela ficou olhando
atentamente e me disse: Achei bonita. Mas o senhor bem que
poderia ter feito uma curvinha aqui para a gente saber que esta
era a mulher. Creio que a arte é uma educação
visual. Não se entende pintura ou escultura. Você aprende
a sentir. Vai observando museus, exposições, murais
e depura o olhar. Para perceber os valores de uma obra, não
é preciso ir à escola. É preciso saber sentir.
Logo na entrada da vila, à esquerda, um sobrado pintado de
branco como as outras construções, mas repleto de
janelas envidraçadas, guarda todas as pinturas do artista
desde o início de sua trajetória. É uma galeria
organizada de forma bem didática. A primeira sala traz quadros
figurativos de 1940 a 60. As outras vão apresentando a sua
evolução pela fase geométrica até chegar
no abstrato e se entregar, com autonomia, às cores. Ianelli
passou a descobrir o vermelho em todos os seus tons. Depois, o azul,
o verde, o preto, enfim, cada uma das cores em sua plenitude.
Pintar
não é profissão. É um destino
Paulistano,
filho de imigrantes italianos, Ianelli completou 80 anos no último
dia 18 de julho. Já recebeu uma homenagem do Salão
Paulista de Arte Contemporânea e está sendo lembrado
também pelo Salão de Belém do Pará.
Pretende comemorar com a cidade organizando duas exposições.
A primeira, em setembro, será a maior de sua trajetória
na Pinacoteca. Vai levar uma mostra da sua vida guardada
na vila do Paraíso. Irei reunir os quadros e as esculturas.
Acho que a obra de arte deve falar por si. É uma redundância
o artista buscar definir, por outros meios a não ser através
de sua obra, a sua mensagem e a sua proposta. Ela tem, como a música,
o seu mundo e a sua linguagem própria e autônoma.
A segunda mostra irá acontecer em outubro, no Museu de Arte
Contemporânea da USP, na sede do Ibirapuera. Será uma
coletiva, com a participação de Claudio Tozzi, Tomie
Ohtake, José Roberto Aguillar, Antonio Henrique Amaral, Wesley
Duke Lee entre outros representantes da arte contemporânea.
Quem olhar atentamente as exposições, talvez descubra
um Ianelli que o artista nunca fez questão de pintar. É
a pessoa alegre que se esconde em leves pinceladas. Pai de Kátia,
professora e restauradora de quadros, e de Rubens, médico
e artista plástico, e avô de Mariana, Simone, Mayra,
Luís Henrique, Otávio e Lucas.
Mas o mais importante: o companheiro que Dirce foi ajudando a retratar
com cuidado nas cores de uma mesa sempre bem posta. No café
da manhã com iogurte natural, queijo branco, torradas
ou no almoço e jantar equilibrado com carnes brancas,
verduras, legumes e frutas, ela vai criando toda a infra-estrutura
para a arte. A casa, que fica nos fundos da vila, foi decorada ao
gosto do artista. Mas é Dirce quem cuida e zela pelos seus
sonhos. Enquanto o marido conversa, observa com admiração.
De repente, interrompe o artista para lembrar: Puxa, como
você tem as mãos lindas. Precisamos moldá-las
em gesso. Escolhe os filmes na locadora para assistirem juntos
nos momentos de descanso. Uma organização e disciplina
que acabam fluindo em arte. Como bem disse Paul Cézanne,
pintar não é uma profissão. É um destino,
diz Ianelli.
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Uma
vida entre pincéis e tintas |
A
meta é buscar a simplicidade
Quando
está pintando, Arcangelo Ianelli mergulha na essência
da cor. E quando esculpe emerge na forma. Entre a cor e a forma,
o que o artista busca é o ser simples. Tudo o que eu
mais quero é a simplicidade. Mas nada é mais complicado
do que ser simples, diz.
Nesta luta interior, Ianelli pinta e esculpe sem parar. Toda esta
inquietação que vai se transformando em arte vem de
longe. Sempre gostei de desenhar, conta. Quando
era menino, meu pai, que era construtor, me fazia desenhar as fachadas
das casas. Queria um filho engenheiro, não artista.
Ianelli fala das dificuldades de sua trajetória e ri de si
mesmo. Lembro do meu tio olhando os quadros, logo que comecei
na abstração. Ele ficou observando e me disse: Você
está pensando em sobreviver fazendo isto? Eu não queria
estes quadros nem de graça. Gostei da sinceridade.
Entre 1940 e 60, desenvolveu uma pintura figurativa. Campos, marinhas,
cais, casarios, naturezas-mortas... Ianelli fez inúmeras
paisagens caracterizadas por tons suaves. Foi nesse lirismo que
Ianelli caminhou para o abstracionismo, conquistando vários
prêmios no Brasil e exterior. Tem obras no acervo dos museus
de Kioto e Osaka, no Japão; Museu de Arte Moderna do México
e de Roma; Museu Rufino Tamaio e Instituto Cultural Domecq, no México;
Museu de Arte Moderna La Tertúlia, em Cali, Colômbia;
Museu de Belas Artes de Caracas, Venezuela; Museu de Arte de Toronto,
Canadá; Museu de Skopje, Iugoslávia; Art Gallery of
Brazilian American Cultural Institute, Washington; acervo das embaixadas
em Roma, México e Munique.
No Brasil, suas obras estão presentes no Museu de Arte Contemporânea
da USP, MAM-SP, Masp, Museu de Arte Brasileira da Faap, Pinacoteca
do Estado de São Paulo, Museu Antonio Parreiras, de Niterói,
MAM - BA, Museu de Arte Contemporânea de Olinda, Museu do
Artista Brasileiro em Brasília, entre outras coleções.
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