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Oswald: delicadeza nas paisagens. O artista dizia que meia hora numa oficina de gravura vale mais do que uma biblioteca
 
 
Mário Dóglio: um dos poucos artistas, no Brasil, a usar unicamente o buril como instrumento
 
 
 
Gravura em metal, de Marco Buti e Anna Letycia (organizadores), Edusp, 300 páginas, R$ 68,00
 

São lições que mostram a mão segura e o pensamento luminoso de três grandes mestres: Carlos Oswald (1888-1971), Francesc Domingo (1893-1974) e Mário Dóglio (1908-1984). Através das suas anotações, é possível acompanhar a organização do ateliê do gravador, a maneira correta de afiar o buril, os cuidados na manipulação dos ácidos e a importância da prensa.

Além da história e das imagens que esses artistas criaram, o livro Gravura em metal, da Editora da USP (Edusp), reúne textos que apresentam todos os passos para entender e aprender um pouco mais sobre a técnica da gravura. Os organizadores, Marco Buti e Anna Letycia, no entanto, não se limitam a um manual. Mostram a delicadeza do fazer artístico e revelam a gravação como processo de pensamento. Trazem ainda o trabalho e a orientação dos impressores Antonio Francisco Albuquerque e Roberto Grassmann (leia texto ao lado). “Ler um manual de gravura não significa tornar-se capaz de executar todas as operações apresentadas”, explica Marco Buti. “É interpretá-lo sabendo extrair o necessário a cada manifestação. Os dados técnicos devem ser completados pelo artista, acrescentando-lhes intenção e sentido.”

A preocupação de Buti não foi só dar orientação técnica, mas compor um documento histórico. “Os textos reunidos no livro testemunham o compromisso com a transmissão de conhecimentos de três pólos de irradiação da gravura brasileira”, argumenta. “Carlos Oswald desejou que as três cartas para José Moraes fossem o embrião de um manual que não chegou a existir. Mário Dóglio estava organizando suas anotações de aula, mas não terminou o trabalho. Apenas Francesc Domingo veiculou um pequeno livro contendo os princípios da gravura em metal, há muito esgotado.”

Três mestres.Três caminhos

O livro começa com a história de Carlos Oswald, italiano de Florença, que visitou o Brasil em 1908 e depois, em 1913, voltou para ficar. Começou a dar aulas no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, ensinando as técnicas de gravura em metal. “A partir de então, forma grande número de artistas e divulga essa arte através de exposições, palestras e artigos publicados em revistas e jornais, sem deixar de continuar se dedicando à própria obra até sua morte, em 1971”, conta Buti. “É, sem dúvida, o responsável pelo ressurgimento da gravura em metal moderna no Brasil, conceituada como obra independente e não reprodutiva.”

De um jeito muito curioso, Buti e Anna Letycia resgatam uma face inusitada de Oswald. Ou seja, a paciência de passar horas escrevendo. A pedido de José Moraes, que queria algumas lições sobre água-forte, o artista acabou passando informações tão preciosas sobre a técnica da gravura que as cartas se transformaram em um curso via postal. Interessante também os detalhes transmitidos sempre com humor. Por exemplo, Oswald lamentava a falta de compêndios especializados, lembrando que vários artistas já haviam pedido para que escrevesse um livrinho simples e claro. “Os que existem por aí, em geral, cuidam de inculcar alguma casa estrangeira fabricante de artigos para gravura, de modo que não informam devidamente o estudioso”, argumentava. “De fato, como o amigo sabe, para aprender a gravura precisa ver gravar. Meia hora numa oficina de gravura vale mais do que uma biblioteca de trabalhos especializados.”
Oswald avisou José Moraes que iria fazer uma experiência com ele. Se o aluno conseguisse tornar-se gravador por correspondência, publicaria o método. O livro traz o fac-símile dessas cartas escritas de próprio punho e também os folhetos explicativos feitos na máquina de escrever. Ao lado, as anotações do artista completam as informações. Interessante ainda é que, entre as orientações, ele vai desenhando também a sua própria rotina como gravador e professor. “Vários alunos meus construíram prensas bem boas com cilindros sem costura, ocos... É utilíssimo copiar os mestres no início da prática.” Para ilustrar como o professor pôs em prática as próprias lições, os organizadores reuniram dez paisagens de Carlos Oswald.

