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Exposição
de fotos, documento
e partituras lembra Guarnieri
em todos
os tempos.
Apresenta detalhes inusitados
da vida do fundador da Orquestra Sinfônica
da USP |
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Levanto
às seis da manhã. Eu mesmo preparo o meu café.
Saio ali por volta das sete e meia e vou para a Universidade. Passo
lá toda a manhã ensinando a orquestra. Almoço
em qualquer lugar e às duas da tarde já estou no estúdio
compondo, lecionando, atendendo minha correspondência. Às
sete da noite volto para casa. Vou para o meu quarto. Vejo televisão,
leio e durmo.
(Depoimento extraído do artigo “O homem
e episódios que caracterizam sua personalidade”, de
Maria Abreu)
É este cotidiano de Mozart Camargo Guarnieri, fundador e
maestro da Orquestra Sinfônica da USP, que o Instituto de
Estudos Brasileiros (IEB) consegue revelar. E compor na exposição
“Arquivo Camargo Guarnieri: espelho da criação”,
que pode ser apreciada até o dia 31 de março. Sob
a curadoria das pesquisadoras Flávia Camargo Toni e Lúcia
Elena Thomé, o público pode acompanhar o ritmo de
toda uma vida dedicada à música. Uma vida contada
em breves notas. Singelas, metódicas e apaixonadas.
“Nossa
intenção é apresentar uma amostra da riqueza
e variedade de materiais que compõem o arquivo do Camargo
Guarnieri, doado ao IEB pela sua família”, explica
Flávia Toni. “Procuramos enfocar o ofício de
compositor. Ou seja, o seu momento de criação registrado
através das anotações que fazia nas partituras.”
Flávia
conta que Guarnieri, propositadamente ou não, deixou várias
pistas para a observação de sua obra no futuro. Mesmo
protestando nas entrevistas aos jornais que “nunca tinha sido
reconhecido no Brasil”, ele sabia que a sua arte teria um
caminho próprio e luminoso. “Quando passava a limpo
as suas partituras, ele fazia questão de guardar as versões
anteriores. É possível, assim, entrever aspectos sutis
do seu dia-a-dia como músico e compositor, a forma como criava
e se organizava. O seu pensamento musical estava sempre em transformação.
Era muito detalhista.”
Pesquisa
harmoniosa
– A mostra tem a harmonia de uma pesquisa integrada por estudantes
de Música, Letras, História, Biblioteconomia. Eles
trilharam a vida do compositor, selecionando fotos, documentos,
pesquisando e ensaiando suas composições.
A equipe
também cuidou da restauração das partituras
em papel vegetal. Um trabalho que está documentado nas fotos
reunidas em um painel nesta exposição. “No Arquivo
Camargo Guarnieri, o lote de partituras provindas da Editora Ricordi
é composto por rolos de papel vegetal destinados à
feitura de cópias heliográficas”, explica Judie
Abrahim, estudante do Departamento de Música da ECA. “Com
larguras e tamanhos variados, chegam a medir mais de três
metros de comprimento e foram guardados originalmente em tubos de
papelão. O papel vegetal empregado pelo compositor e copistas
foi fabricado em um processo que, com os fatores ambientais e o
manuseio inadequado, foi se degradando.”
Para
garantir o condicionamento adequado à guarda e à consulta,
as partituras passaram por um tratamento em uma câmara de
umidificação. “A montagem deste equipamento
envolveu várias etapas de trabalho para assegurar o controle
da umidade e temperatura. Depois de retirados da câmara, os
documentos foram envolvidos em papel filtro e prensados.”
Além dos processos mecânicos para restaurar as partituras,
a equipe cuidou também de pesquisar uma de suas obras mais
significativas. Judie e Érica Manfredine, também do
Departamento de Música, ensaiaram “Sereno e Triste”,
composta em 1974 e dedicada a Miriam, filha do compositor que, na
época, era estudante de violoncelo. A obra foi apresentada
na abertura da mostra, no último dia 17.
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Ofício
de compositor
– A exposição está concentrada em uma
única sala. Logo na entrada, um mosaico de fotos lembra o
compositor em todos os tempos. “Guarnieri nasceu em 1907,
em Tietê, interior de São Paulo, primogênito
de uma família pobre que se dedicava à música
nas horas vagas”, explica Flávia Toni. “O casal
Miguel e Gécia, flautista e pianista, teve mais oito filhos,
sendo três homens: Belline, Rossine e Verdi. Camargo
é o pequeno ‘Mozart’ de Miguel que, ao perceber
a grande vocação do filho, muda-se para a capital
para proporcionar melhor formação musical para o menino
que compõe desde cedo.”
Talentoso
e determinado, Guarnieri foi aluno de Sá Pereira, Lamberto
Baldi e Mário de Andrade, em São Paulo, aperfeiçoando-se
com Charles Koechlin e François Ruhlmann, na França.
Como compositor, deixou um catálogo de obras escritas para
as mais variadas formações instrumentais e vocais,
obras que mereceram reconhecimento internacional. Destacam-se 50
ponteios, 20 estudos, cinco concertos para piano, dois concertos
para violino, sete choros para solista e orquestra, sete sinfonias,
duas óperas e mais de 300 canções. Como maestro,
regeu orquestras brasileiras e internacionais. De 1975 até
sua morte, em janeiro de 1993, foi diretor artístico da Orquestra
Sinfônica da USP.
Toda
esta história é documentada com muita delicadeza.
O ofício de compositor está nos papéis, canetas,
réguas e lápis que ele utilizava. Um material cuidadosamente
organizado com as versões da Sonata número 3 para
violoncelo e piano. O público pode apreciar também
as primeiras composições como a Obra Interdita, com
peças compostas até 1928 e que não podem ser
editadas ou gravadas por deliberação do próprio
compositor.
Há,
ainda, uma mesa com todos os seus documentos: de identidade, passaporte,
carteiras de saúde.
O seu
pensamento musical, além das anotações nas
partituras, está registrado nas entrevistas e depoimentos
publicados nos jornais. O piano marca Brasil, parceiro fiel de uma
vida, também está na sala. Afinado e pronto. É
como se Guarnieri fosse atravessar a porta com a energia e o idealismo
de sempre. A exposição do IEB reverencia o décimo
aniversário de sua morte, mas deixa transparecer uma presença
que vai continuar abrindo todas as portas para a música brasileira.
“Arquivo
Camargo Guarnieri: espelho de criação”, aberta
no último dia 17, fica em cartaz até 31 de março.
Instituto de Estudos Brasileiros, avenida Professor Mello Moraes,
travessa 8, 140, Cidade Universitária. Maiores informações
pelo fone (11) 3091-3199. Entrada franca.
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Trabalho
em equipe: resultado harmonioso |
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