O
Senado Federal já manifestou a intenção
de alterar o texto básico da reforma previdenciária,
aprovado em primeiro turno no dia 6 passado na Câmara Federal,
sob forte protesto dos servidores. Por conta disso, mesmo após
a Câmara ter concluído o primeiro turno de votações,
na quinta-feira, 14, a polêmica em torno de temas fundamentais
da reforma – como tetos e subtetos salariais, tetos de aposentadorias
e redução de pensões, taxação
de inativos e paridade das aposentadorias – ainda deverá
continuar nas próximas semanas.
Mas
é sobre a regulamentação e criação
dos fundos de pensão para aposentadorias complementares que
o servidor público precisará centrar sua atenção
no futuro próximo, na opinião do professor José
Roberto Ferreira Savóia, da Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade (FEA) da USP, ex-secretário de Previdência
Complementar do governo federal. “A observância da criação
desses fundos pelo governo e a forma como será feita a gestão
deve ser motivo de acompanhamento rigoroso dos servidores. A preocupação
deve ser com a saúde financeira desses planos que irão
pagar as aposentadorias. Eles precisarão ser geridos de forma
transparente e eficiente para preservar o pagamento aos servidores
no futuro”, diz.
Depois
que o governo chegou a declarar – embora tenha voltado atrás
– que pretendia utilizar parte da conta bilionária
de fundos privados de entidades como Banco do Brasil e Petrobras
para investimentos em infra-estrutura, o debate se faz necessário,
segundo o professor. “O que o governo está tentando,
na verdade, é articular investimentos privados para investir
recursos em infra-estrutura. Não se trata de uma obrigatoriedade
imposta aos fundos. Mesmo porque eles têm gestão diversificada
e autônoma. A obrigação que essas entidades
têm é com o pagamento das aposentadorias aos seus contribuintes,
independente de qualquer política do governo, por mais necessária
e correta que seja. Esse papel deve ser observado acima de tudo.
Tenho acompanhado fundos de pensão de iniciativa privada
e pública e o que tenho visto é que os de natureza
pública demonstram maior possibilidade de ingerência
por parte do Estado”, afirma Savóia.
De
acordo com o texto básico da Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) 40/2003, deverão ser criados fundos de Previdência
de caráter fechado, de natureza pública e em regime
de contribuição definida para suplementar, por adesão
voluntária, a aposentadoria de funcionários que ganhem
mais de R$ 2.400,00. “Os critérios de escolha da constituição
desses fundos deverão ser preocupação dos participantes.
É necessário que o Ministério da Previdência
faça a regulamentação desses fundos à
semelhança dos privados, permitindo acesso dos servidores
através dos conselhos administrativo e fiscal. A rigor, não
existe nos fundos públicos uma regulação como
a que ocorre com os privados e o que se tem observado é que
a totalidade dos representantes nos fundos públicos tem sido
indicada pelo governo. Não há equilíbrio de
representações.”
Subtetos
salariais – O reitor da USP, Adolpho José Melfi, aponta
outros pontos polêmicos da reforma previdenciária,
que preocupam diretamente a Universidade. Para ele, o fato de a
carreira docente não ter sido discutida de forma diferenciada,
como ocorreu com os militares e magistrados, foi um erro que poderá
produzir sérias distorções ao ensino público.
“Não se nega que a reforma da Previdência é
necessária. Corrigir disparidades salariais, muitas vezes
obtidas através de liminares, lei do gatilho etc., é
importante, da mesma forma que é necessário aumentar
o tempo de contribuição, já que a expectativa
de vida aumentou e não faz sentido atualmente se aposentar
aos 55 anos. No entanto, não se pode tratar das mudanças
colocando tudo no mesmo saco. Como foi discutido para os casos de
militares e magistrados, que têm carreiras específicas,
outras carreiras também merecem uma análise melhor”,
afirma Melfi.
