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Encontro
contou com apresentação folclórica de índios
guaranis |
A
3a Conferência Regional Latino-Americana de Promoção
e Educação para a Saúde já passou por
Cuba e Chile. Entre os dias 10 e 13 de novembro, foi a vez de São
Paulo sediar o evento, com o tema “Visão crítica
da promoção da saúde e educação
para a saúde na América Latina: Situação
atual e perspectivas”. Realizada no Memorial da América
Latina, a versão paulista foi considerada “um sucesso”
pela coordenadora do evento, professora Marcia Westphal, da Faculdade
de Saúde Pública da USP. “Estou bastante satisfeita
com o resultado”, disse ao final do encontro, que contou com
1.463 inscritos e cerca de 50 congressistas de diversos Estados
brasileiros e do exterior. No total, foram apresentados 570 trabalhos
na sessão de pôsteres, dentre os quais 20 foram premiados.
O amplo conceito de promoção da saúde não
foi só debatido e exposto em palestras, como também
praticado por meio de atividades físicas, psicodrama e até
apresentações musicais. No fechamento da programação,
o público ouviu atento e vibrou com o bom humor da Orquestra
Jovem Tom Jobim e o grupo de percussão Meninos do Morumbi,
que, por seu trabalho voltado à educação musical
para crianças carentes, representa uma das formas de promover
a saúde, segundo os preceitos apresentados pelos especialistas
do encontro.
O segundo
dia do evento celebrou o 100o aniversário da Organização
Pan-Americana de Saúde (Opas). A presidente da Opas, Marilyn
Rice, falou sobre a entidade e lançou o material institucional
Promovendo a qualidade de vida através de municípios
e comunidades – Guia para prefeitos e autoridades locais.
Na mesma ocasião aconteceu o lançamento do livreto
Política nacional de saúde da população
negra: uma questão de eqüidade, documento resultante
de workshop promovido em Brasília, em dezembro de 2001, pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) e pela Opas.
Atividade
marcante também ocorrida no segundo dia foi o Momento de
Promoção da Saúde Indígena, com apresentação
folclórica de guaranis de uma aldeia de Parelheiros, na zona
sul de São Paulo. Marcos Tupã, presidente da organização
não-governamental Instituto Teko Arandu – Memória
Viva Guarani, falou sobre as atividades da ONG para manter a cultura
indígena em aldeias remanescentes. Segundo Tupã, a
entidade está aceitando parcerias e voluntários (mais
informações no site www.culturaguarani.hpg.com. br).
A ONG também está promovendo, junto à Secretaria
de Estado da Cultura, o lançamento de um CD com coralistas
guaranis (informações no site www.tekoguarani.hpg.com.br).
De
acordo com os organizadores do evento, as palestras realizadas no
auditório Simón Bolívar serão disponibilizadas
aos inscritos pelo site www.fsp.usp. br/cepedoc. A próxima
Conferência Regional Latino-Americana de Promoção
e Educação para a Saúde está marcada
para 2005 e deverá acontecer na província de Salta,
na Argentina.
Fórum
brasileiro
Em
seu último dia, a conferência latino-americana abriu
espaço para o 2o Fórum Brasileiro de Promoção
da Saúde, do qual saiu a Carta de São Paulo, documento
ratificado pelos presentes, com estratégias e princípios
para a promoção da saúde no Brasil e que deverá
ser entregue à equipe do novo governo. Um
segundo texto – feito em conjunto pela Abrasco (Associação
Brasileira de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva), pela Faculdade de Saúde Pública da USP,
pela Uipes (União Internacional de Promoção
e Educação em Saúde), pela Opas e por outras
entidades – deveria ter saído do fórum também
para ser entregue com a Carta de São Paulo. Mas a falta de
consenso sobre diversos aspectos adiou a assinatura coletiva do
documento, intitulado Em defesa da saúde dos brasileiros.
O texto final será submetido às diversas entidades
participantes para sua ratificação.
Maria
do Socorro Lemos, coordenadora técnica do Projeto Promoção
da Saúde, vinculado ao Ministério da Saúde,
apresentou no fórum brasileiro a Política Nacional
de Promoção da Saúde. Um livreto sobre o assunto
foi distribuído ao público como subsídio para
discussões. A polêmica principal levantada pelos presentes
diz respeito ao SUS (Sistema Único de Saúde). A
estratégia gestora do SUS, descentralizada e com participação
comunitária, foi elogiada. No entanto, o sistema não
pode ser apresentado como veículo central da promoção
da saúde no País, já que promover saúde
é questão muito mais ampla, defenderam alguns profissionais.
O professor
João Yunes, diretor da FSP falecido em setembro deste ano,
foi um dos responsáveis pela realização do
fórum e recebeu homenagem por sua ampla colaboração
no setor da saúde pública. A professora Marcia Westphal
também foi homenageada no encerramento.
De
acordo com Marcia, o fórum brasileiro merece mais atenção.
“É um espaço fundamental para troca de experiências.
Acho que deveria ter uma dimensão maior. Só meio período
(como o ocorrido este ano) é muito pouco para discutir questões
amplas como a promoção da saúde”, defende.
