Ambos
são professores da Escola de Comunicações e
Artes (ECA) da USP. Thomas Farkas, de 80 anos, é um dos pioneiros
do Departamento de Jornalismo e do ensino da fotografia. E Evandro
Carlos Jardim atua no Departamento de Artes Plásticas, incentivando
jovens artistas, e sua obra se destaca na história da gravura
no Brasil. Desde o dia 9 de julho, eles ocupam duas diferentes salas
na Pinacoteca do Estado. Farkas na fotografia e Jardim na gravura.
Imagens que registram duas travessias luminosas, pontuadas pelo
sonho, trabalho e esperança.
Brasil e brasileiros no olhar de Thomas Farkas resgata
as viagens do fotógrafo pela Bahia, Belém e Manaus
entre 1969 e 1974. Registram o Brasil do tempo da repressão,
época em que o fotógrafo decidiu sair pelo País
para conhecer e entender melhor os seus problemas e diferenças,
dando início à chamada Caravana Farkas (ao seu lado
estavam Geraldo Sarno, Maurice Capovilla, Paulo Gil Soares, Eduardo
Escorel e Sérgio Muniz), realizando cerca de 40 documentários,
principalmente no Norte e no Nordeste. Eu achava que dar essa
consciência, mostrar para a população quem somos
nós, seria tão revolucionário quanto uma revolução,
justifica.
O desenho estampado: a obra gráfica de Evandro Carlos
Jardim é a história de uma vida dedicada à
arte. Com essa mostra, o professor comemora 70 anos. Esta
é a maior exposição individual que já
realizei, diz. Estou tendo a oportunidade de apresentar
obras dos últimos 45 anos. Através de uma seleção
de mais de duas centenas de gravuras, o público pode apreciar
o olhar do artista em coisas simples do cotidiano, como o pássaro
(Bacurau, de 1974) que pousou na frente de uma paisagem onde se
avista uma Maria Fumaça, ou analisar a transformação
de São Paulo nas manchas e sombras do Pico do Jaraguá
(Figuras, Jaraguá, sinais, manchas e sombras, 1979).
As
cores do Brasil
Fotografia, para mim, é o melhor jeito de aproveitar
a vida. Veja só: é ver, descobrir paisagens, pessoas,
caras, grupos, ruas, fachadas, praças. Todos trabalhando,
brincando, folgando, correndo, dançando. Tudo isso é
nossa vida. Farkas vai caminhando pela sala. Observa as fotos.
Estas casas... Eu fiz uma série enorme de fachadas
e estas têm as cores mais infernais, com os seus desenhos
geométricos. Mas é um lugar lindo. Agora, aqui estamos
na antiga rampa do Mercado Modelo, em Salvador, um lugar onde há
de tudo. E isso é uma felicidade.
Na seqüência das paisagens, Farkas vai resgatando as
cores e as caras do Brasil. O violeiro, a baiana com o vestido estampado
de flores, o barqueiro. A alegria do carnaval, a poesia do pôr-do-sol.
Aqui está anoitecendo. É uma luz assim. Estranha.
É um anoitecer azulado.
O curador, Diógenes Moura, explica que a exposição
parte de um sistema onde a fotografia e o fotógrafo interiorizam
a cor e o olhar de um viajante em busca da memória de um
país ainda perdido entre seus labirintos de perguntas e respostas.
Thomas Farkas foi para o rio Negro para percorrê-lo
em dois barcos, onde também estava o biólogo e compositor
Paulo Vanzolini, numa viagem que durou cerca de 40 dias, observa.
