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vitórias diárias na
vida das crianças surpreendem familiares
Reflexos e vultos. Sombras e luzes indefinidas. É
a isso que se resume a visão da maioria das 20 crianças
atendidas a cada semana no Setor de Deficiência Visual do
Centro de Distúrbio da Audição, Linguagem e
Visão (Cedalvi). O serviço engloba, desde o início
da década de 90, as ações de reabilitação
do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais
da USP, o Centrinho de Bauru, e de sua parceira, a Fundação
para o Estudo e Tratamento das Deformidades Craniofaciais (Funcraf).
Na verdade, este setor surgiu de um projeto de pesquisa do
curso de especialização em reabilitação,
com bolsa da Capes, realizado entre 1989 e 1990. Hoje, com apenas
uma pedagoga especialista em deficiência visual, prova que
quando um profissional acredita em suas competências e sonhos
pode transpor barreiras, destaca o superintendente do Centrinho,
professor José Alberto de Souza Freitas, o Tio Gastão.
E não se trata de números, mas de pessoas que
têm suas vidas modificadas, nesse caso, graças às
atividades pedagógicas aplicadas à reabilitação.
De fato, a rotina do serviço que atende crianças
de 0 a 9 anos com baixa visão ou cegueira, já devidamente
diagnosticadas por oftalmologista tem permitido a muitas
famílias um sentimento antes inimaginável. Foi o que
aconteceu com a mãe da menina Lorena, hoje com 5 anos: Eu
sempre achei que minha filha dependeria de mim durante a vida toda,
admite Simone Ferreira. Mas desde que ela passou a freqüentar
as aulas do Cedalvi, em 1999, fiquei encantada. Hoje, seis anos
depois, posso dizer que ela já tem sua independência,
pois toma banho sozinha, se alimenta e troca de roupa sem a ajuda
de ninguém, comemora.
A dona de casa Leonilde Pereira de Alencar, mãe de Felipe,
de 9 anos, também ressalta sua dificuldade inicial de acreditar
nos resultados do trabalho pedagógico: Quando eu cheguei
aqui, a pedagoga perguntou o que eu esperava desse programa. Respondi:
que meu filho nunca mais use óculos e enxergue tudo.
Quando ela explicou o que ia fazer com ele e que tudo poderia demorar
muito, fiquei decepcionada e pensei em não voltar mais,
relata. A mãe ainda tentou seguir as recomendações
da pedagoga, fazendo leituras de histórias para Felipe. Ele
não prestava atenção e eu parava. Não
tinha paciência de ensinar, recorda-se. Leonilde confessa
que ela mesma só passou a se interessar e a acreditar no
trabalho pedagógico quando percebeu mudanças em Felipe.
Para Suzana Rabello, a pedagoga especializada em deficiência
visual responsável pelo atendimento dessa área no
Cedalvi, a participação da mãe é fundamental,
como em todo processo de reabilitação e inclusão.
No caso da família de Felipe, o desempenho do garoto deu
um salto significativo quando a mãe percebeu e entendeu o
sentido de contar histórias para ele, de mostrar as letras
e suas diferenças. Enfim, a participação da
mãe ajudou e muito no processo de aprendizagem
do garoto. Parece incrível, porque o Felipe nem reconhecia
as letras e hoje já escreve e até amarra o cadarço
sozinho, emociona-se Leonilde.
Autonomia
Essas mudanças resultam do estímulo e das vivências
propiciados por atividades pedagógicas (complementares ao
ensino regular) realizadas todas as terças, quintas e sextas-feiras
com pacientes devidamente matriculados no programa. Depois de diversas
avaliações, entre elas avaliação funcional
da visão e global do desenvolvimento do paciente, a pedagoga
define as atividades necessárias para cada criança,
de acordo com a faixa etária e o diagnóstico. Há
atividades de estimulação visual e sensorial, de vida
diária (com uma cozinha equipada para desenvolvimento de
tarefas básicas, como abrir a tampa de uma lata), de orientação
e mobilidade, reforço pedagógico e escrita em braile.
Com as crianças de 0 a 3 anos de idade, é realizada
intervenção precoce, com exercícios de estimulação
dos sentidos. Tato, audição, olfato e paladar são
estimulados para que a criança conheça o ambiente
e consiga interagir com pessoas e objetos. Com os deficientes visuais
de 4 a 6 anos, é feito um trabalho de pré-alfabetização,
com atividades que envolvem situações da vida diária
e utilização de materiais pedagógicos adaptados.
Também orientamos e assessoramos professores de Emeis
(Escolas Municipais de Educação Infantil) e do ensino
básico sobre aspectos educacionais da criança deficiente
visual, conta Suzana. Só em 2004 foram oferecidos 938
atendimentos de pedagogia em deficiência visual. Profissionais
do Cedalvi oferecem atendimentos complementares de psicologia, serviço
social e fonoaudiologia às crianças deficientes visuais
sempre que necessário. Suzana Rabello reconhece que, na rotina,
o mais difícil é explicar aos pais que todo processo
de reabilitação costuma ser demorado. Eles chegam
desmotivados e muitos pensam em desistir, mas depois é gratificante
ouvir os relatos das pequenas vitórias cotidianas,
conta.
