O evento na Carolina do Norte, em
novembro: pela primeira vez, uma universidade
de fora dos Estados Unidos obtém o primeiro prêmio
no Camda, um concurso internacional sore análise de dados
microarray
Um
grupo de pesquisadores da USP conquistou no mês passado um
prêmio inédito: o primeiro lugar no concurso Camda
2004. É a primeira vez, em cinco anos de edição
do concurso, que uma universidade de fora dos Estados Unidos é
premiada. Entre os artigos submetidos,12 foram selecionados para
apresentação oral. Essas palestras, realizadas nos
dias 11 e 12 de novembro no Durham Hilton, na Carolina do Norte,
contaram com uma audiência de 75 pesquisadores, entre biólogos,
estatísticos, computólogos e matemáticos, vindos
de 11 países.
O Camda é um concurso internacional sobre análise
de dados microarray. A idéia é que todos os participantes
analisem um mesmo conjunto de dados. Este ano os dados de expressão
gênica selecionados foram do ciclo de vida do parasita da
malária. O professor Junior Barrera, do Departamento de Ciência
da Computação do Instituto de Matemática e
Estatística (IME) da USP, explica que esses dados já
estavam sendo trabalhados pela equipe coordenada por ele e pelo
professor Hernando Antonio del Portillo, do Departamento de Parasitologia
do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, antes
de serem escolhidos pelos organizadores do Camda 2004.
A malária humana, causada por parasitas unicelulares do gênero
Plasmodium, atinge anualmente de 300 a 500 milhões de pessoas,
com taxa de mortalidade entre 1,1 e 2,7 milhões, segundo
dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
As principais regiões atingidas são África,
Índia, Sudeste Asiático e Américas do Sul e
Central, estando no Brasil a maioria dos casos na América
Latina.
De acordo com Barrera, o troféu recebido da Duke University
foi surpresa para todos. "Éramos os únicos representantes
da América Latina. Todos os outros grupos presentes eram
norte-americanos e europeus. Ganhamos porque conseguimos fazer a
classificação funcional de alguns genes que outros
grupos não conseguiram. Esse resultado foi possível
porque adotamos um modelo matemático mais adequado para representar
a interação entre genes."
Mas a maior alegria da equipe, segundo ele, não é
exclusivamente pelo prêmio em si, mas por mostrar que "aqui
na USP fazemos coisas completamente comparáveis às
que acontecem lá fora. O Brasil já é reconhecido
pela sua capacidade de gerar dados de biologia molecular, mas também
merece ser destacado pela sua competência em analisar esses
dados".
A apresentação oral nos Estados Unidos foi feita em
três partes. Barrera apresentou a introdução
e o modelo matemático; o professor Roberto Marcondes César
Jr., também do IME, apresentou os detalhes da implementação
computacional; e Del Portillo fez a interpretação
biológica dos resultados que a equipe obteve. Além
de Barrera e Del Portillo, a equipe é formada por professores,
pós-doutorandos, estudantes e técnicos dos Departamentos
de Ciência da Computação e Estatística
do IME e do Departamento de Parasitologia do ICB (Roberto Marcondes
Cesar Jr., David C. Martins Jr., Fernando Merino, Ricardo Z. N.
Vêncio, Márcio M. Yamamoto e Carlos Alberto de Bragança
Pereira).
Interação
entre ciências - Barrera explica que o sucesso do projeto
deve-se ao trabalho conjunto de áreas distintas que não
interagiam no passado. Há um século e meio, quando
a genética começou a se estabelecer, surgiu a tendência
de se estudar fenômenos que tivessem uma abrangência
maior de capacidade explicativa.
Atualmente, já se conhece bem a dinâmica do funcionamento
dos genes que controlam as vias metabólicas e que estão
por trás do funcionamento de qualquer organismo vivo. Sabe-se
que esses mecanismos - de uma bactéria, de uma planta, de
um rato ou de um ser humano, enfim, de todo organismo vivo - têm
por trás conceitos de bioquímica, biologia molecular
e celular. Têm expressão, têm tradução
e têm sinalização, entre outros. Assim, passou-se
a conhecer um conjunto de ferramentas, de entendimento biológico,
que se aplica tanto na agricultura quanto no câncer e no estudo
da malária. Barrera acredita que este é um momento
histórico. "Eu não tenho dúvidas de que daqui
a 200 anos, quando olharem a história da ciência, a
época em que vivemos hoje vai ser um marco notável:
a integração entre as ciências exatas e biológicas."
