O que a sabedoria popular propaga há muito tempo
começa a ser confirmado pela ciência, ou pelo menos
por um grupo de pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária
e Zootecnia (FMVZ) da USP. O guaraná (Paullinia cupana),
planta típica da Amazônia, e o ginseng brasileiro (Pfaffia
paniculata), natural da bacia do rio Paraná, demonstraram
em modelos experimentais propriedades capazes de prevenir e tratar
lesões que podem evoluir para câncer. A partir de trabalhos
de iniciação científica, estudantes levaram
para o mestrado o interesse pelos conhecimentos tradicionais das
popularmente chamadas plantas que curam. Os resultados,
inéditos, ganharam publicações em revistas
especializadas. Nos modelos experimentais de tumor de fígado
em camundongos, foi possível verificar que as substâncias
presentes naquelas plantas possuem efeitos quimiopreventivos,
diz a professora Maria Lúcia Zaidan Dagli, responsável
pelo Laboratório de Oncologia Experimental do Departamento
de Patologia da FMVZ.
Segundo Maria Lúcia, existem relatos nos Estados Unidos,
China e Japão evidenciando propriedades úteis no tratamento
de neoplasias, ou lesões pré-cancerígenas,
do ginseng do tipo coreano e americano. Mas nenhum estudo ainda
havia sido feito com o ginseng brasileiro.
O que pesquisamos nada tem a ver com o ginseng encontrado
no mercado em forma de cápsulas. Aqueles são coreanos
e americanos. Não são sequer aparentados com o brasileiro,
mas de famílias totalmente diferentes. Só o nome da
planta e a raiz são semelhantes, diz Tereza Cristina
da Silva, que teve os resultados de seu mestrado publicados na revista
Cancer Letter.
No estudo, intitulado Efeitos inibidores da Pfaffia paniculata
(ginseng brasileiro) em lesões preneoplásicas e neoplásicas
em um modelo de hepatocarcinogênese em camundongo, Tereza
verificou que o tamanho e o número das lesões que
provavelmente se transformariam em câncer no fígado
do camundongo se reduziram após um tratamento de 27 semanas
com a raiz do ginseng pulverizada na ração dada aos
animais. A idéia era pegar uma planta que já
é utilizada como fitoterápico, administrá-la
exatamente da forma como é consumida e testar cientificamente
se ela realmente tem os efeitos que se acredita. Por isso, a raiz
pulverizada na ração, explica. Outra evidência
encontrada pela pesquisadora é que nenhuma lesão preneoplásica
evoluiu para a fase neoplásica. Ou seja, nenhum animal tratado
apresentou evolução de adenomas, ao contrário
do grupo controle, que são os animais não tratados
com a planta. O modelo foi testado em animais que receberam um carcinógeno
aos 15 dias de vida e em seguida foram desmamados e tratados.
Os estudos com ginseng brasileiro e guaraná começaram
há cerca de quatro anos, quando Maria Lúcia voltou
de um pós-doutorado no Instituto de Câncer Iarc, em
Lyon, na França. Muito se falava sobre agentes naturais
para prevenção e tratamento da doença e decidi
trazer essas idéias para cá, diz.
Em 2001, Patrícia Matsuzaki, então aluna de graduação,
deu início aos primeiros estudos sobre o ginseng brasileiro
no laboratório daquela unidade. Publicou em 2003 um artigo
na Life Science demonstrando os efeitos antineoplásicos da
planta sobre o tumor de Ehrlich, ou seja, a capacidade de a substância
reduzir o crescimento do tumor mamário no animal. A verificação
das potencialidades de tratamento do tumor a partir daquela raiz
virou uma linha de pesquisa do Departamento.
Desde 2003, quando iniciou o mestrado, Patrícia vem tentando
descobrir os princípios ativos responsáveis pelas
propriedades preventivas e inibidoras da doença, a fim de
desenvolver extratos da planta. A partir do processamento e isolamento
de frações químicas, Patrícia já
tem evidências de que o chamado resíduo butanólico
substância presente na raiz do ginseng seria
o responsável por aumentar a sobrevida dos animais e reduzir
o desenvolvimento dos tumores estudados, afirma. Um outro grupo
já pesquisa os mecanismos celulares que ativam o sistema
de defesa a partir da atuação dos princípios
ativos das plantas.
Amazônia
Muito consumido pelos orientais, o chá-verde também
possui relatos de que poderia ajudar na prevenção
do câncer. Contando com esse conhecimento e o fato de que
muitas substâncias desse chá também estão
presentes no guaraná da Amazônia, um grupo de estudantes
decidiu testar cientificamente se a sabedoria popular e o conhecimento
empírico estavam certos.
Depois de injetar o carcinógeno em grupos distintos de camundongos
e iniciar o tratamento com diferentes doses de guaraná, foi
possível verificar que os animais que receberam doses
maiores da fruta pulverizada desenvolveram um menor número
de lesões pré-cancerígenas no fígado,
segundo o autor Heidge Fukumasu, que estuda a planta desde a iniciação
científica, iniciada em 2001.
Avaliamos também um marcador para proliferação
celular e, no grupo que recebeu maiores doses, os tumores apresentaram
menor proliferação em relação ao grupo
controle. Não fizemos comparativos com outras drogas ou substâncias
ativas para avaliar o potencial das plantas em relação
a outras substâncias. Nossa intenção foi mostrar
se esses produtos naturais possuem de fato ou não algum efeito
de proteção contra o câncer, e foi demonstrado
que sim, comemora Fukumasu. Os resultados do trabalho sobre
os Efeitos quimiopreventivos da Paullinia cupana Mart var.
sorbilis, o guaraná, sobre hepatocarcinogênese em camundongos
saíram publicados na revista Cancer Letter em março
deste ano.
Numa outra etapa, Heidge busca descobrir se o guaraná pode
proteger o DNA da célula normal contra o carcinógeno.
Em duas técnicas diferentes de análise, o mestrando
já possui dados indicando que o guaraná está
protegendo o DNA contra as lesões geradas pelo carcinógeno,
diz.
Nenhuma das substâncias apresentou toxicidade nas dosagens
administradas. Apesar de aparentemente milagrosas, a professora
Maria Lúcia diz que ainda é necessário investigar
muito até se chegar a qualquer tipo possível de tratamento
com essas plantas. Por enquanto pretendemos testar os modelos
em animais. Seria necessária uma ampla investigação
para se falar sobre efeitos ou tratamentos em humanos, diz.
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