Discutir
a importância do jornalismo na divulgação da
ciência, em um cenário cada vez mais globalizado, com
o surgimento de projetos e centros de excelência integrados,
por meio da colaboração criativa entre diferentes
países. Analisar o papel do fornecimento de informações
de qualidade para a população nesse contexto, contribuindo
para o progresso da sociedade. Ampliar
os horizontes de atuação do jornalista a partir do
contato com as experiências de outros países. Foram
com essas e outras metas que cerca de 400 pessoas, entre jornalistas,
estudantes, cientistas e outros profissionais interessados no tema
se reuniram no campus da Universidade do Vale do Paraíba
(Univap), em São José dos Campos, interior do Estado
de São Paulo, durante a realização da III Conferência
Mundial de Jornalistas Científicos (WCSJ), entre os dias
24 e 27 de novembro, que ocorreu com o 7o Congresso Brasileiro de
Jornalismo Científico.
Partindo
do tema do evento, “Jornalismo Científico e Desenvolvimento
Humano”, os participantes levantaram uma série de questões
relativas à formação do jornalista que deseja
se dedicar à ciência e à tecnologia, seus desafios,
a interação com os cientistas, entre outras coisas.
Fabíola Oliveira, diretora da Associação Brasileira
de Jornalismo Científico (ABJC), lembrou que a entidade tem
um plano nacional que visa à elaboração de
estratégias para a formação de recursos humanos
na área. “Durante o próximo ano estaremos levantando
todos os dados disponíveis no Brasil sobre as disciplinas
de graduação e pós-graduação,
cursos lato e stricto sensu, quem são os professores envolvidos,
suas experiências, materiais e bibliografia dos cursos de
jornalismo científico”, afirma. “Posteriormente,
cruzaremos essas informações com as experiências
de outros países e, ao final, vamos propor ao governo a criação
do plano.”
Durante
o evento, Fabíola, ganhadora este ano do Prêmio José
Reis de Divulgação Científica, concedido pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), lançou o livro Jornalismo Científico (Editora
Contexto, 89 páginas), um conjunto de reflexões sobre
as causas da expansão dessa atividade e os desafios que se
colocam para a melhora da qualidade da área. Os autógrafos
ocorreram em meio aos estandes do Ministério da Ciência
e Tecnologia (MCT), CNPq, Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Embraer,
Univap, revista Scientific American, entre outros apoiadores da
mostra, além de pôsteres sobre projetos temáticos
de pesquisa ligados à área, onde os presentes puderam
entrar em contato com estudos inusitados, como o humor contido na
publicação de imagens de ciência em jornais
amazônicos.
Ao
participar da sessão plenária “A Formação
em Jornalismo Científico nas Diferentes Culturas”,
Fabíola defendeu um maior engajamento crítico do jornalista
que se dedica a escrever sobre ciência, fundamental para que
esse profissional possa contribuir nas urgentes mudanças
sociais das quais o País necessita. “Isso pode ser
obtido por meio de cursos mas, principalmente, pelo comprometimento
profissional de cada um”, enfatizou.
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Um dos estandes montados no local do
evento |
Um
caminho alternativo, do meio-termo. Essa foi a idéia defendida
por Carlos Vogt, presidente da Fapesp, quando questionado sobre
o assunto, durante a realização da sessão plenária
“Jornalismo Científico, Educação e Cidadania”,
sobre a proposta de Cristovão Buarque, senador eleito e provável
ministro da Educação do governo Lula, de transferir
as universidades federais para o Ministério da Ciência
e Tecnologia (MCT), deixando para o Ministério da Educação
(MEC) apenas a responsabilidade sobre o ensino infantil e o básico
(fundamental e médio). O argumento de Buarque se baseia na
idéia de que isso permitirá uma maior participação
dessas instituições na formulação das
políticas públicas para a ciência, tecnologia
e inovação, considerada pequena e insuficiente por
ele. Além do ensino, elas se dedicam em larga medida a essas
atividades, formando com as três universidades estaduais paulistas
(USP, Unesp e Unicamp) e diversos institutos, a base do sistema
brasileiro de pesquisa. Em
contrapartida, o MEC ficaria liberado para concentrar maiores esforços
no ensino básico, notadamente na melhoria da qualidade.
