A
famosa combinação arroz e feijão,
consumida diariamente por milhões de brasileiros, pode ser
a solução para a prevenção de um tipo
de câncer. Essa é uma das conclusões da tese
de doutorado da nutricionista Dirce Maria Lobo Marchioni, defendida
na Faculdade de Saúde Pública no ano passado. De acordo
com o estudo, o consumo freqüente de arroz e feijão
reduz as chances de uma pessoa desenvolver câncer oral –
que compreende a cavidade bucal, a faringe e a laringe.
A pesquisa
faz parte de um estudo mais abrangente, coordenado pela International
Agency for Research on Cancer (Iarc), órgão da Organização
Mundial da Saúde (OMS), que se estende a Cuba e à
Argentina. O objetivo é mapear a incidência dos diversos
tipos de câncer de acordo com fatores ambientais e padrões
alimentares das populações. Dirce analisou um universo
de 845 pessoas, entre homens e mulheres, com mais de 40 anos, de
todas as classes sociais, na cidade de São Paulo. “A
princípio, não tínhamos nenhuma hipótese
em relação à pesquisa”, conta. “Fizemos
uma investigação do tipo caso/controle. Comparamos
as pessoas que têm câncer oral com aquelas que não
desenvolveram a doença, buscando identificar o que elas têm
de diferente no que diz respeito à alimentação.”
A seleção
das pessoas que participaram da pesquisa foi feita em sete hospitais
da rede pública do município. Aquelas que eram casos
de câncer oral deveriam estar sob a condição
de terem acabado de receber o diagnóstico da doença.
Só assim seria possível flagrar, com o máximo
de precisão possível, os hábitos alimentares
dessas pessoas até o momento da notificação
do câncer. As pessoas que eram controles, ou seja, aquelas
que não tinham nenhum antecedente com a doença, tinham
ido aos hospitais para outros tipos de exames e foram convidadas
a contribuir com o estudo.
Todos
os selecionados responderam a um questionário, no qual informavam
quais eram os componentes primordiais de sua alimentação
e em que quantidade e freqüência eram consumidos. A partir
disso, foram identificados quatro padrões alimentares: 1)
rotulado como “prudente”, composto de aves, queijos,
vegetais e frutas; 2) “tradicional”: arroz, feijão
e carne; 3) pão, embutidos, manteiga, queijo e doces; e 4)
“monótono”: de poucos alimentos.
As
845 pessoas – 366 casos, 479 controles – foram distribuídas
de acordo com os padrões alimentares. Vieram as conclusões.
“Constatamos que, entre as pessoas que consumiam mais do padrão
‘tradicional’ – arroz, feijão e carne –,
a incidência do câncer oral era menor do que entre aquelas
que mantinham outro tipo de dieta”, conta Dirce. Continua
a pesquisadora: “A literatura científica diz que quem
consome frutas e legumes estará mais protegido contra o câncer
oral. No estudo que realizamos, não foi o observado. O principal
padrão protetor foi o arroz-feijão, acrescido de quantidades
razoáveis de carne”.
Segundo
a nutricionista, não é possível dizer por que
o consumo de arroz e feijão previne contra o câncer
oral. Essa é uma etapa do estudo que ainda não foi
concluída. “Podemos apenas afirmar o seguinte: tanto
o arroz quanto o feijão têm baixo nível de gordura
saturada – aquela que, como a gordura animal, é sólida
em temperatura ambiente –, além de possuírem
fibras e proteínas vegetais complementares. A idéia
é de que o consumo conjugado de arroz e feijão oferece
elementos importantes que previnem contra o câncer oral”.
Homens
e mulheres – Outro resultado da pesquisa mostra que a incidência
de câncer oral nos homens é maior do que nas mulheres.
“Isso pode ser explicado pelo fato de que os homens se aproximam
muito mais dos fatores de risco, que são o consumo de bebidas
alcoólicas e tabaco”, afirma Dirce. O tabaco está
associado a 90% dos casos de câncer oral em homens e a 60%
em mulheres. O álcool está ligado a 55% dos casos,
para ambos os sexos. Os riscos aumentam também de acordo
com o tempo e com a intensidade do consumo dessas substâncias.
Outros
fatores que estão relacionados com o câncer oral são:
alimentação pobre em vitamina C, higiene bucal deficiente,
ferimentos causados pelo uso de próteses dentárias
mal-ajustadas e exposição excessiva ao sol (câncer
de lábio).
O câncer oral pode se manifestar sob a forma de feridas na
boca ou no lábio que não cicatrizam, caroços,
inchaços e áreas de dormência, sangramentos
sem causa conhecida e dor de garganta permanente. As lesões
pré-malignas podem ser diagnosticadas antes de se transformarem
em câncer por meio de exames de rotina, realizados por profissionais
capacitados, em unidades públicas de saúde. O câncer
de boca não é dos mais freqüentes, representando
5% dos casos entre todos os tipos de câncer.
São
Paulo – São Paulo é o Estado brasileiro com
maior incidência de câncer oral. Enquanto a taxa nacional
é de 13,25 casos para cada 100 mil indivíduos, em
São Paulo a taxa sobe para 17,91 por 100 mil. “É
muito provável que as maiores incidências de câncer
oral estejam em São Paulo em virtude das altas taxas de alcoolismo
e tabagismo”, explica a nutricionista.
Outra
triste constatação do estudo é que os casos
de câncer oral entre as mulheres vêm aumentando nos
últimos anos, também em conseqüência do
consumo progressivo de álcool e tabaco. Entre as mulheres,
em São Paulo, a proporção é de 7,42
casos para cada 100 mil, contra 5,42 por 100 mil da taxa nacional.
Ainda assim é importante destacar que, mesmo que a pessoa
incorra nos fatores de risco já reconhecidos – álcool
e tabaco –, ela estará menos vulnerável ao câncer
oral se mantiver o consumo de arroz e feijão.
Portanto,
a conclusão da pesquisa é de que o brasileiro médio
pratica uma alimentação bastante interessante para
manter uma boa saúde. Porém, a pesquisadora alerta:
atualmente, esse padrão tradicional vem sendo abandonado.
Com o crescente ingresso das mulheres no mercado de trabalho, e
como o feijão é um alimento que requer mais tempo
para ser preparado, ele vem sendo deixado de lado em favor do consumo
de alimentos pré-processados, ricos em gordura saturada,
prejudiciais à saúde. “O que está acontecendo
é que a população vem substituindo hábitos
alimentares interessantes por uma dieta pouco recomendável,
que se mostrou altamente deletéria para a saúde em
outras partes do mundo, como nos Estados Unidos, por exemplo”,
acrescenta Dirce. Segundo a pesquisadora, o ideal é que as
pessoas variem sua dieta, consumindo sempre frutas e legumes, mantendo
o padrão arroz-feijão e moderando o consumo de carne
vermelha. Indispensável lembrar que medidas como “não
fumar” e “moderar o consumo de bebidas alcoólicas”,
junto com a prática de boa higiene bucal, diminuem consideravelmente
os riscos de câncer oral.
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