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Manuel
Bandeira e Drummond: amizade entre versos
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Autógrafos
de CDA para o casal Guita e José Mindlin;
à dir., Fernando Sabino, o poeta, Paulo M. Campos
e Rubem Braga
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Desde o início deste ano, os amantes da boa leitura
comemoram o centenário do nascimento de Carlos Drummond de
Andrade, poeta fundamental da literatura brasileira. Para dar força
às celebrações, o presidente da República
Fernando Henrique Cardoso sancionou a lei nº 10.401, de 7 de
janeiro, que institui 2002 como o Ano Nacional Carlos Drummond
de Andrade. Portanto, não importa que a data de nascimento
do escritor tenha sido 31 de outubro de 1902. É para
comemorar Drummond o ano todo, afirma o poeta e crítico
literário Claudio Willer, presidente da União Brasileira
de Escritores (UBE), que há 15 dias organizou uma semana drummondiana
no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo. Carlos Figueiredo,
presidente da Companhia de Poesia, vai além: O ano inteiro
é dele, assim como o século 20 foi da poesia dele também.
Tamanha empolgação é proporcional à importância
de Drummond. Com a publicação de No Meio do Caminho
na Revista de Antropofagia, em 1928, ganhou notoriedade. Livre de
qualquer rigidez formal, o poema logo chamou a atenção
para o trabalho e a sensibilidade daquele mineiro magro e tímido,
mas com muita coisa a dizer. Dois anos depois, o lançamento
do livro Alguma Poesia consagrou-o como uma das principais vozes da
segunda fase do Modernismo brasileiro. O primeiro poema dessa obra,
chamado Poema de Sete Faces (Quando nasci, um anjo
torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai Carlos! ser gauche
na vida), cunhou-lhe a fama de poeta gauche (em francês,
à esquerda ou desajustado).
Dando continuidade à ruptura com o passado literário,
o jovem escritor de Itabira começou a conquistar o público
principalmente por tratar de assuntos cotidianos, naturais e próximos
dos leitores. O que marcou, para mim, foi ver que a poesia poderia
falar de mãe, de pai, de café preto, diz o poeta
Donizete Galvão sobre o poema Infância.
Alcides Villaça, professor de Literatura Brasileira na FFLCH-USP,
completa: Drummond falou do cotidiano e da subjetividade profunda
com um discurso todo interiorizado. Atravessou o século 20
falando das relações mais diferenciadas que um sujeito
moderno possa ter com o mundo e com os outros, desde a mais profunda
aversão até o desejo de aproximação.
Ao longo de sua carreira de poeta, passou também a se envolver
politicamente no discurso sobre os acontecimentos, como se nota no
livro A Rosa do Povo, de 1945, e a meditar sobre a condição
humana.
À medida que incorporava novos elementos ao seu trabalho, ganhava
mais fãs e seguidores. Um dos trunfos mais admirados de Drummond
foi ter conseguido utilizar diversas vozes em sua obra. A grande
importância é que ele foi vários Drummonds,
diz Villaça. Mas, de acordo com Affonso Romano de SantAnna,
autor do livro Drummond, o Gauche no Tempo, não se pode correr
o risco de achar que isso acontecia por acidente. Fica parecendo
que ele era um poeta estabanado, e não é nada disso.
Tento mostrar em minha pesquisa que isso é um sistema muito
bem amarrado, explica.
Um trabalho tão completo não poderia deixar de ser uma
grande influência para vários dos escritores brasileiros
surgidos depois dele. Muitos jovens arriscam seus primeiros versos
após ler as poesias de Drummond. O consagrado poeta João
Cabral de Melo Neto, autor de O cão sem plumas, por exemplo,
teve a primeira fase de sua carreira influenciada pelo itabirano e
inclusive dedicou seu primeiro livro a ele. Para Willer, a maioria
dos poetas aprende a ler e a escrever lendo Drummond. Villaça
pensa da mesma forma e dá um exemplo: O próprio
João Cabral foi influenciado por Drummond, mas depois seguiu
seu caminho e encontrou uma linguagem também extraordinariamente
particular e própria.
Valores e estilos drummondianos, como o uso da linguagem prosaica
e uma certa provocação, ecoam na produção
literária brasileira até hoje. O Drummond influencia
praticamente todo mundo porque foi influenciado pelo Camões.
Não há como fazer literatura e poesia no Brasil sem
a influência de Camões, constata Carlos Figueiredo.
Villaça sintetiza essa idéia em uma frase: Os
grandes poetas estão sempre presentes de alguma maneira.
Que não se entenda por influência, porém, imitação.
