Na
área da previdência pública, o déficit
do sistema teria sido de 3,51% do PIB em 1996 e 4,09% do PIB em
2001. Em 2002, a contribuição dos servidores foi de
R$ 5,3 bilhões e o pagamento de aposentadorias e pensões,
de R$ 32,3 bilhões. O déficit seria de R$ 27 bilhões
(O Estado de S. Paulo, 10.1.2003). Esses números, porém,
não são absolutamente corretos e podem ser discutidos.
Entre
os anos de 1950 e 1955 a expectativa de vida do trabalhador era
de 49 anos. Em 1970 e 1975 passou a ser 57,57 para homens e 62,17
para mulheres. Em 1980 e 1985, 62,30 e 67,60, respectivamente. Em
1990 e 1995, 63,54 para homens e 69,10 para mulheres. Em 2001 era
de 68,1 anos.
Na
área privada, na década de 1950, oito contribuintes
financiavam um aposentado. Na década de 1970, a relação
era de 4,2 para 1. Na década de 1980, de 3,2 para 1. Na década
de 1990, de 2,5 para 1. Não há dúvida de que
há necessidade de reforma, mas ela deve ser feita para melhorar
a condição social das pessoas e não para piorá-la.
Para esse fim se destina a Previdência Social.
É
certo que em muitos países a aposentadoria não é
integral. Em determinados sistemas, contudo, a aposentadoria é
um prêmio para o segurado, o que não ocorre no Brasil.
O aposentado volta a exercer atividade para complementar a renda
porque o valor do benefício não é suficiente
para se manter.
A arrecadação
das contribuições previdenciárias foi usada
para outros fins, como constituição e aumento de capital
de várias empresas estatais e manutenção de
saldos na rede bancária como compensação pela
execução de serviços de arrecadação
de contribuições e de pagamento de benefícios.
No âmbito do Ipesp, o dinheiro das pensões foi usado
até para construir delegacias. Deveria ser empregado para
o pagamento dos benefícios dos funcionários.
A Emenda
Constitucional nº 20/98, contudo, não trouxe modificações
de fundo. Houve uma inquietação muito grande com as
mudanças que iriam ocorrer, sem que houvesse uma diretriz
fundamental a ser seguida. O projeto estava no Congresso Nacional
desde aproximadamente 1992, porém nada do que era preciso
foi feito, ou seja, aumentar a fiscalização para diminuir
a sonegação, combatendo-a; fiscalizar a concessão
de benefícios fraudulentos, que continua ocorrendo; evitar
desvios de verbas para amparo a bancos insolventes. Tais questões
não precisavam de reforma, mas de vontade. Quem quer fazer
faz. Quem não quer dá desculpa, reclama.
Talvez
a única mudança de relevo no sistema privado foi a
introdução no sistema transitório da idade
mínima para a pessoa se aposentar, que não tinha previsão
na legislação até então vigente, permitindo
que pessoas se aposentassem até com 37 anos de forma proporcional,
como a mulher que tivesse começado a trabalhar com 12 anos
e somasse 25 anos de tempo de serviço. Realmente era necessário
estabelecer um limite de idade para a aposentadoria por tempo de
contribuição, que foi fixado no regime de transição
em 53 anos para o homem e 48 anos para mulher, para os segurados
que já estavam no sistema antes da reforma. Para os funcionários
públicos que ingressarem no sistema a partir de 16 de dezembro
de 1998 exige-se dez anos de efetivo exercício no serviço
público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará
a aposentadoria, observadas as seguintes condições:
a) 60 anos de idade e 35 de contribuição para os homens
e 55 anos de idade e 30 de contribuição para as mulheres;
b) 65 anos de idade, se homem, e 60 anos de idade, se mulher, com
proventos proporcionais ao tempo de contribuição.
A reforma
feita até aqui é mera perfumaria, como perfume francês
para quem não toma banho. Vai dar uma tapeada por algum tempo.
Depois tudo volta ao que era antes, principalmente porque o governo
não estuda ou não divulga quanto é necessário
de contribuição por parte do segurado para ele se
aposentar.