Para
Vogt, que também é coordenador do Laboratório
de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (LabJor), membro
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC), o MCT é um órgão de
atuação específica, temática e deve
interagir com todos os outros ministérios, como vem acontecendo,
para que a atual ampliação das atividades de pesquisa
continue. E, por isso, passar ao MCT a administração
das universidades federais poder levar a uma confusão com
a soma de problemas de naturezas diferentes. Entretanto, o cientista
concorda que o MEC poderia concentrar mais esforços no ensino
básico e, para isso, propõe que seja criada uma agência
nacional do ensino superior, ligada ao Ministério da Educação,
que ficaria responsável pelo repasse de verbas para as federais
– que receberiam autonomia – e no estabelecimento de
mecanismos de fiscalização e acompanhamento de atividades
acadêmicas e administrativas desenvolvidas por elas, incluindo
o Provão, que também passaria para a sua responsabilidade.
“O novo órgão teria um presidente e um conselho
formado por representantes das universidades, dos ministérios,
secretarias federais e de entidades como a SBPC e a Academia Brasileira
de Ciências, que ficariam responsáveis pelo estabelecimento
da autonomia e dos mecanismos de controle”, afirma. “Não
sei como isso seria feito, se por decreto presidencial ou outro
tipo de medida jurídica, mas acredito que a agência
pode ser uma boa alternativa.”
Além
disso, Vogt também relatou uma série de iniciativas
feitas pelo LabJor, SBPC e Fapesp ligadas às atividades de
divulgação da ciência. O LabJor criou a revista
eletrônica ComCiência (www.comciencia.br), feita pelos
alunos do seu curso de especialização lato sensu em
jornalismo científico, edita a revista Ciência e Cultura,
da SBPC, e participa da criação e produção
do programa “Ponto de Ebulição”. Voltado
para jovens, com base em uma linguagem interativa que usa o rap
como forma de expressão, o programa foi desenvolvido em parceria
com o Canal Futura e a Fapesp e conta com a apresentação,
desde sua estréia, no último dia 7, do músico
Gabriel, o Pensador. Também citou o Mídia Ciência,
da Fapesp, programa que estimula o crescimento do jornalismo científico
e a criação de um índice LabJor/Fapesp da ciência
e tecnologia na mídia a partir de um trabalho de análise
das matérias veiculadas pela imprensa nacional.
A mesma
sessão contou com a participação de Ismar Soares,
professor da Escola de Comunicações e Artes da USP,
que relatou suas experiências no desenvolvimento do Educom,
projeto em parceria com a Prefeitura do Município de São
Paulo para a instalação de rádios comunitárias
e capacitação de membros da comunidade (professores,
pais e alunos) em 455 escolas, e de Wolfgang Goede, editor da revista
P. M. Magazine (Alemanha) – precursora de algumas revistas
de divulgação científica, como Muy Interessante
e Superinteressante –, Prakash Khanal, da Associação
Nepalesa de Jornalistas Científicos e Maj-Lis Tanner, da
Associação Finlandesa de Jornalistas Científicos.
Antes
dessa plenária, ocorreu a primeira de uma série de
conferências, “A Alfabetização
Científica no Século XXI”, com Ulisses Capozoli,
presidente da ABJC e editor da versão brasileira da revista
Scientific American e doutorando pelo Centro de História
da Ciência da USP (CHC), Glaci Zancan, presidente da SBPC,
Nilson Lage, professor da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), e Kenji Makino, da Associação dos Jornalistas
de Ciência e Tecnologia do Japão, que discutiram iniciativas
baseadas na interação entre o jornalismo e a educação
com a meta de promover um melhor entendimento da ciência por
parte da maioria da população mundial.
No
final do dia 25, foi realizada a mesa “Comunicação
Científica na TV: da Universitária às Grandes
Redes”, com Gabriel Priolli, diretor da TV PUC, do Canal Universitário
de São Paulo e presidente da Associação Brasileira
de TV Universitária, André Motta Lima, da TV Educativa
(TVE), Sérgio Brandão (Programa Ver Ciência),
Istvan Palugyai, jornalista húngaro e Luís Victorelli,
editor do site ScienceNet. Os presentes apresentaram suas experiências
sobre a utilização de programas de televisão
no trabalho de divulgação da ciência e de que
forma essas atividades podem contribuir com a população,
fornecendo elementos para a criação de um pensamento
mais crítico e enquanto ferramenta auxiliadora dos processos
educativos.
Gabriel
Priolli fez um breve relato histórico sobre o surgimento
das tevês e canais universitários no Brasil, das dificuldades
enfrentadas, sobretudo de natureza financeira, dos progressos já
alcançados, da falta de reconhecimento da sua importância
por boa parte da comunidade acadêmica e da necessidade de
se ampliar essa discussão, mostrando a importância
do trabalho desenvolvido nesse setor. “Claro que as tevês
universitárias têm um ritmo mais lento que o das outras.