Para
o reitor, o maior problema é o “açodamento”,
ou seja, fazer uma reforma “de afogadilho”, sem pensar
exatamente nos benefícios que a nação está
perdendo ou que poderia ganhar em função da reforma
previdenciária. “Ao contrário, estão
pensando muito mais no aspecto financeiro. A proposta original do
governo era extremamente nefasta para a Universidade e as emendas
melhoraram um pouco isso. Mas ainda há pontos que precisam
ser melhor discutidos, como a questão do subteto salarial,
além da paridade e integralidade das aposentadorias para
os que ingressarem após a reforma aprovada. Do jeito que
está o texto, não há atrativos para o ingresso
no serviço público e muitos docentes não quererão
mais lecionar em tempo integral. Eles preferirão trabalhar
em tempo parcial e arrumar um outro emprego, por exemplo, em universidades
particulares. Preocupa
essa situação de ter a Universidade como um bico.”
Melfi acrescenta que “o grande salto” que o Estado de
São Paulo deu no sistema de ciência e tecnologia ocorreu
em grande parte graças à implantação
do Regime de Dedicação Integral à Docência
e à Pesquisa (RDIDP), o que fez com que houvesse uma explosão
do número de pesquisas realizadas pelas universidades e institutos
paulistas. O RDIDP é o regime preferencial adotado pela Universidade
para servidores da carreira docente e o estímulo para a dedicação
integral eram justamente a aposentadoria integral e a paridade dos
benefícios, segundo Melfi.
Para
o reitor, preocupa também o elevado número de pedidos
de contagem de tempo que foram feitos recentemente por docentes
que já estão em condições de se aposentar,
o que totaliza 1.078 claros na Universidade. “Os aposentados
continuarão onerando a nossa folha e, se tivermos um grande
número de aposentadorias, não teremos possibilidade
de contratar na mesma proporção. Além disso,
também perderemos as pessoas mais experientes.”
Melfi
diz que espera ver o texto modificado ainda na Câmara Federal,
já que fica difícil pensar em mudanças substanciais
no Senado, pois isso colocaria em jogo todo o esforço empenhado
até agora. Entre outros pontos, ele aponta a necessidade
de se rever a questão dos subtetos salariais e das regras
de transição para a aposentadoria. “No caso
dos servidores estaduais, o subteto está sendo colocado em
função do salário do governador. Mas sabemos
que o salário do governador é artificial. O governador
pode fixá-lo em função de interesses próprios,
como aconteceu recentemente com Aécio Neves, em Minas Gerais.
Criar um subteto para determinadas carreiras com base num salário
que não pertence àquelas carreiras em questão
é perigoso. Hoje, a preocupação de todos os
governadores é fazer caixa diante da queda de arrecadação.
Isso inquieta os funcionários.”
Outro
ponto que ainda não está bem definido são as
regras de transição para os professores que já
poderiam pedir aposentadoria proporcional. Ou seja, são docentes
que não conseguiram ainda os requisitos para uma aposentadoria
total, mas têm direito a uma aposentadoria proporcional. “Como
as regras de transição não estão ainda
definidas, muitos docentes estão preocupados porque acham
que vão perder dinheiro se não se aposentarem agora.
Isso interfere na Universidade no sentido de que corremos o risco
de ter um número muito grande de aposentadorias precoces
de docentes que poderiam ficar até os 70 anos e se aposentar
só na compulsória e que, no entanto, poderão
se aposentar mais cedo.”
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Melfi: risco para a Universidade |
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Savóia:
Estado tende a interferir |
Tributária
erra o alvo, diz especialista
Nem
bem a reforma tributária entrou em processo de análise
pelos deputados federais e as discussões já estão
“pegando fogo” no Planalto. O governo anunciou que não
pretende sequer discutir com governadores a possibilidade de abrir
mão de parte da arrecadação da CPMF (Contribuição
Provisória sobre Movimentação Financeira) em
favor de Estados e municípios. Além
disso, o governo também quer fechar questão sobre
a DRU (Desvinculação dos Recursos da União),
dispositivo que permite liberar 20% de todas as receitas federais
para o governo usar como quiser. Entre uma polêmica e outra,
Maria Helena Zocon, pesquisadora da Fipe (Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas), diz que diversos temas
que estão no centro das atenções no momento
“na verdade são apenas discussões de gabinete
que pouco irão acrescentar de fato ao contribuinte”.
