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Hespanhol: apelo às indústrias

Nas regiões em que a demanda por água é elevada, como a Grande São Paulo, o reúso do líquido é uma necessidade urgente

Não é preciso parar para pensar no significado da água na vida de cada indivíduo ou em como ela pode influir no comportamento da economia. Basta lembrar a torcida que os brasileiros fizeram para cair chuva durante os meses de apagão e racionamento, rememorar o pavor generalizado de uma crise iminente ou rever a tímida evolução dos indicadores econômicos daquela fase de escuridão. Escassez desse bem cada vez mais raro felizmente ainda não é problema que aflige o Brasil. Somos um país privilegiado, servido por incríveis taxas pluviométricas – com exceção do semi-árido nordestino – e no qual se concentra cerca de 15% de toda a água doce disponível no planeta. Ironia é que, mesmo sob condições tão favoráveis, ainda persistam rodízios de abastecimento em algumas regiões, assim como o alto risco de contaminação veiculada pela água. Nos países em desenvolvimento, por exemplo, cerca de 80% de todas as doenças de origem hídrica e mais de um terço das mortes são causadas pelo consumo de água contaminada.

O reúso planejado da água – estratégia prevista nas metas globais da ONU e da OMS para a administração da qualidade desse recurso no planeta – é prática comum nos países desenvolvidos e vem sendo apontado por especialistas como uma das soluções emergenciais que precisam ser adotadas para o melhor gerenciamento hídrico, especialmente nos chamados “cinturões verdes” e em grandes aglomerados industriais e urbanos. Assunto de interesse internacional, mereceu uma sessão especial de discussões durante o “3o Fórum Mundial das Águas”, realizado nas cidades de Kyoto, Shiga e Osaka, no Japão, entre os dias 16 e 23 de março passado.

A técnica consiste na utilização por mais de uma vez da água depois de seu tratamento adequado, com finalidades potáveis, não-potáveis, para manutenção de vazão de cursos d’água e recarga de aquíferos subterrâneos, entre outros fins. Com o objetivo de disseminar essa tecnologia e dar consultoria a prefeituras, empresas e interessados, a Escola Politécnica da USP, em parceria com a Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica – com apoio da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Ministério da Ciência e Tecnologia –, está implantando o Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (Cirra), que deverá iniciar atividades em cerca de dois meses.

Além de assessoria técnica ao setor público e privado, o Cirra tem como prioridades desenvolver estudos sobre conservação de água, minimização e tratabilidade de efluentes, educação e gestão ambiental. “Teremos um núcleo de pesquisadores e pretendemos também aceitar mestrandos”, diz o coordenador do projeto, professor Ivanildo Hespanhol, da Escola Politécnica.

O centro contará com as tecnologias mais avançadas para reúso e pesquisas sobre água, reunindo unidades de processos que compreendem osmose reversa, ultrafiltração, microfiltração e sistemas de desinfecção com ultravioleta e ozonização. Um banco de dados especializado servirá de apoio aos trabalhos, com publicações técnicas, científicas e serviço de referências bibliográficas relacionadas à área.

Conservação e racionalização – Grandes empresas brasileiras já lançam mão dessa tecnologia, como Gerdau, Petrobras, Coats-Corrente e Volkswagen, entre outras, o que comprova sua viabilidade econômica e funcional e a enorme possibilidade de retorno que o investimento pode trazer (leia texto na página ao lado).

É justamente em locais de grande demanda, como na região metropolitana de São Paulo, que o emprego do reúso vem se firmando como necessidade urgente. A Bacia do Alto Tietê, por sua condição característica de manancial de cabeceira, dispõe de vazões insuficientes para a demanda da região metropolitana e municípios circunvizinhos. Gerôncio Albuquerque Rocha, funcionário do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) e representante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, garante, em entrevista à edição 47 da revista Estudos Avançados, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP – que circulará a partir de maio com uma seção especial dedicada à questão da água –, que os grandes problemas de abastecimento na região metropolitana de São Paulo acontecem devido “ao modo de apropriação e utilização da água, cuja função social é quase sempre colocada em segundo plano”.

A cidade de São Paulo já sofre pressão de abastecimento por causa da má qualidade da água dos mananciais, poluídos por esgotos domésticos e industriais. Tanto que está buscando água de mananciais de fora de sua bacia, no interior do Estado e até em Minas Gerais. “E quando faltar o recurso também nesses locais, de onde é que iremos retirá-lo?”, questiona o professor Pedro Caetano Sanches Mancuso, da Faculdade de Saúde Pública da USP, que também acredita que a pressão sobre os mananciais metropolitanos pode ser em parte resolvida com água reutilizada.

O reúso da água, entre outras ações, é uma forma de controlar a demanda, que aumenta cada vez mais nas regiões metropolitanas, segundo especialistas

A agricultura demanda 70% da água tratada no País. O restante se divide quase proporcionalmente entre uso industrial (cerca de 18%) e doméstico. Para ajudar a aliviar a demanda dos mananciais metropolitanos, Hespanhol cita um exemplo de reúso para irrigação na agricultura que poderia ser aplicado à região de Juquitiba, onde o esgoto é predominantemente doméstico. O esgoto tratado poderia ser reusado para irrigação na agricultura daquela região, enquanto a água do rio Juquitiba e afluentes poderia ser tratada para fins potáveis de uso na região metropolitana. Entre outros exemplos, as grandes indústrias de São Paulo também poderiam ajudar a aliviar a demanda se aderissem ao reúso, afirma.

A criação da ANA – cujo projeto foi aprovado pelo Congresso em junho de 2000 – reflete uma mentalidade avançada do País quanto à busca do uso sustentável dos recursos hídricos, diz o professor. Mas o órgão, que entre outras atribuições é também responsável pela promoção do reúso no Brasil, ainda não despertou “energicamente” para o tema. Tanto que, entre os 12 projetos considerados prioritários e destacados na página eletrônica da agência (www.ana.gov.br), não há nenhuma menção a respeito. “Na prática, a ANA não tem feito muita coisa nesse sentido”, reconhece Hespanhol. Consultor da agência, o engenheiro já foi responsável na OMS pelas diretrizes de reúso de esgoto.

“A ANA entende que a gestão de recursos hídricos não deve ser feita só no sentido de aumentar a oferta do recurso, mas tendo também em vista o gerenciamento da demanda. A boa gestão em recursos hídricos consegue estabelecer um equilíbrio entre oferta e demanda. O reúso, entre outros mecanismos, é uma forma de controle da demanda”, afirma o professor Benedito Braga, um dos diretores da agência e ex-docente do Departamento de Engenharia Hidráulica da Poli. “Não investimos mais em reúso porque temos pouco dinheiro e antes precisamos ver se é viável. Por isso, os dois projetos de que a agência dispõe envolvem universidades: um deles é o da USP e outro é um projeto piloto na Paraíba, em parceria com a Embrapa e a Universidade Federal de Campina Grande, relacionado à irrigação para a agricultura.”

 




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