Roberto Candiane Targa, de 29 anos, e sua mãe, dona Gilda,
freqüentam o Cedalvi há mais de seis meses. Toda semana
eles saem do bairro Chapadão, em Bauru, onde moram, e pegam
dois ônibus para chegar ao Cedalvi. A razão é
o aniversariante do mês: Davi Aparecido Targa, que acaba de
completar um ano. Nascido prematuramente aos seis meses ,
o garoto apresenta uma retinopatia da prematuridade, que o impede
de enxergar normalmente. Com quatro meses de reabilitação
no Cedalvi, o Dadá já engatinhava e observava com
atenção brinquedos e objetos coloridos, conta
a avó. Para o pai, todo o esforço para manter a reabilitação
do filho será recompensado. Ele é esperto e
está se desenvolvendo bem, diz.
A mesma luta começa para os pais de Luiz Carlos de Lima e
Josefa de Oliveira Souza de Lima, moradores do bairro Nova Bauru,
que acabam de ter a filha, Dayane, de 10 anos, encaminhada para
o Cedalvi. Com apenas 30% de visão, a menina, que desde bebê
foi atendida pelo Serviço de Visão Subnormal da Universidade
de Campinas (Unicamp), necessita de um treinamento com telelupa
para ler as matérias escolares na lousa. Até
então, viajamos para Campinas. Agora, a Dayane precisa de
um acompanhamento mais freqüente, por isso procuramos o Centrinho
, explica Lima. A telelupa é um recurso que permite
aproximar o foco deixando o objeto visualizado o mais perto possível
do deficiente visual, viabilizando a definição dos
objetos a longa distância. Para a Dayane, a telelupa
será usada para enxergar e ler as matérias da escola.
Pelo menos é bem melhor do que ficar com a carteira muito
perto da lousa, diz a mãe Josefa.
Em
braile
Dos alunos às mães, todos põem dedo ante dedo
na máquina de braile, no desejo profundo de estabelecer comunicação
com o mundo. As mães que enxergam querem ajudar a alfabetizar
o filho; os filhos, querem se manifestar, olhar adiante através
do toque dos dedos. Desde março de 2004, o programa deu um
salto de qualidade com a utilização da máquina
fabricada pela Associação Brasileira de Assistência
ao Deficiente Visual, com valor estimado em R$ 2.500,00, cedida
ao Cedalvi pela Associação das Mulheres Unimedianas
(AMU).
A máquina de datilografia braile é a maneira mais
rápida e prática para esse tipo de escrita. Com exceção
de algumas pessoas cegas que têm acesso a modernos recursos
de informática, a maioria necessita da máquina braile,
que tem papel fundamental na educação da pessoa com
visão subnormal ou cega.
Serviço
inspira pesquisa acadêmica
O
trabalho realizado no Cedalvi estimulou uma aluna de jornalismo
a fazer o seu trabalho de conclusão de curso na área.
Em 2003, sob orientação da pedagoga Suzana Rabello
e do professor João Batista Neto Chamadoira, da Faculdade
de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), Aline Zero Soares criou uma audiorevista
infantil intitulada Barulho Bom um kit composto por
CD, fantoche e folheto explicativo em braile , com o
objetivo de adaptar um veículo de comunicação
para o público infantil deficiente visual com cegueira.
No trabalho, a jornalista cita que sua intenção
foi criar um instrumento de inclusão do público-alvo,
uma vez que a audiorevista se propõe a atender às
necessidades especiais das crianças com cegueira.
A orientadora Suzana Rabello destaca que a jornalista teve
o cuidado de pesquisar e utilizar na revista recursos capazes
de estimular outros sentidos das crianças com cegueira,
aliando elementos lúdicos e educativos. Foi,
antes de tudo, uma pesquisa minuciosa de observação
da rotina pedagógica do nosso trabalho. A partir daí
a jornalista definiu a linha editorial da revista, explorando
atividades de estímulo do raciocínio e fazendo
as adaptações necessárias para se cumprir
três objetivos primordiais: educar, incluir e entreter
as crianças, diz.
Segundo a pesquisa, em geral as pessoas com cegueira são
mais estimuladas a desenvolver atividades artesanais, em detrimento
das atividades intelectuais. Ao ouvir Barulho Bom, nota-se
imediatamente a preocupação em explorar habilidades
como percepção musical e conhecimento dos movimentos
do próprio corpo. O trabalho de Aline chama nossa
atenção por ressaltar a ausência de produções
de comunicação direcionadas para suprir as necessidades
especiais desse público , adverte o orientador
Chamadoira.
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