Para
ela, os principais objetivos da reforma tributária, que são
tornar o País mais competitivo e promover o desenvolvimento
econômico, não estão sendo discutidos.
“Harmonizar
as contribuições dos Estados é muito pouco
diante de outras discussões que realmente se fazem necessárias.
Se o governo federal abrir mão de parcela de seus recursos
para os Estados, vai acabar aumentando a carga tributária
e isso afeta diretamente o bolso do contribuinte. Questões
como promover o desenvolvimento, a distribuição de
renda e a desoneração dos bens de consumo não
estão sendo consideradas. As discussões estão
passando ao largo do que realmente interessa ao contribuinte”,
afirma a pesquisadora.
Docentes
mantêm protesto
A
greve dos professores da USP contra a reforma previdenciária
segue parcial desde o início, no dia 11 passado. Apenas alguns
departamentos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH), da Escola de Comunicações e Artes
(ECA), da Faculdade de Educação e da Faculdade de
Direito haviam aderido ao movimento na primeira semana de paralisação,
segundo dados da Assessoria de Comunicação da Reitoria.
Em
reunião realizada na quarta-feira, 13, o Fórum das
Seis – que reúne os representantes dos professores
e servidores não-docentes das três universidades públicas
paulistas, USP, Unesp e Unicamp – concluiu que a greve “vem
crescendo em diversos campi”, embora não exista avaliação
do número de pessoas que pararam suas atividades até
agora, segundo o presidente da Adusp (Associação dos
Docentes da USP), professor Américo Kerr.
Os
representantes do Fórum acertaram a agenda de atividades
para os próximos dias, incluindo uma caravana de 17 ônibus
que sairá nesta segunda-feira, 18, rumo a Brasília.
A marcha acontece na capital federal na terça-feira, 19,
e contará com a participação de estudantes,
funcionários e professores das três universidades estaduais.
A Adusp também está organizando um ato com intelectuais
de todo o Brasil, que deverá acontecer também em Brasília,
provavelmente nesta terça-feira, segundo Américo Kerr.
Em
assembléias realizadas na semana passada pelo DCE (Diretório
Central dos Estudantes) e APG (Associação dos Pós-Graduandos
da USP), os estudantes concordaram com a paralisação.
“Deliberamos apoiar a greve e construir o movimento, com possibilidade
de adesão por parte dos alunos. Os
estudantes são a favor da reforma previdenciária,
mas não do jeito que está. O ensino público
não pode ser sucateado como vem ocorrendo”, diz Fernanda
Carolina de Oliveira, diretora do DCE. Os funcionários da
USP não reuniram quórum suficiente em assembléia
realizada no dia 13 e não houve votação de
adesão ao movimento. Por isso, o Sintusp decidiu construir
a mobilização nos próximos dias a partir de
reuniões conjuntas com professores e alunos nas unidades.
Já
os professores da Unicamp, em greve desde o dia 7 de agosto, decidiram,
em assembléia na semana passada, que continuam parados por
tempo indeterminado. Nesta segunda-feira, 18, às 14 horas,
os docentes promovem debate sobre a reforma previdenciária
e voltam a se reunir em assembléia-geral no final da tarde.
Os funcionários da Unicamp haviam parado na segunda e na
quarta-feira da semana passada e, em assembléia-geral, decidiram
entrar em greve por tempo indeterminado desde o dia 14. A paralisação
também segue parcial em Campinas. Na Unesp, estão
em greve docentes e funcionários dos campi de Assis e Marília.
Estão parcialmente parados servidores do campus de São
José do Rio Preto e docentes de Rio Claro.
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