Um ateliê com muita luz

“É conveniente que o ateliê do gravador seja espaçoso, bastante iluminado e de poucas janelas, para que não sofra ventilação do ar. Deverá ter uma temperatura suave, se possível 20 graus centígrados.” Com essa descrição, Francesc Domingo Segura vai orientando o futuro gravador. Foi um dos poucos artistas que conseguiram publicar um pequeno manual sobre os princípios da gravura em metal.

Segura nasceu em Barcelona em 1893. Estudou, segundo a pesquisa dos organizadores, em uma academia livre por onde passaram Juan Gris e Joan Miró. Expôs pela primeira vez em 1917, na capital catalã. Viajou para Paris em 1919, onde conheceu Picasso, André Breton e Paul Eluard. Voltou para a Espanha em 1932 e se engajou em um movimento de agitação de idéias que antecedeu a Guerra Civil, sendo secretário do Sindicato dos Artistas Pintores e Escultores da Catalunha. Chegou ao Brasil em 1951, iniciando uma trajetória bem agitada pelas artes. Foi professor da Escola de Belas-Artes e, em 1962, fundou uma escola de gravura, a Galeria Francesc Dongo, e o grupo Bisonte, de artistas de vanguarda. Quando completou 80 anos, teve duas homenagens importantes: expôs na Galeria Syra, em Barcelona, e, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), apresentou uma retrospectiva organizada por Pietro Maria Bardi.

   
Francesc Domingo: minucioso como artista e professor. Escreveu um manual com os princípios da gravura em metal, já esgotado

O seu manual do água-fortista reúne detalhes que revelam o capricho do artista. “O ateliê deverá ser mantido limpo, sem poeira; e de tal maneira disposto que, quando necessário, possa ser limpo com facilidade... Os utensílios do gravador serão reunidos sobre a mesa, à sua direita. A mesa, munida de várias gavetas, facilita que se disponha dos utensílios sem necessidade de se levantar.”

Domingo Segura descreve os utensílios, o metal empregado, os requisitos dos vernizes. Ensina como empregá-los. Vai explicando todos os passos da confecção da gravura até o seu acabamento. Marco Buti e Anna Letycia também apresentam uma delicada seleção das gravuras do artista.

Riqueza de detalhes

Quem observa as gravuras de Mário Dóglio percebe uma atenção singular nos detalhes. Os retratos de Duque de Caxias, de d. Pedro II ou de pessoas de seu cotidiano destacam-se pela expressão da personalidade. Também as paisagens parecem ser flagradas em um momento especial. É essa riqueza que Marco Buti e Anna Letycia revelam. Mostram que a sua gravura é resultado de um percurso feito com disciplina. O livro reúne as anotações e os desenhos que o artista fazia para as suas aulas de gravura – material que planejava editar, porém não chegou a terminar o trabalho.

Dóglio nasceu em 1908, no Rio de Janeiro. Segundo contam Buti e Letycia, aos 15 anos ingressou na Casa da Moeda do Brasil, selecionado como gravador por uma banca em que estava Carlos Oswald. Permaneceu nessa instituição durante trinta e dois anos até se aposentar como chefe da seção de gravura. Freqüentou a Escola Nacional de Belas-Artes em 1926 como aluno livre. Foi premiado várias vezes nos salões de belas-artes. Fez diversos cursos de aperfeiçoamento na Itália e na Suíça, indicado pela Casa da Moeda.

