Ficar deitado na cama lendo revistas ou somente olhando
para a janela à espera dos medicamentos e de exames a que teriam
que se submeter, ou ainda sair do quarto para, no máximo, assistir
à televisão. Essa era a rotina dos pacientes internados
na enfermaria de Clínica Médica do Hospital Universitário
(HU), pessoas de 20 até 86 anos, na sua maioria idosos, até
aparecer o projeto Hospital-Arte, coordenado pela arte-educadora Débora
F. N. Rico. Consiste em um ateliê de pintura, que ao contrário
de outros projetos implantados em hospitais como o Carmin,
que oferece aulas de pintura ministradas por artistas , este
deixa o artista livre para expressar seus pensamentos
e sentimentos sem o compromisso com a arte do ponto de vista estético.
O resultado são quadros que agora vão ficar em exposição
e quem sabe pertencer permanentemente ao HU.
E como tudo começou? Desde 1995, Débora desenvolve trabalhos
de arte-educação, primeiro no Museu de Arte Moderna
de São Paulo (MAM) com o projeto Nós Também Pintamos,
voltado a deficientes físicos e mentais e depois de três
anos, na Rede de Atenção Psicossocial de Santo André,
dirigido a pacientes com transtornos psiquiátricos e dependentes
químicos. Sempre trabalhando com crianças, adolescentes
e adultos. Mas ela queria algo que envolvesse idosos e foi aí
que surgiu o convite, em agosto do ano passado, da professora Marysia
Mara Rodrigues do Prado De Carlo, do curso de Terapia Ocupacional
do HU, que já conhecia o seu trabalho. Resolveram então
implantar o projeto, inicialmente chamado de Reconstruir a Vida com
Arte, na enfermaria da Clínica Médica.
Durante um mês e meio, Débora ficou anotando a fala dos
pacientes, que recebiam apenas a intervenção médica,
basicamente clínica. Segundo relatos deles próprios,
estavam tristes por ficarem longe de suas famílias, preocupados
somente com seus exames e sendo assim mais suscetíveis à
depressão. Depois disso, ela e mais três estudantes do
curso de Terapia Ocupacional que faziam estágio no HU iam até
o hospital uma vez por semana, durante a manhã, munidos de
cavaletes, telas e tintas material fornecido por Maria Lúcia
Lebrão, da Superintendência do HU e convidavam
os pacientes a pintar. Os comentários eram: não
sei pintar, não consigo, não
tenho o dom, vou estragar o material, tenho
que fazer exames ou ainda perguntavam será que
eu posso?. Mas esse medo sumia quando eles eram informados de
que a oficina fazia parte do tratamento.
No começo, apenas três ou quatro pessoas se dispunham
a participar da oficina terapêutica de pintura, mas com o passar
do tempo os próprios pacientes a procuravam. Nessa fase, os
médicos e enfermeiros passaram a indicar o ateliê. Os
pacientes se sentiam livres e bem à vontade, falavam de seus
problemas, se emocionavam, relata Débora. Em suas produções
artísticas aparecem, na sua maior parte, temas relacionados
a paisagens e à casa, este último remetendo ao desejo
de retornar ao lar ou ao próprio corpo. Mas, como informa Débora,
o objetivo nunca foi o de analisar esses trabalhos, e sim de permitir
uma qualidade de vida melhor.
Com a participação no ateliê, eles reclamavam
menos de dor, se sentiam mais dispostos, não percebiam o tempo
passar e muitas vezes tomavam a medicação dentro do
ateliê, além de passarem a se alimentar melhor. Débora
cita um caso: uma paciente que reclamava sentir muita dor e não
conseguia nem segurar o garfo para alimentar-se passou a segurar o
pincel para pintar. Segundo ela, muitas vezes, a dor é psicossomática.
Isso quer dizer que o paciente acredita estar sentindo dor, mas ela
não é real e a partir do momento em que se distrai com
outra atividade ela desaparece.
Também alguns médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem
queriam pintar, afirmando que isso poderia aliviar o stress do dia-a-dia.
Débora procurou então a Superintendência do HU
que mais uma vez apoiou a idéia, fornecendo uma tela gigante
de 8 m x 1,70 m e a colocou na entrada do refeitório. A arte-educadora
a dividiu em diversas partes, com tamanhos e formatos diferenciados,
e durante um único dia, das 7h até as 23h, esta foi
totalmente preenchida por todos que ali passavam. Foram 102 pessoas,
desde faxineiros até médicos de várias especialidades.
Alguns pintaram, outros escreveram, e como os pacientes, também
se emocionaram e contaram seus problemas.
Para dar continuidade ao projeto, durante o vernissage, nesta terça,
além dos pacientes que não estão mais internados
e poderão doar seus trabalhos, serão convidados empresários
com o intuito de que eles possam patrociná-lo. Também
as pessoas que lá estiverem vão poder contribuir através
do sistema de tutelação da obra, ou seja, elas contribuem
com uma soma em dinheiro que será revertida para o projeto,
mas não levam o quadro para casa, ficando assim seu nome como
tutor ao lado do nome do autor.
Como
contribuir
Débora
pretende ainda realizar exposições itinerantes pela
USP para que as pessoas possam conhecer um pouco mais sobre o HU
e seus pacientes e ainda elaborar mostras virtuais no site do hospital.
Outra idéia é escolher, também durante a abertura
da mostra, entre as 75 telas participantes as 12 mais votadas para
que se transformem em calendário do HU e ainda em muitos
outros artigos como camisetas, agendas, cadernos, tudo com renda
revertida para o Hospital-Arte.
O projeto transforma o ambiente frio do hospital que remete
a momentos tristes pelos quais os internos estão passando
em um espaço mais alegre, cheio de cores, deixando acima
de tudo seus pacientes mais alegres, diz a arte-educadora.
Assim, ele humaniza o ambiente hospitalar e o torna mais aconchegante
não só para quem está lá, mas também
para quem passa por lá.
A
mostra do projeto Hospital-Arte será inaugurada com um coquetel
nesta terça, às 19h, no Hospital Universitário
(av. Prof. Lineu Prestes, 2.565, entrada social do 3º andar,
Cidade Universitária). Depois os quadros serão redistribuídos
pelo hospital. Mais informações pelo tel. 3039-9453.
Grátis.
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