A falta de cacoetes estilísticos e a sagacidade de Drummond
são características muito fortes para serem imitadas
sem soarem artificiais. A influência de Drummond é
frutífera e estimulante. Com ela, é possível
a pessoa achar sua própria voz, diz o poeta Donizete
Galvão.
A contínua força de Drummond sobre a literatura brasileira
torna mais do que naturais as homenagens ao centenário de seu
nascimento. Palestras, debates e leituras de poemas festejando o poeta
mineiro têm sido promovidos quase semanalmente em todo o País.
Na 17ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, realizada
no último mês de abril, foi encenada a peça infantil
Estação Drummond em cinco sessões diárias.
A Feira do Livro de Belo Horizonte (MG), que começou na semana
passada, terá debates sobre o poeta e a cidade de Natal (RN)
realizará este mês sua Semana Drummond.
Uma parceria entre a UBE, a Companhia de Poesia e a Secretaria de
Estado da Cultura de São Paulo realizou, entre 5 e 9 de agosto,
no Teatro Sérgio Cardoso, o evento Drummond, Cem Anos
Um Poeta e Muitas Vozes. Nele, Lygia Fagundes Telles,
Fábio Lucas, Affonso Romano de SantAnna, Donizete Galvão
e Alcides Villaça deram palestras e depoimentos sobre o poeta
e sua obra. Lygia e SantAnna aproveitaram para falar também
sobre a amizade que tiveram com Drummond. Os atores Sérgio
e Duda Mamberti, Pascoal da Conceição, Helena Ignez,
Maria Alice Vergueiro e José Rubens ChaCha ficaram encarregados
das leituras de poemas no final de cada noite.
Pensando estrategicamente, preferimos fazer agora para beneficiar
o público e dar chance a quem quiser vir ver. O fim do ano
terá muitas homenagens e estará super agendado de Drummond,
esclarece Willer sobre a escolha da data. A estratégia deu
certo. As três noites do evento foram lotadas e mesmo um grupo
de Jundiaí (SP) veio prestigiar o acontecimento. Se tivéssemos
feito, em vez da semana Drummond, o mês Drummond, teríamos
muito mais repercussão e, certamente, público,
diz Willer.
Na platéia, composta por pessoas de todas as idades, era visível
a predominância de adolescentes e jovens universitários,
que prestavam atenção em cada palavra dos palestrantes
e em cada poema lido. No final, sempre muitos aplausos e assobios.
Esse é o sintoma mais claro de que o apelo drummondiano continua
vivo durante seu centenário e de que a previsão do poeta,
que achava que seria esquecido no máximo dez anos após
sua morte, estava completamente errada. O Drummond está
numa dimensão temporal que é mais difícil de
avaliar do que por décadas. É uma voz que ficou, continua
ressoando e influenciando, diz Villaça. Willer acrescenta
que pelas manifestações de entusiasmo, o interesse
por Drummond cresce.
Seguindo o exemplo de tantas gerações surgidas depois
de Drummond, muitas outras ainda deverão fazer a história
da literatura brasileira sob a influência de seus versos precisos
e, de certa forma, revolucionários. Drummond não
é febre, é poeta para a vida inteira, diz Galvão.
Para Villaça, ainda tem muito jovem que começa
sendo um pouco Drummond, pelo menos por uma referência para
valores, para estilos e para humores que já tiveram uma grande
expressão. O ator Sérgio Mamberti concorda: Acho
que não há um brasileiro que não se encontre
de alguma forma na obra desse poeta. E completa: Espero
que um dia este país possa aprender a ler para vivenciar as
palavras do Drummond.
As
várias faces do poeta
Em uma
tradicional família de Itabira do Mato Dentro (MG, hoje chamada
simplesmente Itabira), Carlos Drummond de Andrade nasceu no dia 31
de outubro de 1902. Nono filho do fazendeiro Carlos de Paula Andrade
e de Julieta Augusta Drummond de Andrade, teve seus primeiros poemas
publicados em 1921, antes de concluir os estudos, no jornal Diário
de Minas. Mesmo assim, por pressão dos pais, cursou a Escola
de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte.
Jamais exerceu a profissão de farmacêutico, mas também
não foi exclusivamente poeta ao longo de sua vida. Depois de
lecionar Geografia e Português em sua cidade natal, ingressou
no serviço público em 1934 e seguiu essa carreira até
a aposentadoria em 1962. Como poeta, seu nome começou a se
tornar conhecido em 1928, com a publicação do poema
No Meio do Caminho na Revista de Antropofagia.