Na Casa da Moeda, o artista usava como instrumento só o buril – pequena barra de aço temperado – e foi um dos poucos artistas no Brasil a conhecer a fundo essa técnica. Em 1978, a convite de Anna Letycia, passou a lecionar na Oficina de Gravura do Ingá, no Museu Histórico do Estado do Rio de Janeiro, permanecendo até 1981.

O livro Gravura em metal também traz uma amostra sensível da obra de Mário Dóglio. Ao apresentar o pensamento de cada gravador, a forma de desenvolvimento da técnica, a didática aplicada como artista, no ateliê, ou como professor (até por correspondência, como é o caso de Carlos Oswald), Buti e Anna Letycia divulgam a arte em suas minúcias e, ao mesmo tempo, incentivam jovens artistas. “Poderão ser notadas divergências nas orientações dos três autores, devidas a diferentes formações e experiências de trabalho”, observa Buti. “Mas cabe ao leitor adequar as informações à sua poética. Acima das diferenças circunstanciais estão o entendimento que os três artistas tiveram da técnica como fato cultural e o seu empenho na formação de muitos outros gravadores.”


Em destaque, os percursos de Albuquerque e Grassmann

O livro Gravura em metal, de Marco Buti e Anna Letycia, homenageia a participação dos impressores Antonio Francisco Albuquerque e Roberto Grassmann. Além da sua história, traz também textos que escreveram orientando no aprendizado dessa arte.

Ambos, segundo observa Buti, são figuras históricas da gravura brasileira. “Quase todos os gravadores significativos tiveram, nos últimos trinta anos, obras impressas por um deles ou pelos dois. A melhor impressão de uma gravura também é descoberta: cada uma pede relações diferentes entre tinta, prensa e papel”, afirma. “Como o ato de gravar exige conhecimentos, sensibilidade e inteligência na busca da realização da imagem, impressores com essa consciência serão agentes culturais e transmissores de conhecimentos.”

 
Gravura de Marcelo Grassmann, impressa por Roberto Grassmann

Antonio Francisco Albuquerque nasceu em Vitória do Santo Antão, Pernambuco, em 1944. “Trabalhou na terra até os 17 anos”, conta Buti. “Vem a São Paulo, onde permanece por seis meses e muda-se para o interior, trabalhando no canavial com trator, como motorista de caminhão e na indústria.” Em 1966, tornou-se motorista de Julio Pacello, editor de álbuns de gravura. Conhece então artistas como Trindade Leal, Marcelo Grassmann, Regina Silveira, Júlio Plaza, Evandro Carlos Jardim, Edith Behring e Flávio de Carvalho. Passou a acompanhar as atividades de impressão e começou a aprender orientado por Trindade Leal. “Aprende litografia e serigrafia e, a partir de 1970, imprime quase todos os álbuns editados por Pacello, até sua morte, em 1977.”

Até 1984, trabalhou como assistente de Evandro Carlos Jardim e Regina Silveira, colaborando com os professores nas aulas. Em 1985, transfere-se para o Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, onde se aposentou em 1999.

Roberto Grassmann é paulistano. Foi técnico eletrônico até 1969. Com a morte de seu irmão Otto, que imprimia as obras de Marcelo Grassmann e as gravuras em metal editadas por Julio Pacello, passou a aprender a técnica, assumindo as tarefas de impressor.

 
Obra de Evandro Carlos Jardim, impressa por Antonio Francisco Albuquerque

Sob a orientação de Marcelo Grassmann, procurou se aperfeiçoar pesquisando e refinando a técnica. Imprimiu todas as edições do artista e de Julio Pacello e trabalhou com as galerias Ars Mobile e Mônica Figueiras. Atualmente, imprime todas as edições de gravura em metal organizadas pelo Museu de Arte Moderna (MAM) e pelo Clube de Gravura. É um dos impressores mais requisitados por artistas de todo o País.

 

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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