Tenho
28 anos e nunca sonhei em estar numa cadeira de rodas, diz Francilene
Rodrigues em documentário realizado pelo grupo de estudos
audiovisuais Olhar Periférico, da VideoFau. Nesse
trabalho, Francilene e outros personagens que, por circunstâncias
do destino, vêem-se diante de uma série de situações
novas e nunca imaginadas dão seus depoimentos e mostram,
na prática, como é a vida de um cidadão nas
ruas da metrópole depois de perder sentidos como a visão
ou a capacidade motora. Buracos, rampas, banheiros, orelhões,
vagas de estacionamento... Tudo pode ser uma pedra no caminho. Natural
que o vídeo da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo)
enfoque muito mais o espaço urbano, já que o documentário
é parte do projeto Cidade e Cidadania, que orienta graduandos
sobre problemas comuns na cidade vistos pelo prisma do deficiente.
Mas, além da limitação do direito de ir e vir,
essas pessoas sofrem restrições generalizadas que,
em última análise, cerceiam seus direitos de vida
plena. É com o objetivo de vencer barreiras – arquitetônicas,
psicológicas, pedagógicas e até culturais –
que está em andamento o USP Legal, ou Comissão Permanente
para Assuntos Relativos às Pessoas Portadoras de Deficiência
Vinculadas à USP.
Ligada
à Cecae (Coordenadoria Executiva de Cooperação
Universitária e de Atividades Especiais), a comissão
foi criada há um ano para implantar em todos os campi da
Universidade uma política de atenção ao deficiente,
de acordo com a gerente do projeto, Cláudia Pires. “É
um trabalho ambicioso e complexo. Não se trata simplesmente
de fazer adaptações arquitetônicas, mas também
de educar ou criar hábitos nos usuários de todos os
campi. Por isso mesmo é difícil e envolve amplos recursos.
Será necessário o envolvimento de todos. Apesar
das dificuldades, estamos avançando”, diz.
Para
Cláudia, um dos maiores desafios do projeto será vencer
a barreira cultural. “Ainda existe muito preconceito e desinformação
sobre o deficiente”, afirma. Nesse ponto, Cláudia e
Francilene têm opiniões semelhantes. Para Francilene
– que não anda há quatro anos, desde que um
tiro dado pelo ex-marido atingiu sua medula –, todo deficiente
tem sempre um primeiro grande entrave a vencer antes de se adequar
à sua (nova ou não) condição: o preconceito.
Ela relembra quando, em outubro último, compareceu em apenas
dois dias a um curso de uma semana em que havia se inscrito, “porque
as peruas não paravam” ao seu sinal. “Acabei
pegando uma viatura da polícia, dei queixa na fiscalização
da SPTrans e cheguei mesmo a ameçá-los, porque isso
é preconceito. Eles não param porque muita gente reclama
quando entro com minha cadeira na perua. Às vezes acontece
de a roda da cadeira estar suja de barro. Mas o que querem que eu
faça? Que
ande com uma vassourinha, limpando as rodas a todo momento?”,
desabafa. Depois do episódio, os funcionários da empresa
de transporte passaram por um curso de requalificação.
Vencer
barreiras tem sido o lema de Francilene e é também
o mote do USP Legal. Francilene fundou uma ONG (organização
não-governamental), a ACADF (Associação Comunitária
de Assistência do Deficiente Físico), e vem interagindo
com familiares e subprefeituras para fazer valer os direitos de
pessoas em condição semelhante à sua.
Na
sua primeira etapa, o USP Legal treinou 40 bolsistas para realizar
o levantamento dos obstáculos arquitetônicos dos campi.
“Até agora, metade do mapeamento de barreiras arquitetônicas
de cada campi já está pronta”, diz a arquiteta
Maria Elisabete Lopes, uma das coordenadoras do projeto. O transporte
para deficientes feito pela Guarda Universitária também
foi uma mudança introduzida na fase inicial. “Por enquanto,
esse sistema de transporte é suficiente para a demanda atual”,
diz a gerente Cláudia.
Além
disso, as obras de adaptação do campus da capital
já estão em fase de licitação. As primeiras
intervenções previstas vão desde o portão
principal até a Praça do Relógio e devem começar
em março de 2003, quando também inicia a divulgação
publicitária do USP Legal. A campanha está a cargo
de uma turma de alunos da ECA (Escola de Comunicações
e Artes) e faz parte da disciplina Criação e Arte
Publicitária, ministrada pelo professor Heliodoro Teixeira
Bastos Filho. “A idéia básica é conscientizar
sobre o problema do deficiente dentro do campus, em todos os aspectos”,
diz o professor “Dorinho”.
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O
projeto USP Legal quer facilitar a vida dos deficientes |
Nas
fases seguintes do USP Legal estão previstos mapeamento de
obstáculos em edificações de todos os campi,
intervenções em edifícios e início do
processo de adaptação pedagógica. De acordo
com a professora Eucia Beatriz Lopes Petean, da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto e coordenadora
pedagógica do projeto, a fase intitulada “Rompendo
barreiras pedagógicas” incluirá, além
da adaptação do acesso a bibliotecas, a adequação
de todo o material didático, treinamento e conscientização
de professores, alunos e funcionários e a otimização
do acesso de deficientes no vestibular da Fuvest. “A principal
mudança está na atitude das pessoas. É preciso
perder o preconceito dentro da Universidade e ressaltar trabalhos
que vêm sendo feitos com êxito dentro do campus”,
diz Eucia. “Esse será um “trabalho pioneiro dentro
das universidades brasileiras”.
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