Transformar São Paulo num Estado de leitores era
só um slogan quando a secretária da Cultura do Estado
de São Paulo, Cláudia Costin, assumiu a pasta, há
cerca de um ano e dois meses. À época, os planos de
Costin foram retratados pelo Jornal da USP em entrevista publicada
na edição 632 (http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2003/jusp632/pag04.htm).
Oficializado no ano passado pelo governador Geraldo Alckmin, São
Paulo: Um Estado de Leitores virou a menina dos olhos entre os projetos
em andamento na Secretaria e já direcionou centenas de livros
para bibliotecas do interior do Estado e salas de leitura na periferia
paulistana, informa Cláudia na entrevista abaixo. Zerar até
julho o número de municípios sem bibliotecas no Estado
é uma das metas mais ambiciosas do programa. Das 645 cidades
do Estado, 82 não possuem bibliotecas, sendo que duas ganharam
a “novidade” recentemente. “Antes a população
consultava livros em Limeira ou Artur Nogueira”, diz Vera
Menino Rigo, bibliotecária da recém-inaugurada biblioteca
de Engenheiro Coelho, pequena cidade a cerca de 20 quilômetros
de Limeira.
O São Paulo: Um Estado de Leitores, segundo Cláudia,
visa não só a aproximar fisicamente o livro de populações
carentes e do jovem em especial, mas também a promover uma
espécie de marketing cultural para que o público encare
a leitura como prazer e não como prática tediosa e
obrigatória. Exemplo desse tipo de divulgação
foi a campanha realizada em conjunto com a Rede Globo em que diversos
atletas davam depoimentos e sugestões sobre leitura durante
transmissões de jogos de futebol. A tônica do programa
– ou seja, focalizar suas atenções para o jovem
e promover a leitura como lazer – pode ser elogiável
para a grande maioria das pessoas, mas falha estrategicamente, na
visão de professores da USP (leia na página ao lado).
Abaixo, os principais trechos da entrevista com a secretária:
Jornal
da USP – Qual tem sido o norte do projeto São
Paulo – Um Estado de Leitores?
Cláudia Costin – Toda a lógica
é trabalhar a leitura como fonte de prazer e não a
leitura ligada a atividades escolares. Nosso jovem não tem
o hábito de pegar um livro, sentar num parque e ler porque
ele acha gostoso. Então além de obras de referência,
vamos colocar nessas bibliotecas livros gostosos de ler, que as
pessoas possam apreciar.
JUSP
– Quais os avanços do projeto desde sua criação?
Cláudia Costin – Implantamos o São Paulo: Um
Estado de Leitores logo no início da gestão. O governador
instalou formalmente não só o programa, como também
o Conselho Paulista de Leitura, presidido pelo bibliófilo
José Mindlin e composto por especialistas de leitura e ONGs
ligadas ao tema. O conselho passou a dar o norte para o programa.
Muito diferente de muitos outros conselhos dos quais eu já
participei, este é extremamente ativo, o presidente cobra
muito e conseguimos avançar em coisas muito importantes.
A primeira discussão que tivemos foi a respeito de por que
as pessoas não lêem. Uma das coisas básicas
naturalmente é o preço do livro. Nesse sentido, enfatizamos
a criação de bibliotecas justamente para proporcionar
acesso aos livros.
JUSP
– Com isso foram criadas mais bibliotecas nesse período?
Cláudia – No primeiro semestre do ano passado, reforçamos
acervos de 125 bibliotecas municipais e capacitamos 5 mil bibliotecários
através de uma parceira com o Sebrae. Aqui na Secretaria
já formamos 100 agentes de leitura. Numa segunda fase, pesquisamos
as prefeituras que já têm programas de leitura e as
que têm bibliotecas e buscamos envolvê-las ao máximo
no processo, com ações como levar escritores e contadores
de histórias às cidades, ou mesmo criando cursos de
contadores de histórias. Também começamos a
implantar bibliotecas comunitárias nas unidades da CDHU (Companhia
de Desenvolvimento Habitacional e Urbano). As primeiras salas de
leitura comunitária foram instaladas no Jardim São
Luís e no Jardim Iguatemi. Se eu quero chegar a todos, preciso
ter biblioteca pertinho das pessoas de baixa renda. Também
na segunda etapa, começamos a preparar um projeto destinado
a zerar o número de municípios sem bibliotecas no
Estado. Nessa linha, já inauguramos duas bibliotecas municipais,
uma em Engenheiro Coelho e outra em Redenção da Serra,
cidades próximas às regiões de Campinas e Taubaté.
Com isso, em vez de 84, temos atualmente 82 municípios sem
bibliotecas no Estado.
JUSP
– Se em cerca de um ano foram inauguradas duas novas bibliotecas,
quando é que a Secretaria prevê alcançar a meta
de zerar aquele número?
Cláudia – Através de uma parceria entre Estado,
município e iniciativa privada, poderemos até julho
próximo zerar o número de municípios sem bibliotecas
no Estado. Todos os projetos já estão engatilhados
e temos um cronograma de inaugurações para o ano inteiro.
