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Contar
a história do Brasil de um jeito que permite aos brasileiros
voltarem no tempo. E se aventurarem por mares nunca dantes navegados,
seguindo os primeiros mapas usados para demarcação
de terras. Ver de perto a linha imaginada do Tratado de Tordesilhas
preparada pelo cosmógrafo português Luís Teixeira,
com destaque à inclusão da margem oriental do Rio
da Prata até a foz do Amazonas. Ou observar os primeiros
diários de viagem.
É assim, em um cenário montado especialmente para
transportar crianças e adultos para os séculos 16,
17 e 18, que o Museu Paulista, o popular Museu do Ipiranga, se aventura
em apresentar um Brasil pouco conhecido dos brasileiros. Nessa proposta,
está inaugurando a mostra Cartografia de uma História
São Paulo Colonial: mapas e relatos, que, através
de suportes audiovisuais, destaca as curiosidades da cartografia.
O público tem a oportunidade de observar como nasceram os
primeiros contornos da América, do Brasil e de São
Paulo. Esta exposição representa para o museu
um momento importante de divulgação de uma de suas
linhas de pesquisa, vinculada à história das representações,
explica a diretora do museu, professora Eni de Mesquita Samara.
Ou seja, os visitantes podem vivenciar as novidades que aconteciam
naquele tempo e se transportam também para os gabinetes de
trabalho da época. Além disso, mapas, relatos, pinturas
e objetos da cultura material mostram o cotidiano das expedições
e ajudam a entender melhor o elemento humano, formando os contornos
da nossa história.
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Objetos e imagens apresentados na mostra: exposição
transporta crianças e adultos para os séculos 16,
17 e 18
Contornos
do cotidiano
Para recompor o dia-a-dia daqueles engenheiros, há, por exemplo,
o diário de viagem de José Custódio de Sá
e Faria, de 1774 a 1776, que traz mapas de viagens realizadas entre
a cidade de São Paulo e a situação dos presos
paulistas. Também com base no tratado O engenheiro português,
de Manoel de Azevedo Fortes, é possível imaginar como
seria o gabinete de desenho dos engenheiros do século 18:
sua mesa de trabalho, suas folhas de papel, o estojo de matemática,
as primeiras linhas a lápis, apagadas com miolo de pão.
É possível também entender como preparavam
as penas, empunhavam-nas corretamente, riscavam a nanquim, preparavam
as tintas, aquarelavam as cartas e colavam as diversas folhas com
cola de Inglaterra.
Através da mostra, o público percebe que o controle
das terras descobertas pelos portugueses no século 16 demandou
um novo tipo de profissional, menos afeito às questões
náuticas e muito mais às questões terrestres.
Embrenhar-se nas terras do novo mundo, mapeá-las e
estabelecer um sistema de defesa eficiente implicava novos procedimentos,
técnicas e instrumentos, observa Eni. O século
17 marcou o fim da era dos cosmógrafos e o início
da era dos engenheiros militares especializados nas questões
de guerra, na fundação de cidades e também
no mapeamento de grandes superfícies terrestres. Mais de
duas centenas de engenheiros atuaram no Brasil entre os séculos
16 e 18.
Uma canoa cavada à moda indígena, em um grande tronco
de madeira, instalada no centro de uma das sete salas da mostra,
sugere o passeio pelo rio Tietê do século 18. A música
composta por Ana Maria Kieffer, com cantos de pássaros, o
som das cachoeiras, os animais no meio das matas, os cantos dos
índios e as rezas para abençoar os viajantes, vai
transportando o público para o tempo das monções.
Levam a Porto Feliz, ponto de partida das expedições
que expandiram as fronteiras brasileiras em busca das minas de ouro
de Cuiabá, no Mato Grosso.
A mostra Cartografia de uma História é
um projeto desenvolvido há mais de um ano pela Cátedra
Jaime Cortesão, órgão da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, com apoio do Instituto
Camões e do Ministério dos Negócios Estrangeiros
de Portugal. A escolha do Museu Paulista para a organização
do evento prende-se à sua tradição no estudo
da cartografia histórica e ao seu papel como o mais importante
museu de história do País, explica Vera Lucia
Amaral Ferlini, presidente da Comissão Gestora da Cátedra
Jaime Cortesão. A nossa meta foi colocar à disposição
do público, em perspectiva educativa, a produção
cartográfica tomada como fonte para a história e não
como preciosidade.
