Os
personagens são atores. A encenação é
a história. E o palco é o cenário. Uma brincadeira
que o diretor e ator Arthur Belloni fez na ficha técnica
da peça Frio 36 e meio oC pode explicar isso melhor. Para
diretor, seu nome aparece mesmo como Arthur Belloni. Mas para ator,
o nome que consta é Eduardo Araújo. Que fique claro:
Arthur e Eduardo são a mesma pessoa. É uma das várias
mesclas entre a peça teatral e a realidade, sem separar o
ator do personagem.
Nela,
atores da Cia. de Teatro Plástico (ECA/USP) representam...
atores. Aliás, “presentificam” atores, corrige
Belloni, em busca de papéis que dêem sentido às
suas vidas artísticas. Mas nenhum é satisfatório.
São três pessoas que não conseguem participar
da montagem de uma mesma peça porque, intolerantes, não
respeitam suas diferenças. A princípio, um prefere
a face mais épica, outro, a mais psicológica do teatro,
disparidades que aos poucos vão se diluindo. No entanto,
o esperado papel nunca chega. Após uma série de transformações
que esses atores sofrem, eles atingem um estado de letargia e vazio.
“Porque para eles não há mais nada a representar”,
explica o diretor.
Há
ainda um quarto personagem, uma espécie de assistente de
palco na montagem da peça. Ele é o chamado Contra-regra,
um trabalhador que não questiona sua vida, simplesmente porque
tem de sobreviver. Assim como o Contra-regra, todos os personagens
têm nomes generalizantes: o Ator 1, o 2 e o 3. Uma mostra
de como os papéis, no teatro e na realidade, podem ser trocados.
Tremores
– E qual a relação do título com toda
essa metalinguagem? Certamente não é a um frio térmico
que ele se refere. E sim à frieza interna das pessoas e das
relações entre elas, lembrando que 36,5oC é
a temperatura interna do corpo dos seres humanos. “Trememos
de raiva, medo e, inclusive, de frio. Em estados de impotência
e fragilidade”, diz o diretor, que também é
autor do texto que foge aos padrões tradicionais de dramaturgia,
o chamado teatro experimental (ele ficou entre os três melhores
diretores no Festival Internacional de Teatro do Cairo, que reuniu
grupos de teatro experimental do mundo inteiro).
Desconstruindo
as noções de personagens e representação,
e agregando a dança e a gestualidade, a peça tem poucas
falas, muito movimento – o tremor é um dos mais utilizados
– e, mesmo assim, muita dramaticidade. “É uma
área limítrofe entre as artes, especialmente entre
dança e teatro”, esclarece Belloni. Tanto que os atores
têm formação em dança, desde contemporânea
até balé clássico.
![](ilustras/ilustra16c.jpg) |
Poucos
diálogos, muitos movimentos e humor tenso |
Os
personagens-atores percorrem um caminho paralelo ao que foi feito
pelos atores de Frio. Belloni pesquisa a “não-representação”
já há algum tempo, com a busca da transparência
das sensações reais do ator em vez da construção
de personagens. Agora, ele monta esse espetáculo em que os
atores continuam sem representar e sem fingir, mas sendo atores.
A
peça Frio 36 e meio oC estréia neste sábado,
às 21h, e fica em cartaz até o dia 15 de junho, com
apresentações aos sábados, às 21h, e
aos domingos, às 20h. No Teatro Laboratório da ECA
(av. Professor Luciano Gualberto, trav. J, 215, Cidade Universitária,
tel. 3091-4375). Entrada franca, com senhas distribuídas
uma hora antes do espetáculo.
|