O lançamento de seu primeiro livro, Alguma Poesia, ocorreu
dois anos depois, em 1930. A partir de então, tornou-se cronista
e colaborador de diversos jornais e revistas. Em 1934 publicou seu
segundo livro, Brejo das Almas, com a pequena tiragem de 200 exemplares.
Sentimento do Mundo, de 1940, teve lançamento ainda mais modesto,
com 150 exemplares distribuídos entre amigos e escritores.
Já morando no Rio de Janeiro, Drummond passou a publicar trabalhos
anualmente. Além de significativos livros de poemas, como A
Rosa do Povo (1945), Poesia Até Agora (1948), Claro Enigma
(1951), Lição das Coisas (1962), Boitempo & A Falta
Que Ama (1968) e Discurso de Primavera (1977), traduziu para o português
Balzac, Proust (é dele a tradução de A Fugitiva),
García Lorca e Molière, entre outros. Ao mesmo tempo,
sua obra ganhou reconhecimento internacional e foi traduzida para
o espanhol, inglês, francês, italiano, alemão,
sueco, russo e holandês.
A postura de antiastro foi uma característica bastante notável
em sua vida. Por causa dela, recusou uma indicação para
a candidatura a um posto de imortal na Academia Brasileira
de Letras e recusou o Prêmio Brasília de Literatura.
Aceitou, porém, os prêmios Fernando Chinaglia, da União
Brasileira de Escritores (UBE), e Luísa Cláudio de Souza,
do PEN Clube do Brasil em 1963, o Prêmio Nacional Walmap de
Literatura em 1975 e os prêmios Estácio de Sá
de Jornalismo e Morgado Mateus (de Portugal) de Poesia em 1980.
Uma das maiores mostras da popularidade de Carlos Drummond de Andrade
foi a homenagem que a escola de samba carioca Estação
Primeira de Mangueira prestou-lhe em 1987, com o samba-enredo O
Reino das Palavras. A escola foi campeã do carnaval daquele
ano e Drummond faleceu poucos meses depois, em 17 de agosto, no Rio
de Janeiro. Deixou cinco obras inéditas: O Avesso das Coisas,
Moça Deitada na Grama, Poesia Errante, O Amor Natural e Farewell,
todas publicadas nos anos seguintes. O Amor Natural ganhou o Prêmio
Jabuti de Poesia de 1993, prova máxima de que a obra de Drummond,
um dos maiores poetas da história da literatura brasileira,
é atemporal.
Revista
USP também destaca escritor
Em 2002, quatro ilustres personagens de nossa cultura, arte e política
estão comemorando cem anos de nascimento. Lembrando disso,
o número 53 da Revista USP está saindo com um dossiê
especial sobre essas importantes figuras do século 20: o arquiteto
Lúcio Costa, o ex-presidente Juscelino Kubitscheck, o sociólogo
Sérgio Buarque de Holanda e o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Especialistas na vida e obra desses nomes foram escolhidos para contar
um pouco de sua importância na história brasileira.
Para falar a respeito do sociólogo Sérgio Buarque de
Holanda foi escolhido o professor Luiz Costa Lima. Lúcio Costa
e a notável relação que o arquiteto estabeleceu
entre o aspecto clássico da arte colonial com a moderna ficou
a cargo dos professores Abilio Guerra e Silvana Rubino. Sobre Juscelino,
a professora Maria Victoria Benevides nos dá uma visão
distanciada do carismático presidente, criador de Brasília,
com destaque para a publicação da foto de sua última
aparição pública, em 1976. Por fim, Drummond,
o poeta que melhor trabalhou os aspectos sociais do País, tem
sua importância ressaltada em quatro textos de autoria da jornalista
e professora da ECA Cremilda Medina, do professor Vagner Camilo, da
professora Beatriz Resende e do poeta e professor Aguinaldo José
Gonçalves.
Segundo o editor da revista, Francisco Costa, a escolha do tema do
dossiê desta edição foi uma decisão da
redação com o Conselho Editorial, tomada devido à
forma contundente como essas personalidades marcaram a história
do País. Neste número também se destaca uma nova
seção chamada Arquivo. Nela um texto clássico
é traduzido e recolocado em circulação, servindo
como referencial para estudantes e intelectuais. A revista já
está nas livrarias desde segunda-feira (12) e a intenção,
segundo Costa, é formar um binômio com o número
54, que falará de um outro centenário importante para
nossa cultura: o da publicação da obra Os Sertões,
de Euclides da Cunha. O número 53 terá uma tiragem
de 3.000 exemplares e custará R$ 16,00.
PEDRO
BIAVA, da Agência USP de Notícias
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