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Projeto
premiado
A preocupação de apresentar ao público um Brasil
pouco conhecido e de fazer com que os brasileiros interajam com
o acervo (proposta das duas últimas exposições
temporárias) marca um novo tempo na história do Museu
Paulista. Através de cuidadosos projetos museológicos,
de comunicação visual, de ampla pesquisa histórica,
o museu mais visitado do País recebe cerca de 350
mil visitantes por ano de todo o Brasil e do exterior se
moderniza e vai em busca dos recursos técnicos e das inovações
dos grandes museus da Europa. Nós pretendemos transformar
as nossas áreas expositivas, procurando torná-las
mais compreensíveis aos visitantes, observa Eni. Queremos
adequar os ambientes para que o público possa interagir com
os objetos e as pinturas.
Neste mês, o Museu Paulista está recebendo um prêmio
de R$ 310 mil da Caixa Econômica Federal e do Ministério
da Cultura por um de seus projetos de modernização,
que inclui a reforma das salas da ala oeste, onde está sendo
apresentada a mostra Cartografia de uma História.
A área que foi beneficiada com essa verba é
exatamente onde estão telas raras, como as do descobrimento
do Brasil e as das monções, além da única
maquete da época em que São Paulo tinha apenas 20
mil habitantes, em 1841, explica Eni. Ficamos satisfeitos
porque a reforma faz parte de um amplo programa de revitalização
do prédio, que inclui obras que se estenderão por
mais de dois anos.
Esse projeto, sob a curadoria e coordenação dos historiadores
Paulo Garcez Martins e Solange Ferraz de Lima, tem como objetivo
a reformulação das exposições, compreendendo
um espaço de 438 metros quadrados. As mudanças
encontram-se pautadas pelo Plano Diretor do Museu Paulista, integrando
um esforço institucional desenvolvido desde o início
da década de 1990, no sentido de atender à definição
do museu como espaço expositivo dedicado às temáticas
da história e da cultura material, esclarece Martins.
A nova concepção, segundo os historiadores Martins
e Solange, procura evitar a apropriação das telas
pelo público como retratos realistas, contemporâneos
ao momento representado, o que nem sempre as etiquetas e textos
existentes asseguram. O público vai poder compreender
e apreciar melhor as grandes telas de Almeida Júnior e Benedito
Calixto, entre outros, acredita Martins. Irão
percebê-las não como uma reprodução de
uma paisagem, mas como o olhar criativo do artista sobre uma determinada
época.
Nessa linha, o museu destaca e valoriza a pintura acadêmica.
E, ao mesmo tempo, permite ao visitante entender melhor o artista
e a técnica que empregou. A dimensão imaginária
presente na concepção e nas encomendas das telas será,
assim, mais claramente explicitável, reforçando sua
apreensão como documentos dos séculos 19 e 20, portadores
de sentidos ideológicos e concepções artísticas
específicas, afirma Martins.
Mudanças
pontuais
O projeto prevê mudanças pontuais que vão facilitar
até a circulação do público. O corredor
(módulo 2), que abriga atualmente as pedras lavradas (pias
batismais, banheira, fragmentos arquitetônicos) e cadeirinhas
de arruar, será deslocado para outro ponto do museu. Nessa
área, tirando proveito da arquitetura de reentrâncias
e nichos, de um lado serão dispostos painéis com fotografias
ampliadas que referenciam o fazer e o aprendizado dos pintores e
escultores acadêmicos (fotografias de ateliês e salões
de arte, notícias sobre o artista ou as obras em questão
divulgadas em jornais da época) e o ambiente das escolas
de pintura e da Academia de Belas Artes (salas de aula, programas
de cursos). Do outro lado, nos arcos correspondentes às portas-balcão,
serão instalados painéis formando uma linha do tempo
que contextualizarão a trajetória das artes plásticas
no Brasil a partir do século 19, com ênfase na difusão
do gênero pintura histórica.
Também as salas que atualmente abrigam, além das pinturas
históricas, diversos objetos do período colonial (instrumentos
náuticos, marcos de posse em pedra, embarcação
monçoeira, âncoras) serão dedicadas exclusivamente
às pinturas históricas, algumas das quais serão
deslocadas da reserva técnica. As telas que representam o
descobrimento, a fundação de vilas, o bandeirantismo
e as monções serão, portanto, o foco principal
desses espaços, que reunirão ainda esboços,
estudos e correspondência relativa às encomendas que
permitam a decomposição da sua concepção
artística e trajetória institucional.
