O
próximo governo precisará compor uma fórmula
que possa privilegiar setores-chave da economia, articulando, ao
mesmo tempo, política industrial, agrícola e comercial,
a fim de favorecer o comércio exterior do País. A
afirmação é do professor Cláudio Hildebrand
e Grisi, coordenador do curso de MBA em Comércio Exterior
da USP.
Como
exemplo de articulação entre indústria e comércio,
Grisi cita um projeto do governo federal que arrendou 40 barcos
pesqueiros a empresas brasileiras, permitindo ao Brasil reduzir
sensivelmente a importação de sardinha, salmão
e atum. O professor cita também outra iniciativa semelhante,
o programa de produção de camarões nos alagados
de Mossoró (RN).
Em
entrevista ao Jornal da USP, Grisi enfatizou a importância
de o País estabelecer um plano de pesquisa tecnológica
para que seja possível substituir tecnologia importada. “É
necessário capacitar empresas que realizem pesquisas na área
tecnológica a fim de que se possa melhorar produtos e métodos
de produção e distribuição”, disse.
Segundo
ele, o desenvolvimento das relações comerciais brasileiras
no globo dependerá também da criação
de laboratórios capazes de proceder à certificação
fitossanitária de determinados produtos. Para o professor,
é importante que esses laboratórios se associem a
outros estrangeiros a fim de compatibilizar as normas técnicas
internacionais na área fitossanitária.
Grisi
elogia a recente atuação da diplomacia brasileira,
que vem conseguindo vitórias heróicas, por exemplo,
no caso da Embraer, ou nos desagravos fitossanitários da
carne e do frango. Mas não deixa de destacar que a agilidade
nas negociações diplomáticas também
será outro ponto a favor no comércio internacional
do País. “Serão muitos os desafios à
diplomacia brasileira, que precisará ser muito ágil
para cuidar das negociações externas.” Além
da rapidez nas decisões, a diplomocia deve estar articulada
com o setor empresarial, afirma.
A necessidade
de melhorar a estrutura organizacional do governo e capacitar mais
negociadores para dar suporte às relações internacionais
foi justamente um dos itens destacados pelo secretário-executivo
da Camex (Câmara de Comércio Exterior), Robério
Oliveira Silva, que ministrou palestra sobre comércio exterior
na última segunda-feira, 21, na sala da Congregação
da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade)
(leia o texto abaixo). De acordo com o dirigente da Câmara,
os recursos técnicos, acadêmicos e financeiros ainda
são escassos comparativamente a outros países e este
poderá ser um dos obstáculos ao comércio internacional
brasileiro, conforme as negociações forem evoluindo
futuramente e tornando-se mais complexas. Nesse sentido, Oliveira
Silva ressaltou a importância de cursos como o MBA em Comércio
Exterior da USP, que forma negociadores capacitados a assessorar
relações internacionais.
O professor
Grisi lembra ainda a necessidade de se estabelecer uma política
tributária e cambial consistente com a atividade exportadora,
criando, por exemplo, um programa de isenção de impostos
às exportações e à cadeia produtiva.
“Não pode haver carga tributária embutida nos
preços dos produtos para exportação. Nenhum
país do mundo exporta impostos; isso encarece os produtos
e tira competitividade”, afirma.
O regime
cambial, segundo Grisi, que funciona como instrumento de contenção
da inflação, não estimula as exportações.
Ao contrário, traz sérias restrições
ao setor. “O câmbio não pode ser, por exemplo,
de R$ 1,23, como ficou durante muito tempo. Mas também não
pode ficar nesse patamar absurdo que está atualmente. Sabemos
que o valor razoável da moeda é de algo em torno de
R$ 2,00”, diz o economista, citando a econometria ao falar
da fórmula usada para calcular o valor da moeda de um país.
O juro
alto não prejudica as exportações, diz Grisi,
ao comentar a recente decisão do governo de aumentar a taxa
básica de juro (Selic). É verdade que o empresário
brasileiro financiado em real vai pagar juros altos e, portanto,
repassar esses custos aos preços dos produtos que exporta.