Alguns
absurdos continuam existindo e precisam ser eliminados, como, por
exemplo, o pagamento de pensão para a filha solteira de militares
e determinados funcionários públicos. Nesses casos,
muitas vezes a pessoa deixa de oficializar o casamento para não
perder o referido benefício, o que acaba por torná-lo
vitalício.
As
mudanças, porém, devem ser feitas para quem entrar
no serviço público a partir da promulgação
da alteração. Essa é a regra que se pretende
estabelecer com o Projeto de Lei Complementar nº 9, que institui
sistema de Previdência privada complementar para os funcionários
públicos que ingressarem no serviço público
a partir da data da publicação da referida norma.
A orientação é correta, pois a regra do jogo
não pode ser mudada no meio do campeonato.
Em
julgamento sobre salário-maternidade, o STF entendeu que
não poderia ser estabelecido o limite de R$ 1.200,00 para
o benefício por intermédio da Emenda Constitucional
nº 20/98, por entender que direitos e garantias individuais não
podem ser alterados por Emenda Constitucional. Leciona Flávia
Piovesan que, em decorrência “da obrigação
da progressividade na implementação dos direitos econômicos,
sociais e culturais, decorre a chamada cláusula de proibição
de retrocesso social, na medida em que é vedado aos Estados
retrocederem no campo da implementação desses direitos.
Vale dizer, a progressividade dos direitos econômicos, sociais
e culturais proíbe o retrocesso ou a redução
de políticas públicas voltadas à garantia desses
direitos” (Direitos humanos e o direito constitucional internacional.
São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 183). Nessa linha de raciocínio,
o direito à aposentadoria integral do servidor é um
direito fundamental, que, portanto, não poderia ser modificado
por Emenda Constitucional.
A pessoa,
ao ingressar no serviço público, teve como incentivo
em suas ponderações a aposentadoria integral e a estabilidade.
O que é mais importante, a segurança jurídica
das relações ou o aspecto econômico? O aspecto
social que tem a Previdência Social deve preponderar sobre
o ideal econômico. A Previdência Social serve para cobrir
contingências sociais e não para participar de riscos
econômicos, como ocorreria se o dinheiro fosse empregado no
mercado de ações.
O princípio
da eficiência da administração pública
(artigo 37 da Constituição) indica a possibilidade
de o administrador eficiente empregar o dinheiro arrecadado em aplicação
financeira, para que preserve seu valor e haja até rendimento.
A Constituição e a legislação não
proíbem a aplicação financeira do numerário
da administração pública. Logo, é permitido.
No
caso de um salário de R$ 10.000,00, a contribuição
do funcionário público federal é de 11% sobre
o referido valor, no importe de R$ 1.100,00 por mês. Se aplicarmos
o referido valor todo o mês durante 35 anos à taxa
de juros compostos de 0,5% ao mês, supondo-se que não
houvesse inflação, o importe recolhido seria suficiente
para custear a aposentadoria da pessoa por 13,13 anos. Se for aplicado
o mesmo valor à taxa de 1% ao mês, seria possível
custear a aposentadoria da mesma pessoa por 59,54 anos. Se a aplicação
fosse de 1% ao mês a título de um cálculo simples
de juros, seria possível a pessoa receber a aposentadoria
no mesmo valor por 20 anos. Caso,
no último cálculo, fosse somado o percentual de 20%
que o governo deveria recolher, utilizando-se do mesmo critério
de juros de 1% ao mês, seria possível a pessoa receber
o benefício por 56 anos.
É
uma grande falácia dizer que o servidor público não
contribui o suficiente para ter direito ao benefício. Por
que é inviável o pagamento integral da aposentadoria
do servidor público? Por causa do interesse do FMI ou para
permitir que as empresas de previdência privada possam lucrar
milhões no novo filão? Por que não pagar aposentadoria
integral para todas as pessoas, desde que haja custeio específico
para esse fim, inclusive na área privada?
Como
afirma Goethe: é muito mais fácil reconhecer o erro
do que encontrar a verdade; aquele está na superfície
e por isso é fácil erradicá-lo; esta repousa
no fundo, e não é qualquer um que pode investigá-la.
Sergio
Pinto Martins é professor de Direito do Trabalho da Faculdade
de Direito da USP e juiz titular da 33ª Vara do Trabalho de São
Paulo
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