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O
cacique Top'Tiro, de 85 anos (à esquerda), e mulheres
xavantes, que trouxeram seus filhos para participar da 1ª
Semana do Meio Ambiente da USP: cerrado é a esperança
de futuro para os índios |
Quando
o ônibus enviado pela Prefeitura da USP partiu da aldeia Idzô’Uhu
(que significa abelhinha), na terra indígena Sangradouro,
no Mato Grosso, levando 42 xavantes, o cacique e curandeiro Adão
Top’Tiro olhou pela janela e observou: “É tanta
plantação de soja que até dói os olhos”.
Foi por essa visão doída que Ceresu, como é
chamado entre os índios, decidiu reunir homens, mulheres
e crianças para vir até a Universidade participar
da 1a Semana do Meio Ambiente da USP, ocorrida de segunda a sexta-feira
passadas.
Apesar
dos 85 anos, Ceresu enfrentou a viagem de um dia inteiro com disposição.
Queria conhecer o lugar onde seu filho, Hipãridi D. Top’Tiro,
se formou em Ciências Sociais. E, o mais importante, veio
para reunir forças. Buscar uma parceria com a USP para salvar
o cerrado. “A plantação de soja está
destruindo tudo”, protestou, indignado. “E a vida dos
xavantes depende do cerrado: a alimentação, a saúde,
os rituais...”
O curandeiro falou para o Jornal da USP durante quase três
horas. O intérprete foi seu filho Lucas. Procurou deixar
claro que, ao contrário do que muitos imaginam, os xavantes
não estão preocupados só consigo mesmos e têm
uma visão clara de que a preservação do cerrado
é importante para a humanidade. “O cerrado brasileiro
está entre os ecossistemas ameaçados mais ricos em
biodiversidade do mundo”, observou. “Restam
apenas 20% da área original do cerrado brasileiro e não
existe uma política nacional que possa garantir a sua preservação.”
Pela
lei 49.141, de 29 de dezembro de 1967, pode-se desmatar até
80% das áreas para plantio no cerrado e nem mesmo os 20%
restantes são de fato preservados, porque não há
uma fiscalização eficaz. “Nós, xavantes,
sabemos a importância que têm o cerrado e toda a vida
que ele guarda. Sabemos que sem o cerrado não há cultura
xavante, nenhum futuro para nós”, lembrou o cacique.
“Hoje, em volta do nosso território, onde ainda sobrevive
uma ilha de cerrado intacto, estão inúmeras fazendas
de soja, algodão e arroz, cidades, estradas e quase nada
do cerrado original.”
Adão
Top’Tiro disse que não se conforma com os fazendeiros
que tentam iludir os xavantes com propostas de parcerias, desmatando
as terras para plantar ilegalmente. Já foram desmatados 1.400
hectares de cerrado em Sangradouro. O mais trágico, no entanto,
é a ameaça que pesa no cotidiano. “Somos gente
ou somos bichos para sermos mortos sem nenhuma defesa?”, questionou
indignado. “Onde está a imprensa, que só divulga
a voz dos fazendeiros, influenciando a opinião pública
contra os índios? Para muitos, nós somos preguiçosos
e aproveitadores. Não é nada disso. Há cinco
anos, um rapaz da aldeia, chamado Agostinho, de 23 anos, foi assassinado
e ninguém falou nada. Os fazendeiros disseram que ele foi
morto por uma sucuri, por uma onça... Só que os índios
sabem muito bem respeitar os animais e os animais não são
ameaça para os índios. Agora, no dia 2 de abril, Joaquim,
de 72 anos, pai de Agostinho, apareceu morto só porque estava
pescando no rio de um fazendeiro. Ele não foi lá para
roubar. Só tinha ido pescar.”
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Um
ritual para reivindicar a integração e a preservação
da natureza |
Novas
forças – Apesar da indignação, o cacique
sabe que de nada adianta ficar na aldeia preocupado. “Penso
muito no meu filho Hipãridi, que veio para São Paulo
estudar para ajudar o nosso povo. Ele também já foi
ameaçado de morte e a pior coisa para um pai é imaginar
o seu filho chegando num caixão. Eu acompanho o meu filho
em sonhos e desejo que o seu caminho seja sempre iluminado.”
Na
segunda-feira, dia 2, quando a 1a Semana do Meio Ambiente da USP
foi aberta, Ceresu acompanhou atento a apresentação
das danças e as palestras no auditório do Instituto
de Biologia. “Este é um evento muito importante para
nós. É sinal de um início de diálogo
e de entendimento com a Universidade. Não viemos buscar ajuda
e sim uma parceria. Queremos unir forças para salvar o cerrado
e a vida.”
Durante o seminário, Hipãridi, fundador e presidente
da Associação Xavante Warã, deixou claro: “Nós,
xavantes, estamos cansados dos estudantes e pesquisadores que vão
à aldeia para fazer teses. Passam lá um tempo, recebem
bolsas e depois fazem o mestrado e desaparecem. Quando nós
os procuramos para saber o resultado de suas pesquisas, eles dizem
que fizeram só o mestrado, que nada adianta, e que os resultados
vão aparecer no doutorado. Não precisamos de teses
nas bibliotecas”.
A condição
imposta pelos xavantes para participar da Semana do Meio Ambiente
foi a oportunidade para apresentar a sua cultura, o seu conhecimento
e reivindicações. “Nós não queremos
ser tema de pesquisas de antropologia. Desta vez, preferimos conversar
com os biólogos, botânicos e estudiosos do ambiente,
que possam observar o conhecimento que temos das ervas, das plantas,
da natureza, enfim”, acentuou Hipãridi. “Não
viemos pedir nada. É uma troca.”
Everson
Carlos da Silva, que também tem ascendência indígena
e integra a Associação Warã, trouxe uma idéia
a ser desenvolvida pela Universidade. Bacharel em Esportes pela
USP, ele foi o organizador da corrida de toras de buriti, apresentada
na sexta-feira, dia 6. Silva defende a implantação
de um programa que possa resgatar os esportes praticados pelos xavantes.
“Eles têm uma preocupação muito grande
com a saúde, com o físico. Na sua cultura, há
diversas competições e lutas que poderiam ser observadas
no programa de Educação Física e de Esportes.
Creio que os brasileiros deveriam se interessar mais pelas suas
raízes. Buscamos tantos esportes que não têm
nada a ver com a nossa cultura. Por que não resgatar as lutas
e jogos indígenas?”
Prova
de que os xavantes têm muito a ensinar e não têm
nenhuma barreira para aprender não está só
nos integrantes da aldeia Idzô’Uhu que vêm estudar
na Universidade. Na manhã da terça-feira, dia 3, eles
formaram times de futebol feminino e masculino e jogaram contra
estudantes e funcionários da USP. As mulheres ganharam e
os homens empataram. Orgulhoso, o cacique Ceresu acompanhou empolgado:
“Quando vejo o brio dos nossos homens, a coragem das mulheres
e a alegria das crianças, eu tenho muita esperança”.
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Mulheres
xavantes vencem jogo contra time da USP: muito a ensinar |
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