
Quando
o movimento de construção da sociedade da informação
iniciou-se, a expectativa era de criação de uma cibersociedade.
Ensejava-se um avanço em direção à constituição
de uma verdadeira sociedade igualitária, baseada em princípios
de acesso democrático à tecnologia e à informação
como instrumentos de desenvolvimento social e econômico, criando
uma aproximação entre nações nunca antes
sonhada.
No Brasil, o Programa Nacional de Informação iniciou-se
em 1994 e voltou-se ao provimento da necessária infra-estrutura
tecnológica e de telecomunicações. Implantaram-se
telecentros/infocentros e o acesso e disseminação
da informação tornaram-se realidade, ainda que de
modo restrito às grandes cidades. Também investiu-se
em bibliotecas digitais, virtuais, portais e vortais, esteios essenciais
às iniciativas de inclusão digital e informacional.
Porém, muito ainda precisa ser feito.
Persistem as dificuldades de acesso nas zonas rurais (algumas localidades
experimentam somente agora o benefício da eletricidade).
Existem poucos conteúdos baseados na cultura local. O Programa
PC Conectado, sugerido pelo Comitê para a Democratização
da Informática, ainda é um passo modesto na ampliação
da inclusão digital. Nesse cenário, entende-se que
a inclusão digital deve ser encarada como um processo complexo
(e portanto sistêmico). É preciso refletir sobre o
caminho a ser traçado da inclusão digital à
efetiva inclusão social.
Ao tomar posse do cargo de diretor do Instituto Brasileiro de Informação,
Ciência e Tecnologia (IBICT), o professor e pesquisador Emir
Suaiden anunciou que dará prioridade à ação
de inclusão social a partir do estabelecimento de uma cultura
informacional, baseada na leitura e escrita. A sociedade da
informação só existirá quando houver
para ela uma cultura correspondente, definida além do resultado
mecânico de uma acumulação de tecnologias ou
da alfabetização computacional.
Segundo Suaiden, o maior problema para a inclusão do País
na sociedade da informação não é a falta
de computadores, mas a falta de informação em linguagem
acessível e de mediadores de informação, para
que os avanços da ciência e tecnologia cheguem ao cidadão
comum. É preciso preparar as pessoas para que realmente se
apropriem da informação como instrumento de construção
de conhecimento, tanto científico quanto prático.
Nesse sentido, o ano de 2005 é especial em muitos aspectos,
mas particularmente porque em novembro acontecerá em Túnis,
na Tunísia, a segunda fase da Cúpula Mundial da Sociedade
da Informação (World Summit on the Information Society).
Da primeira fase, em 2003, em Genebra, na Suíça, até
o início deste ano, as discussões evoluíram
em direção à definição de várias
linhas de ação e aplicação da tecnologia.
Os membros da força-tarefa dedicada à educação,
academia e pesquisa sublinham a necessidade de integração
entre os vários agentes civis, especialmente aqueles ligados
à educação, tais como docentes, bibliotecários,
pesquisadores, cientistas da computação etc. Em uma
sociedade de conhecimento, o ponto central é o ser humano.
Por isso é preciso superar a ênfase tecnocrata e tecnológica.
Os agentes educacionais devem ser valorizados, pois atuam como mediadores.
Observa-se, portanto, uma convergência de esforços
em torno do elemento humano no processo de inclusão digital,
visando à inclusão social. A inclusão digital
é necessária, porém acessória no processo
de formação do sujeito (enquanto ator social) e cidadão.
A fim de alcançar a inclusão social, é preciso
preparar as pessoas para que se apropriem da informação
em um nível mais elevado. Pressupõe a incorporação
e mobilização de novas habilidades, conhecimentos
e atitudes direcionados ao exercício da cidadania e à
aceitação da diversidade. Isso significa assumir que
as pessoas podem ter atitudes e práticas diferentes e, ainda
assim, conviverem e partilharem objetivos comuns. Uma sociedade
inclusiva aceita a diversidade.
O sistema educacional, as entidades civis e governamentais podem
contribuir para essa mudança, indo além do entendimento
positivista e conteudista da educação tradicional,
em direção à capacidade de lidar criticamente
com o conhecimento. Diante da complexidade do mundo contemporâneo,
é hora de avançar para além dos saberes compartimentados,
transgredir e buscar a mudança na educação,
de forma a considerar o paradigma da complexidade e a conseqüente
transdisciplinaridade. O projeto pedagógico assume, assim,
um caráter emancipatório, que significa formar um
sujeito capaz de se definir e ocupar espaço próprio,
a partir de dois suportes: a auto-sustentação e a
autogestão. Então, qual seria o caminho para uma educação
emancipatória?
A educação pela pesquisa, dentro de uma visão
propedêutica, é uma trajetória possível.
Uma vez que a qualidade educativa fundamenta-se em procedimentos
metodológicos, a educação pela pesquisa deve
ser estimulada. Nas palavras do educador Pedro Demo, é preciso
desmistificar a pesquisa e superar a separação entre
ensino, pesquisa e extensão. A pesquisa, como princípio
científico e educativo, conduz ao diálogo e instrumenta,
pois é parte do processo emancipatório. Dessa forma,
há que se buscar o enriquecimento das situações
de aprendizado, incorporando novos espaços e a cultura da
informação e do conhecimento. Nesse contexto, a biblioteca
e os bibliotecários são agentes de mudança
e mediadores no processo. A resolução de situações-problema
e a elaboração de projetos ensejam a criação
de soluções capazes de unir conhecimento e cidadania.
Iniciativas importantes são os Repositórios Institucionais
Eletrônicos baseados em tecnologias abertas e a criação
de Centros de Documentação e Memória. Também
o são os Portfólios Eletrônicos, onde alunos
expõem sua produção e história acadêmica.
A tecnologia, nesse caso, contribui para a visibilidade da ciência,
proporcionando o amplo acesso à informação.
Porém, mesmo assim, o acervo impresso das bibliotecas não
deve ser menosprezado. Nos últimos anos, a aquisição
de livros diminuiu muito, assim como diversas assinaturas de periódicos
foram restringidas, sob o pretexto dos acessos eletrônicos.
Olhando pelo prisma da qualidade, a queda dos investimentos em materiais
impressos representa sempre uma perda.
Sobrepujar a visão reducionista do fenômeno educativo
faz aflorar o caráter emancipatório da educação.
Por isso a ênfase no processo de reconstrução
do conhecimento, o desenvolvimento de habilidades e atitudes de
pesquisa, o estudo autônomo, assim como o aprendizado permanente.
Às instituições educacionais fica o compromisso
de considerar a totalidade da qualidade de ensino e aprendizagem.
Voltar-se à responsabilidade social, transparência
e sentido ético. A constante reavaliação do
projeto educacional é condição para ir além
do discurso. Dessa forma, a inclusão social poderá
tornar-se uma realidade.
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