Os
Jogos Olímpicos realizados no ano passado marcaram a maior
campanha da história do esporte brasileiro. Na Grécia,
a delegação brasileira conquistou um total de dez
medalhas, subindo ao ponto mais alto do pódio por quatro
vezes. Entretanto, mesmo com as duas medalhas de ouro do iatismo,
uma do vôlei masculino e outra do vôlei de praia, uma
das campanhas mais celebradas na Olimpíada foi a medalha
de prata obtida pela seleção brasileira de futebol
feminino.
Prata celebrada como um ouro não apenas pelo feito
inédito no futebol feminino , mas pelo contexto em
que se deu a conquista. No Brasil, o futebol ainda é, literalmente,
coisa de homem para homem, o que dificulta muito a formação
de uma equipe feminina. Não há, por exemplo, um campeonato
nacional dedicado à modalidade feminina e muitas das atletas
que foram para Atenas não tinham sequer uma equipe para treinar
ou jogavam em times de futebol de salão. Quando a gente
vai para os Estados Unidos, as pessoas ficam impressionadas com
a qualidade técnica das atletas, mas não acreditam
que aqui não exista um campeonato feminino de futebol em
nível nacional, afirma Juliana Cabral, capitã
da seleção brasileira que levou a prata em Atenas.
A atleta esteve no Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp)
para o encontro Futebol Feminino em Debate, realizado no dia 7 passado,
em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Na mesa estiveram presentes
também Antônio Carlos Pereira, representando a Secretaria
de Estado da Juventude, Esporte e Lazer, o professor Jorge Dorfman
Knijnik, da Escola de Educação Física e Esporte
(EEFE) da USP, Suzana Cavalheiro, professora do Cepeusp, e o jornalista
esportivo Paulo Calçade, da TV Record. Eles discutiram a
atual situação do esporte no País, o que mudou
após a conquista da medalha de prata e as perspectivas para
o futuro do futebol feminino brasileiro.
Em sua exposição, Calçade criticou a banalização
da imagem da mulher na mídia, sob o pretexto de abordar o
universo feminino, e afirmou que essa mesma abordagem
também é levada para a cobertura esportiva. Segundo
o jornalista, a atleta feminina é freqüentemente mostrada
como musa e enfocada pelo ponto de vista estético,
em detrimento da valorização da qualidade de seu trabalho
e de seu esforço. No caso do futebol, a exclusão da
mulher é ainda mais explícita, pois o homem
tem medo de perder esse espaço que é só dele,
afirmou Calçade. O futebol é, sem dúvida,
um universo machista e reacionário, em que não se
permite para a mulher nem sequer discutir o assunto.
O velho uso estereotipado da imagem da mulher como objeto a ser
consumido não é uma peculiaridade da mídia.
Esse tipo de comportamento vigora há muito tempo nos campos
de futebol e, o que é pior, em suas esferas mais altas. O
professor Jorge Dorfman Knijnik usa como exemplo o torneio chamado
Paulistana 2001, organizado pela Federação Paulista
de Futebol. Promovido como um torneio feminino de boa qualidade
técnica, mas sem esquecer a beleza e a feminilidade,
o campeonato tinha algumas peculiaridades na seleção
das atletas. Ranqueadas para nivelar o equilíbrio dos times,
foi permitida apenas a participação de jogadoras entre
17 e 23 anos e, segundo Knijnik, houve denúncias de jogadoras
que não participaram do campeonato por terem cabelo curto,
pele negra, ou qualquer outra característica que não
se encaixasse num determinado padrão de beleza. Infelizmente,
o fato não teve na mídia a repercussão que
deveria ter, disse o professor.
Anos depois, a seleção brasileira feminina enfrentou
a Bolívia, no Morumbi, valendo pelas eliminatórias
da Copa do Mundo. Seria uma oportunidade para organizar uma
partida da seleção feminina, apresentá-la ao
público brasileiro, mas novamente optou-se por uma partida
entre modelos.
A professora Sônia e a jogadora Juliana
no debate sobre futebol feminino no Cepê: longe de estereótipos
Faculdade
Um exemplo sintomático do que acontece no futebol é
a própria capitã Juliana. Ela ganha dinheiro hoje
jogando futebol de salão e afirma categoricamente que está
mais empolgada com a bolsa de estudos oferecida pela faculdade que
patrocina sua equipe do que com o futebol. A minha decepção
com o futebol feminino hoje é muito grande e eu prefiro incentivar
as atletas mais novas a fazer uma faculdade a aconselhar que continuem
praticando o esporte, contou.
Mas o debate mostrou uma luz no fim do túnel, graças
à promessa do representante da Secretaria de Esporte, Antônio
Carlos Pereira, de criar um campeonato paulista de qualidade em
2005, bem organizado, livre para a participação de
qualquer atleta e sem taxa de inscrição, restando
ao clube ou instituição participante somente o custo
do transporte.
O debate no Cepeusp mostrou que, como em qualquer outra área
do mercado de trabalho, também no futebol as mulheres ainda
lutam contra o preconceito para conquistar espaço e o direito
de jogar futebol. Se depender do que foi visto no evento, elas estão
no caminho certo: no ano passado, o debate sobre futebol feminino
no Cepeusp contou com pouco mais de 30 pessoas presentes. Neste
ano, o auditório do Cepê estava completamente lotado
de atletas, técnicos e pessoas relacionadas com o futebol
feminino.
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