A intenção era filmar e fotografar para o que
viria a ser um novo documentário da Caravana Farkas. Com
o material captado, aconteceu o inesperado: o gelo do isopor onde
estavam os rolos dos filmes derreteu e arruinou os negativos. Restaram
as fotografias que estão aqui. Nelas, a vida, os dias, as
noites, a chuva, o sol, o olhar, os gestos, as gerações,
os ruídos e o silêncio da população ribeirinha
e das cidades que pontuavam aquele roteiro passam como o próprio
fluxo do rio: na arquitetura de suas moradias quase como nichos
sagrados; no percurso dos barcos onde há despedida e encontros;
nos retratos onde o homem brasileiro conta a sua história
na labuta do seu trabalho.
Cotidiano
A gravura é tudo. Jardim prefere definir a gravura
gravando. Suas imagens têm voz própria. Revelam um
observador sempre atento. O bule de café, a visão
dupla da xícara, o tinteiro... E a cidade que pulsa nas folhas
da árvore sob diferentes estações, no movimento
dos paulistanos, o rio Tamanduateí que ficou escondido sob
o tampão. É esse olhar de artista e de cidadão
paulistano que o curador Claudio Mubarac captou e traduziu com sensibilidade
na montagem da exposição. Ele ficou um ano e
meio no meu ateliê observando todos os meus trabalhos,
diz o artista.
Ao entrar na sala, o espectador é envolvido pela delicadeza
e força do olhar de Jardim. O artista e professor da USP,
da Escola de Belas Artes, da Fundação Armando Álvares
Penteado. Há mais de quatro décadas, o seu trabalho
vem se construindo e constituindo um corpo de obra que encontra
nos processos da gráfica, ao mesmo tempo, um lugar para habitar
e um depositário, diz Mubarac. A noção
de lugar é fundamento de prática para o artista, tanto
no sentido de localizar-se, buscar os instrumentos adequados, quanto
no da precisão possível de ser medida no cruzamento
do olhar e da paisagem habitada. E deve-se entender precisão
aqui em seus dois sentidos, necessidade e exatidão, postos
em constante movimento, articulando os elementos da ação
num contínuo não-finito.
Mubarac explica que o tempo lento do desenho do artista propõe
um envolvimento particular com uma visão silenciosa do mundo.
No trabalho de Evandro, a gravura é habilitada e habitada
como lugar e modo específico do pensar sobre as coisas da
cidade, de viver sua passagem. Como se o desenhista/gravador, entre
o que não está mais e o que ainda não se deu
a ver, estivesse a constatar todo o tempo: o que vi, já me
esquece; o que vou ver, não me conhece.
As
exposições O desenho estampado: a obra gráfica
de Evandro Carlos Jardim e Brasil e brasileiros no olhar
de Thomaz Farkas ficam em cartaz até 28 de agosto na
Pinacoteca do Estado (praça da Luz, 2), de terça a domingo,
das 10 às 17h30. Entrada: R$ 4,00 (inteira) e R$ 2,00 (meia).
Grátis aos sábados.
Desenho de Paulo von Poser: reverência e
contemplação
Mais
mostras na Pinacoteca
Na
programação especial para comemorar o seu centenário,
a Pinacoteca vem promovendo uma série de mostras com
artistas muito especiais. Desde o dia 9, Paulo von Poser surpreende
o público com uma série inédita de 18
desenhos realizados em 2005 em diversos museus de São
Paulo, como o Museu de Arte Contemporânea (MAC), o Museu
Paulista, o Museu de Zoologia os três da USP
, a própria Pinacoteca, o Museu da Imigração,
o Museu Brasileiro da Escultura (Mube) e o Museu da Casa Brasileira.
Os trabalhos, quase monocromáticos, traduzem a atitude
de reverência e contemplação que esses
espaços inspiram.
Carla Zaccagnini também apresenta Percurso ótico,
com a curadoria de Ivo Mesquita e desenvolvimento técnico
de Renato Cury. A instalação foi especialmente
projetada para o local, convidando o visitante a percorrer
o olhar por todo o espaço. Carla alia a arquitetura
à arte através da transposição,
por meio de um jogo de espelhos, da imagem de uma das obras
pertencentes ao acervo, exposto no andar superior.
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