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Santos: muito a descobrir

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Sanatório em Bruxelas na década de 30: tuberculose acomete 380 mil pessoas por ano

Pouca gente soube, mas vários médicos brasileiros adoeceram gravemente nos últimos meses vítimas da tuberculose. Ao contrário do que sugere seu apelido vulgar – “doença de pobre” –, o mal causado pelo bacilo inalado não escolhe classe social para agir. Aliás, entre 80% e 90% da população brasileira alberga a bactéria da tuberculose sob sua forma latente e sequer desconfia. Desse total, 10% desenvolverão a doença ao longo dos anos de embate invisível entre o invasor microscópico e as forças de resistência do organismo. Parte dos doentes pode se recuperar com o tratamento proposto, mas outros vão morrer.

As afirmações acima devem ser creditadas a um homem que estuda a doença desde a década de 80: o chefe do Laboratório de Tuberculose do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em São Paulo, professor Manoel Armando Azevedo dos Santos. Aos 55 anos, o professor – graduado em Odontologia na década de 70 pela Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP – luta para demonstrar que a tuberculose (cujo alvo preferencial é o pulmão) não pode ser encarada como uma “doença esquecida”.

De passagem recente pelo interior paulista, onde proferiu palestra nas Faculdades Integradas de Bauru (FIB), Santos – que é bauruense de nascimento – acionou um alerta amparado em estimativas que são um convite à reflexão: de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1/3 da população mundial pode estar infectada pelo bacilo da tuberculose. São registrados 382 mil novos casos da doença anualmente nos países desenvolvidos e – não perca a conta – 1,3 milhão de casos nos países em desenvolvimento. No Brasil (14o colocado na incidência mundial, com quase 90 mil doentes), a estimativa é de 58 novos casos para cada grupo de 100 mil habitantes. O País já está entre os 20 que concentram cerca de 80% dos casos no mundo.

Com tantos números, é possível concluir que há um mapeamento da doença no Brasil? Para Manoel dos Santos, sim. “Mas ainda falta identificar os tipos genéticos dos organismos responsáveis por essa incidência nacional. O que temos são projeções que ajudam, mas não de forma conclusiva”, observa. Um estudo epidemiológico mais completo já está em curso e mobiliza sete alunos de pós-graduação e uma técnica, que trabalham diretamente com Santos na USP.

E já há boas novas: uma equipe itinerante interdisciplinar da USP – composta por microbiologistas, médicos e veterinários – poderá iniciar, ainda em 2005, uma “cruzada” contra a tuberculose em várias regiões do Brasil. Objetivo: iniciar um trabalho estatístico ligado aos tipos genéticos do bacilo, conhecer aspectos do tratamento fora da metrópole, alertar para um possível avanço na troca de bacilos entre o ser humano e animais domésticos e examinar a população mais carente – de recursos e de informação. “Esse é mais um fruto dos vários estudos que estão em curso no nosso laboratório para mostrar o que deveria ser óbvio: a ciência não pode encarar a tuberculose como uma página virada. Ainda temos muito a descobrir”, diz o professor.

Santos cita como exemplo a “excelente pesquisa” do colega Célio Lopes Silva, ex-chefe do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). Também coordenador da Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose, Silva buscou desenvolver uma “vacina definitiva” (preventiva e terapêutica) para tuberculose. Parênteses: a conhecida BCG, aplicada na infância, protege contra variações graves da doença e também as formas extrapulmonares, mas só até a juventude. Testada com êxito em animais de laboratório, no final da década de 90, a vacina gênica – “ou vacina de DNA”, como ficou conhecida – ainda continua em testes. No momento, Célio Silva está em Londres, de onde só deve retornar em agosto, após trabalhar com colaboradores internacionais.

Mulher urbana

Pós-doutorado em biologia molecular bacteriana no Centers for Disease Control (CDC) de Atlanta (EUA), Manoel dos Santos acrescenta que há tantos tabus em torno da tuberculose que até mesmo o ato de escarrar – necessário para a coleta de material a ser examinado – ainda causa repulsa. “A mulher urbana não sabe e não parece disposta a aprender a fazer isso”, emenda. “Então, buscamos alternativas de diagnóstico, como a análise do cuspe ou saliva.” Santos é ainda mais enfático ao falar do estágio atual da pesquisa sobre a doença. “Encaremos os fatos: ainda estamos no passado.” Para ele, há fatores complicadores que nem sempre são considerados quando se trata de disseminação da doença.

E exemplifica: “No passado distante (segunda metade do século 19, quando o bacilo da tuberculose foi descoberto), as condições de higiene entre homem e animal eram bem diferentes das atuais. O animal podia participar, também, da transmissão do bacilo para o homem. Atualmente, com a convivência dos animais domésticos na quase totalidade de espaços públicos e privados das nossas cidades, somos nós que estamos transmitindo a bactéria para cães, gatos, papagaios etc. caracterizando-a como uma zoonose.”

Como se vê, a doença que matou tantos poetas brasileiros num passado não tão remoto precisa estar na pauta da ciência e na agenda das autoridades de saúde. “Nosso trabalho não é para alarmar, mas conscientizar”, considera Santos. “Para tanto, não podemos sair do nosso caminho, que é pesquisar sempre, para encontrar a solução definitiva contra esse grande mal chamado tuberculose.”

 

 

Estudos começaram com Koch

Os organismos causadores da tuberculose, pertencentes ao chamado complexo mycobacterium tuberculosis, só foram estudados a partir de 1882 pelo pesquisador alemão Robert Koch. Desde então, cientistas – muitos dos quais, brasileiros – tentam chegar a uma vacina de efeito prolongado contra a doença. Enquanto ela não vem, resta redobrar a atenção aos sintomas para dinamizar o tratamento. Cansaço, perda de apetite, tosse crônica, catarro com sangue, febre e suores noturnos são alguns deles. Se exames auxiliares do escarro – como radiografia do tórax e testes microbiológicos (baciloscopia, cultura e PCR) – confirmarem a suspeita, o tratamento adequado deverá ser proposto por um médico. Em hipótese nenhuma o tratamento deve ser abandonado.

Mais informações podem ser obtidas no Laboratório de Microbactérias do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP (www.icb.usp.br, telefone 11 3091-7296) e na Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto (www.redetb.usp.br, telefone 16 602-3228).

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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