Um
desafio para toda a população
A
promoção
da saúde compreende a ação individual, a ação
da comunidade e a ação e o compromisso dos governos
na busca de uma vida mais saudável para todos e para cada
um, traz a cartilha Vamos promover nossa saúde?, editada
em 2002 pelo Ministério da Saúde em parceria com o
programa Alfabetização Solidária.
A abordagem multidisciplinar da promoção da saúde
não é nova nem está só na cartilha do
Ministério da Saúde. A visão interdisciplinar
nessa área surgiu nos anos 50. Nos anos 60, foi vinculada
à concepção de vida, trabalho e lazer. Nos
anos 70, o marketing social em larga escala como instrumento de
mudança foi proposta revolucionária apresentada pelo
governo canadense. Em 1984, também no Canadá, surge
a idéia de políticas públicas e cidades saudáveis.
Promover saúde é conceito amplo que pretende repensar
a sociedade dentro de uma percepção integrada; olhar
integralmente o ambiente em suas dimensões sociais, culturais,
econômicas, históricas e individuais, permitindo que
cada pessoa tenha maior conhecimento de si mesma e, por isso, aceite
sua realidade. O objetivo principal é a busca da qualidade
de vida, que implica pressupostos básicos de educação,
cidadania, alimentação equilibrada, enfim, felicidade.
Em
sua palestra, Helena Restrepo, consultora colombiana em promoção
da saúde que por 14 anos foi chefe da Divisão de Promoção
e Proteção da Saúde da Organização
Pan-Americana de Saúde (Opas), disse uma frase marcante:
“Quanto maior o tempo gasto com promoção da
saúde, menor será o tempo gasto com assistência
de saúde”. Mas o extremo oposto pode ser constatado,
por exemplo, nas filas de hospitais e prontos-socorros brasileiros.
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A
conferência: mais de 1.400 pessoas participaram do evento |
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Segundo
Helena, campanhas preventivas ou de imunização continuam,
“infelizmente, sendo confundidas com promoção
de saúde”. Ela defendeu ainda que as sociedades fiquem
atentas à antipromoção da saúde, pois
há sempre o risco de “resistência às mudanças
e persistência de modelos que negligenciam recursos financeiros
e técnicos”.
De
acordo com o professor Fernando Lefèvre, da Faculdade de
Saúde Pública (FSP) da USP, promover saúde
é uma atividade que lida com estilos de vida, com as formas
de viver construídas nas sociedades modernas. “Acho
que boa parte da promoção de saúde deveria
ser feita nas escolas, porque mexe com problemas culturais e educacionais.
Promover saúde implica mexer na ferida, com as causas básicas
dos problemas da saúde. A mídia tem um papel fundamental
nisso, mas só faz porcaria”, disse o professor (leia
entrevista na página ao lado).
A medicina
moderna trabalha com a teoria de que a saúde está
muito mais relacionada ao modo de vida das pessoas do que à
sua determinação genética e biológica.
Assim, o instrumental científico-tecnológico, por
si só, não é suficiente para responder às
questões atuais da saúde da população,
dada a complexidade da condição humana. O trânsito,
a violência urbana, o predomínio de doenças
crônicas não-transmissíveis, o estresse, hábitos
alimentares não-saudáveis, sedentarismo, consumo de
álcool e drogas lícitas e ilícitas e o isolamento
do homem nas cidades são condicionantes diretamente associados
às chamadas doenças modernas e contribuem para o aumento
da morbimordalidade.
No
Brasil, as desigualdades históricas – de gênero,
raça, renda, acesso à educação e à
saúde – tornam a complexidade da vida do homem moderno
ainda mais dramática. A realidade sanitária brasileira
exige ações urgentes para a promoção
da saúde, que devem considerar os princípios da universalidade,
integralidade e eqüidade do homem, assim como as diretrizes
de descentralização de poder e interdisciplinaridade
entre os saberes.
Nesse
sentido, a professora Madel Luz, da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro, acredita que o Brasil avançou muito. “Acho
que o Brasil é uma vanguarda dentro da América Latina
em matéria de políticas e práticas democráticas
no campo da saúde. Na minha opinião, o novo governo
só tende a favorecer o avanço na área”
(confira entrevista na página ao lado).
Promover
saúde engloba estratégias como a dos chamados municípios
saudáveis. “Essa estratégia trabalha com alguns
pressupostos: participação social, intersetorialidade,
eqüidade e sustentabilidade”, diz a professora Ana Maria
Caricari, que atua no Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação
em Cidades/Municípios Saudáveis (Cepedoc) da FSP.
“Nosso grupo chega nas cidades e realiza oficinas de sensibilização
para as pessoas discutirem a realidade e sonharem coletivamente
sobre como gostariam que fosse seu município daqui a dez
anos. Trabalhamos com essa udopia. A grande dificuldade na administração
municipal hoje é a fragmentação. Então
propomos a intersetorialidade. O conceito de municípios saudáveis
visa a uma nova forma de gestão, que prioriza o indivíduo
e não a lógica de mercado.”
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