Outra novidade prevista no projeto é a disposição
das telas a óleo que representam a cidade de São Paulo
no século 19, pinturas que foram encomendadas em sua maioria
a pintores como Benedito Calixto, José Wash Rodrigues e Henrique
Manzo. Tais representações pictóricas
da cidade foram baseadas na série de fotografias tiradas
por Militão de Azevedo na década de 1860, cujos originais
foram adquiridos recentemente pelo museu, explica a historiadora
Solange Ferraz. Essas telas têm, portanto, a mesma base
documental que a maquete da cidade de São Paulo instalada
na sala seguinte, o que permite à nova montagem da sala funcionar
como elo entre aquelas anteriores, relativas à pintura histórica,
e as seguintes, que representam a história mediante figurações
tridimensionais.
O mais curioso é a reconfiguração do uso da
maquete. O público não se limitará apenas a
contemplar a cidade de São Paulo, mas poderá ter elementos
para compreender a sua realização e idealização.
Assim, as fotografias de Militão, que são a base iconográfica
para a representação tridimensional, serão
projetadas nas quatro faces da sala, sendo simultâneas à
narração sonora e à iluminação
do fragmento da maquete a elas correspondente.
Outro destaque é a instalação das salas das
miniaturas. A cidade será fragmentada em souvenirs, permitindo
a sua apropriação individual. Chaveiros, miniaturas
arquitetônicas, postais, selos e medalhas cunhadas com representações
de São Paulo ou de figurações artísticas
abordadas nas salas anteriores são exemplos de artefatos
que serão expostos, evidenciando a efetivação
de um projeto de concepção da história do Brasil
e da cidade numa esfera delicada, marcada pelos suportes afetivos
e da memória pessoal.
Na trilha dos museus europeus
O
Museu Paulista continuará belo e imponente. Um cartão-postal
de São Paulo. Mas, a partir do próximo semestre,
os visitantes vão ser recepcionados com o conforto
e a organização dos museus europeus. O hall
terá quatro catracas eletrônicas, sendo uma para
acesso de portadores de necessidades especiais. Também
será instalada uma nova bilheteria e um balcão
de informações que irá orientar sobre
cada um dos acervos e dos espaços.
O acolhimento ao público será muito mais
agradável, garante a diretora Eni de Mesquita
Samara. Nós teremos audioguias, um tótem
multimídia para que o visitante tenha todas as informações
sobre o museu e seu acervo. Enfim, quando as pessoas entrarem,
vão poder escolher por onde iniciar a visita.
Eni explica que as mudanças no hall são a contrapartida
do museu para o prêmio que recebeu da Caixa Econômica
Federal e Ministério da Cultura. Pretendemos
desenvolver esse projeto com a verba do próprio museu.
A diretora tem muitos planos que estão na pauta do
debate diário com a sua equipe. Há a previsão,
também até o final do ano, da reforma do auditório,
que deverá ter um total de 50 lugares (parte deles
reservados para portadores de deficiência física),
com ar-condicionado, equipamentos de segurança, de
luz e som. Para essa execução estão
sendo previstas prospecções nas paredes, consertos
na laje, troca de todo o assoalho, que vai reconstituir o
desenho original, e poltronas confortáveis.
Outro projeto é o da reforma no subsolo, que terá
uma sala para o serviço educativo, banheiros com fraldário,
uma loja com livros de arte e história, camisetas e
souvenirs e um simpático café, onde os visitantes
poderão descansar, ler e conversar. Nessa área
será instalado também um elevador, que irá
atender especialmente aos idosos e aos portadores de deficiência.
Todos os nossos projetos estão sendo cuidadosamente
estudados para preservar a arquitetura e atender às
normas do Condephaat e Iphan.
Para concretizar esses projetos, o Museu Paulista tem o apoio
da USP e da Fundação Vitae e vem se empenhando
para conseguir a colaboração de outros patrocinadores.
São projetos que esperamos realizar até
2007, diz Eni. Para tanto, esperamos o apoio das
instituições, dos empresários. Enfim,
uma parceria para que o museu possa continuar recepcionando
o público com toda a comodidade e apresentar exposições
que destacam a grandeza da nossa história.
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