JUSP
– Como funciona essa parceria?
Cláudia – Cada empresa ou organização
adotou uma ou mais bibliotecas. A de Engenheiro Coelho, por exemplo,
foi adotada pelo colégio Renascença. A Faap (Fundação
Armando Álvares Penteado) adotou a de Redenção
da Serra. Uma série de empresas é parceira nessa empreitada,
entre elas, grupo Suzano de Papel e Celulose, grupo Pão de
Açúcar, Banco do Brasil, Colégio Bandeirantes,
Unimed, Eco Futuro, Imprensa Oficial do Estado, Fiesp (Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo) e outras. Para
cada uma dessas bibliotecas, a Secretaria fez uma lista de acervos
básicos que inclui literatura universal, brasileira e paulista.
Para municípios menores, fizemos uma lista de 600 livros
e, para os maiores, de 1.000. Como a Eco Futuro e a Imprensa Oficial
do Estado doaram muitos exemplares, as bibliotecas menores acabaram
ficando com cerca de 1.000 livros e as maiores, com cerca de 1.400.
Cada biblioteca ganhou um computador e muitas empresas doaram scaners
e até ar-condicionado. Para participar do programa, cada
prefeitura teve que doar o local e disponibilizar um funcionário,
geralmente capacitado pela Secretaria. A história toda acabou
incentivando até uma concorrência saudável entre
os patrocinadores e chegou a acontecer de uma empresa querer doar
mais que a concorrente. Treinamos líderes comunitários
para agitar salas de leitura, ou bibliotecas comunitárias.
A Secretaria mantém o compromisso de fazer o acompanhamento
dessas localidades, mesmo que a biblioteca já esteja instalada
e com um líder treinado.
JUSP
– As doações são livros novos ou usados?
Cláudia – Para as bibliotecas municipais conseguimos
livros novos. Nas salas de leituras populares estamos misturando
novos e usados. Tivemos uma campanha de doação impressionante.
Recebemos da população cerca de 7 mil livros/mês
e desses, 70% são aproveitáveis. Veiculamos a campanha
em rádios do interior e da capital e colocamos caixas para
doação em todos os museus do governo estadual.
JUSP – Quais outras iniciativas para aumentar o número
de bibliotecas no Estado?
Cláudia – Outro projeto ligado a bibliotecas foi montado
com a Secretaria da Justiça, nos centros integrados para
a cidadania. Estamos instalando salas de leitura nesses locais,
que ficam em bairros periféricos muito carentes. Além
disso, estamos em vias de assinar um protocolo de cooperação
também com a Secretaria da Saúde para instalar salas
de leitura em 13 hospitais da capital. Pretendemos expandir esses
espaços também para o Metrô. Já existem
quiosques vendendo livros a preços populares e isso foi uma
negociação intermediada pela Secretaria. Além
disso, vamos montar uma biblioteca pública na estação
Paraíso do Metrô, que deverá estar pronta a
partir do segundo semestre. Nosso esforço é no seguinte
sentido: todo espaço tem que ter livro disponível.
JUSP
– Além de viabilizar o acesso da população
aos livros, o que mais a Secretaria está fazendo para incentivar
a leitura?
Cláudia – Realizamos uma campanha que na verdade é
um marketing de leitura. A 89 Rádio Rock está veiculando
inserções com depoimentos de famosos falando sobre
suas experiências de leitura. Estamos criando um programa
com a Cultura FM que será uma plataforma interativa entre
rádio e Internet, com o conteúdo do site Leia Livro
(www.leia livro.sp. gov.br). Outra idéia dada pelo Conselho
Paulista de Leitura foi em cima do conceito que ainda se tem hoje
de que o hábito de ler está muito associado à
figura de “nerd”, aquele cara que só sabe ler
e estudar. Em cima disso, realizamos uma campanha em parceria com
a Rede Globo em que atletas e técnicos de futebol comentam
ou lêem trechos de livro nos intervalos de jogos. A intenção
é mostrar que ler é para qualquer pessoa. Também
a nosso pedido, a Globo fez merchandising sobre o hábito
de ler na novela “Mulheres Apaixonadas”. A ação
seguinte foi o lançamento do site Leia Livro, que também
procura mexer com a juventude e com a idéia de capturar usuários
da Internet que podem dar uma recomendação de leitura.
O público pode comentar ou criticar um livro. É um
canal onde as pessoas podem publicar blogs, contos ou poesias escritos
por eles. Já está com 2.813 acessos na média
diária.
JUSP
– Quais outras ações vêm sendo feitas para
incentivar a leitura?
Cláudia – Constatamos que entre os não-leitores
80% são afro-descendentes, então resolvemos fazer
uma ação focada para este público. Criamos
sete salas de leitura populares em quilombos e escrevemos uma cartilha
para mães de afro-descendentes sobre a importância
da leitura. Outra forma de discutir a leitura com a população
é a distribuição de livros nas ruas, ação
em que também conversamos com as pessoas sobre a importância
de ler. Em cada ação dessas não distribuímos
menos de 2 mil exemplares.
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