Isso ocorre devido às dificuldades financeiras e por causa
da natureza das universidades, que é um pouco mais lenta,
em decorrência do tipo de atividade que desenvolvem”,
diz Priolli.“Criticar,
portanto, sem conhecer a fundo essa realidade acaba sendo precipitado
e equivocado.”
Durante
a conferência “Mídia, Ciência e Poder”,
o norte-americano James Cornell, presidente da Associação
Internacional de Escritores de Ciência, falou sobre o poder
da mídia e da ciência, principalmente quando trabalham
juntas, para mudar a cultura e o comportamento de uma sociedade.
Como exemplos, citou a corrida espacial e o surgimento do hábito,
hoje adotado mundialmente por grupos de pessoas conscientes, de
eleger um integrante para não beber em determinada noite,
ficando em condições de levar os outros membros, responsavelmente,
para casa, o que vem ajudando a reduzir os índices de acidentes
e mortes no trânsito em alguns países.
Segundo
o físico e historiador Shozo Motoyama, coordenador do Centro
de História da Ciência da USP (CHC), a ciência
e a mídia são fundamentais para a população
e precisam se dedicar mais intensamente e em conjunto para produzir
maior quantidade de benefícios para a sociedade. “Além
disso, a promoção de conferências desse tipo
também são importantes, pois elas representam momentos
de intercâmbio de informações e experiências,
constituindo redes de cooperação e auxílio,
numa sinergia capaz de estimular grandes mudanças”,
diz Motoyama.
Outro
destaque ficou por conta da sessão “Jornalismo, Ética
e Ciência”, onde a geneticista Mayana Zatz, professora
do Instituto de Biociências da USP (IB), defendeu uma maior
participação dos jornalistas no esclarecimento da
população sobre o que é a clonagem terapêutica
e de que forma ela é feita a partir da utilização
de células tronco de embriões, cujos testes mostraram
ser excelentes para o tratamento de diversas doenças, como
a leucemia. “A participação da mídia
no processo de informação da sociedade e de sensibilização
dos políticos é fundamental”, afirma Mayana.
“Desse processo de informação social e tomada
de consciência depende a autorização para que
essas técnicas possam continuar sendo pesquisadas e utilizadas
para salvar vidas.”
Para
Ari Mergulhão, funcionário da Unesco no Brasil, os
jornalistas que escrevem sobre ciência também precisam
contribuir constantemente para que, a partir da informação
da população, se viabilize um aumento das atividades
que levem ao desenvolvimento econômico e social sustentável
diante dos desafios que enfrentamos para preservar a vida no planeta.
“Qualquer
desenvolvimento que não seja sustentável não
é mais desenvolvimento, mas retrocesso, pois ameaça
a vida nesse planeta, o qual estamos destruindo”, afirma Mergulhão.
“O desenvolvimento, principalmente o ético, tem que
ser para todos, e os jornalistas têm papel fundamental nesse
processo”, diz. “Enquanto isso não for feito,
a paz mundial permanecerá ameaçada.”
Durante
sua realização, o evento foi inteiramente transmitido,
ao vivo, pelo site ScienceNet (www.sciencenet.com.br), projeto desenvolvido
em parceria pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP) e Universidade
do Sagrado Coração (USC), ambos em Bauru, interior
de São Paulo, e que tem como objetivo a promoção
da cultura da divulgação científica no Brasil.
Segundo
Luís Victorelli, editor do site, a partir do dia 9 de dezembro
os interessados nas idéias e debates desenvolvidos na III
WCSJ poderão acessar o ScienceNet, onde terão à
sua disposição um compacto com as principais imagens,
além de artigos e reportagens.
Apesar
da abertura oficial da conferência ter ocorrido no dia 24,
domingo, no sábado, dia 23, pela manhã, membros da
Federação Mundial de Jornalismo Científico
(WFSJ) se reuniram no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), para discutir as propostas para a criação
do estatuto da entidade, o que foi oficializado na quarta-feira,
27, último dia da conferência, com a aprovação
da carta da III WCSJ. Em conjunto, esses documentos servirão
de base para uma série de ações futuras, em
escala mundial, da nova entidade, que tem como principal meta a
ampliação do acesso, pela população
mundial, à informação científica e tecnológica.
No
final do encontro, os participantes também decidiram que
a IV Conferência Mundial de Jornalistas Científicos
será realizada daqui a dois anos, em 2004, na cidade de Montreal,
Canadá, onde será feito um balanço dos efeitos
práticos das discussões realizadas em São José
dos Campos.
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