Essa aproximação já vem sendo construída
há vários anos. Na década de 60, por exemplo,
o prêmio Nobel de Medicina foi concedido a dois pesquisadores
que construíram um modelo matemático para explicar
como o sinal elétrico se propaga no neurônio. "Agora
se conseguem coisas análogas com os fenômenos de genética,
que são muito mais abrangentes", explica Barrera. Os fenômenos
neuronais servem para explicar fenômenos em alguns tipos de
organismos, enquanto os fenômenos de biologia molecular têm
aplicação em agricultura, pecuária, ecologia
e síntese de drogas, entre outras áreas. Por isso
são tão abrangentes. "E essa aproximação
vem da capacidade de medir grandezas associadas a fenômenos
importantes. Exemplos dessas grandezas são a corrente elétrica
em neurociência e a expressão em biologia molecular."
A física, por exemplo, se aproximou da matemática
quando se percebeu que, para descrever os fenômenos físicos,
era preciso medi-los. Uma ilustração disso são
as equações de cálculo diferencial usadas para
descrever movimentos, que são validadas pelas medidas de
deslocamento, velocidade e aceleração.
Fatos análogos ocorrem em biologia. No momento em que se
conseguiu medir a concentração de RNA - o sinal de
expressão que está envolvido nos fenômenos de
regulação metabólica - abriu-se espaço
para construir modelos matemáticos explicativos do que acontece
na regulação gênica. E, na medida em que passou
a ser possível construir esses modelos, já se pode
sonhar em escolher alvos para drogas a partir deles.
Os pesquisadores premiados: "Ganhamos porque
conseguimos fazer a classificação funcional de alguns
genes que outros grupos não conseguiram. Adotamos um modelo
matemático mais adequado para representar a interação
entre genes", diz o professor Junior Barrera
O
novo desafio
A ligação da biologia com a matemática vai
possibilitar, por exemplo, que antes de se desenhar uma nova droga,
que vai ter efeito em um determinado gene, possa-se simular o efeito
disso no computador. "É uma espécie de pré-processamento.
Simula-se o efeito da droga antes de se gastar muito tempo desenhando
a droga. Para explicar melhor a idéia, podemos fazer uma
analogia com o controle de tráfego urbano em uma grande cidade,
como São Paulo. Antes de se trocar uma via de direção,
pode-se simular no computador o impacto disso no fluxo de veículos."
Segundo Barrera, a perspectiva é imensa. Todas as doenças
conhecidas vão ter abordagens que passam pela biologia molecular,
desde o vírus HIV até o câncer. E o mesmo se
aplica à agricultura, pecuária e ecologia.
O modelo matemático foi o que permitiu aos pesquisadores
a análise da regulação dos genes no parasita.
"Nós ganhamos o prêmio porque aplicamos uma técnica
que ninguém estava aplicando nesse conjunto de dados. Nós
misturamos modelagem estatística com teoria de informação
para resolver um problema de biologia." A teoria de informação
é uma técnica matemática criada para projetar,
por exemplo, redes de comunicação por satélites
ou linhas telefônicas. "Num contexto de um certo modelo matemático,
aplicamos essa técnica para identificar as relações
entre os genes".
O próximo passo da equipe é tratar de forma sistemática
todos os dados dinâmicos disponíveis sobre regulação
gênica em malária. "O que nós tratamos até
o momento é um pequeno subconjunto dos genes. Agora nós
queremos fazer isso de forma sistemática em todos os genes
conhecidos e identificar redes de regulação. Para
isso, vamos precisar de um supercomputador."
O grupo espera que o resultado desse esforço seja a identificação
de novos alvos para erradicar a doença. "Se não formos
capazes de resolver o problema, esperamos que alguém o faça.
Pelo menos, esperamos contribuir com alguns tijolos na edificação
do conhecimento." Mas o prêmio recebido pelos pesquisadores
brasileiros mostra que o País está na ponta do conhecimento
na área.
Colaborou
Anna Maria Fernandes
|