No entanto, o professor ressalta que os preços dos produtos
já estão altamente beneficiados pela taxa de câmbio
absurdamente alta e, portanto, o câmbio mais do que compensa
os juros na formação do preço do artigo exportado.
“O
efeito malévolo da taxa de juros diz mais respeito à
economia interna”, explica. “Tenho grande expectativa
de que o próximo governo dê a ênfase merecida
ao comércio exterior do País. Com o crescimento das
exportações, retoma-se o processo de geração
de novos empregos, produz-se superávit comercial e, com isso,
paga-se a dívida.”
Mercosul
será desafio
Em
toda a história do Brasil, nunca houve um período
tão denso de negociações comerciais internacionais.
As reuniões para discutir comércio exterior podem
ser comparadas a diversos tabuleiros de xadrez nos quais os negociadores
brasileiros jogam partidas simultâneas envolvendo não
só Mercosul, bloco andino, Caribe, Nafta (Acordo de Livre
Comércio da América do Norte), Alca (Área de
Livre Comércio das Américas), UE (União Européia),
blocos asiáticos e África do Sul, mas também
as grandes rodadas da OMC (Organização Mundial do
Comércio). Nesse jogo complicado, os governos têm a
missão de promover a integração comercial para
o desenvolvimento de seus povos. Para o Brasil dar continuidade
às vitórias até agora conquistadas e continuar
forte nas negociações mais amplas, especialmente junto
à Alca, o País precisa se fortalecer junto ao Mercosul
e este será um dos principais desafios para o próximo
governo no âmbito do comércio internacional, disse
o secretário-executivo da Camex (Câmara de Comércio
Exterior) – órgão que define toda a estratégia
negociadora para o Brasil no comércio internacional –,
Robério Oliveira Silva, em palestra realizada semana passada
na FEA.
“Estou
convencido de que o Mercosul é fundamental para o aprofundamento
da inserção brasileira na economia internacional.
Antes de qualquer negociação com a Alca e União
Européia, temos que nos organizar com os parceiros do Mercosul
para negociarmos como um bloco coeso”, afirmou.
O revigoramento das conversações e a necessidade de
consenso entre os parceiros do Mercosul tornam-se imperiosos num
momento em que se iniciará uma rodada decisiva de negociações
da Alca, no próximo dia 1o de novembro, em Quito, Equador.
Os 34 ministros dos países que negociam a Área de
Livre Comércio das Américas deverão travar
uma verdadeira batalha diplomática para definir como serão
as regras e modalidades que garantirão a cada país
a elaboração das ofertas de abertura de mercado. O
Brasil e seus parceiros do Mercosul defendem o princípio
da nação mais favorecida regionalmente, ou seja, o
acesso a mercados de um país é estendido aos demais,
em bloco. Mas os EUA querem a assinatura de acordos bilaterais.
A implantação
da Alca por meio de negociações bilaterais pode ser
uma real ameaça ao Brasil, acredita Oliveira Silva. “As
perspectivas não são boas, mas não podemos
deixar de negociar. Um país como o nosso, que tem múltiplos
interesses, diferentes mercados e muito a ganhar, não pode
desistir da negociação. A Alca não é
só um desafio, é também uma dupla oportunidade,
tanto para mantermos os mercados existentes (50% das exportações
brasileiras e 70% dos manufaturados produzidos internamente têm
como destino os países da Alca) quanto para ganharmos acesso
a novos mercados”, afirmou.
Segundo o funcionário da Camex, as negociações
de comércio exterior não sofrerão com a transição
política. “A estrutura do governo brasileiro avançou
de tal forma que tenho orgulho de dizer que este país terá
a transição mais tranqüila que já existiu.
Os cronogramas de negociações internacionais continuarão,
apesar da mudança de negociador”, diz. Ainda com a
intenção de facilitar a transição de
governo, a Camex decidiu contratar consultores da USP, Unicamp,
Ipea e BNDES a fim de avaliar os impactos macro e microeconômicos
em função das diferentes modalidades e resultados
de negociações em andamento. De acordo com Oliveira
Silva, os estudos serão uma contribuição para
o processo negociador a partir de 1o de janeiro de 2003.
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