Falar
sobre o professor Antonio Boaventura da Silva é, sem dúvida
alguma, um grande desafio, porque ele foi um homem que, na realidade,
viveu à frente do seu tempo. Sua filosofia de vida apontou
para uma postura diferenciada, sua ética profissional e seus
princípios maiores fizeram do momento singular que dividimos
com ele uma grande aula para nós, que tivemos o privilégio
da sua companhia.
O professor Boaventura defendeu veementemente a implantação
da educação física nas instituições
de ensino superior, uma vez que, para ele, as atividades físicas,
esportivas e recreativas tinham um valor singular na formação
do ser humano como um todo, como podemos observar nas suas próprias
palavras, ao defender sua posição em relação
a essa questão: As instituições de nível
superior devem oferecer aos seus estudantes e professores oportunidades
para a prática de atividades físicas, esportivas e
recreativas de sua predileção, contribuindo assim
para enriquecer seu próprio cabedal de habilidades fundamentais,
descobrir ou revelar suas aptidões atléticas e, especificamente,
para melhor aprender, apoiar e incentivar a prática dessas
atividades em todos os meios em que vierem a ter participação
e liderança.
À luz dessa filosofia, o professor Boaventura, com dedicação,
acompanhou e participou de todo o projeto para a implementação
da Praça de Esportes desta Universidade, que, a partir de
1975, tornou-se o Centro de Práticas Esportivas da Universidade
de São Paulo o Cepeusp. Foi nomeado como primeiro
diretor em janeiro de 1972 e foi novamente indicado para o cargo
em 1977, permanecendo até 1984.
Foi na primeira gestão do professor Boaventura que teve início
a implantação progressiva da educação
física, esportiva e recreativa na USP como disciplina. Esse
tipo de ação tinha como objetivo preparar a comunidade
para a obrigatoriedade da disciplina de educação física
para todos os cursos em nível superior, que se concretizou
em 1977, em cumprimento do Decreto-Lei 69.450.
O professor Boaventura postulava que a disciplina deveria oferecer
aos estudantes de todas as áreas de estudo o maior número
de atividades, por meio de cursos de orientação esportiva
básica, de modo a atendê-los de acordo com suas necessidades
e capacidades, além de cumprir os créditos requeridos
por determinação da Câmara de Graduação
no cumprimento do processo de implantação da educação
física no ensino superior, determinado por lei.
No seu modo de entender, a implantação da disciplina
no currículo de graduação não deveria
ser apenas apreciada em termos de uma imposição de
lei, mas sim de uma valorização cultural do ser humano,
capaz de contribuir para sua formação profissional
e social, uma vez que cabia à Universidade a maior responsabilidade
na formação e qualificação cultural,
profissional e social de seus alunos. Segundo o professor, a Universidade
não poderia estar alheia ao movimento universal de valorização
da educação física e esportiva, em termos de
bem-estar individual e social de saúde, de educação
e de cultura, indispensáveis em todas as idades.
A filosofia do professor Boaventura era fortalecida pela visão
defendida no Relatório da Federação Internacional
de Educação Física à Unesco, de julho
de 1977, segundo o qual era preciso que se considerasse a
necessidade de os estudantes de todas as áreas e especializações
receberem, ao lado de seu cabedal técnico cultural especializado,
não apenas treinamento físico, mas também informação
cultural suficiente sobre os problemas fundamentais da educação
física e esportiva em relação à saúde
individual e social e à ocupação digna do tempo
de lazer.
O professor Boaventura tinha a convicção de que a
Universidade e todas as instituições de ensino superior
teriam de criar mecanismos para propiciar aos alunos a prática
de atividades físicas e esportivas aliada a uma filosofia
de vida diferenciada. Para respaldar sua crença nessa direção,
o professor evocava o Manifesto Mundial do Esporte, que defendia
que as atividades físicas e esportivas deveriam fazer parte
integrante de todo o sistema de educação, na medida
em que elas se mostravam necessárias ao equilíbrio
e à formação geral do jovem.
O professor Boaventura era claro ao dizer que a prática esportiva,
com predomínio da espontaneidade sobre a obrigatoriedade,
poderia representar um caminho de fecunda integração
social. Ele defendia que o homem precisava entender a necessidade
de desenvolver uma nova mentalidade.
Nesse sentido, promoveu, no final da década de 70, com grande
entusiasmo, o início do Ciclo de Palestras no Cepeusp
quatro em cada semestre letivo. Essa nova medida tinha como principal
objetivo alcançar o grande desafio de conscientizar a comunidade
USP sobre a importância da prática de atividades físicas
e esportivas, não como um fim em si mesma, mas, principalmente,
como um mecanismo eficaz para garantir melhor qualidade de vida
para o homem.
As palestras chegaram a contemplar mais de 5 mil alunos nos dois
semestres com informação cultural sobre assuntos da
maior importância para a vida. Para tais eventos, o professor
Boaventura empenhava-se em convidar autoridades do mundo acadêmico
para esclarecer a comunidade do Cepeusp.
Sempre atuando com essa preocupação, ele é
lembrado até hoje pela forma como se dirigia aos freqüentadores
do Cepeusp. Era comum vê-lo circular elegantemente pelas piscinas
num intenso verão, dirigindo-se àqueles que ali ficavam,
dizendo-lhes que aproveitassem a piscina também para
nadar, sempre preocupado em conscientizá-los da prática
das atividades físicas de forma eficaz.
Além de dar grande contribuição na área
da pesquisa, o professor Boaventura foi um verdadeiro educador.
Sempre chamava a atenção dos professores para que
eles ouvissem a sua vocação, porque, como ele próprio
dizia, a vocação de um educador nasce de um grande
amor e de uma grande esperança.
Ele nos lembrava que o essencial da nossa vida é que fique
em alguma parte o fruto de nossa luta e é por essa razão
que nós certamente o encontraremos em tudo que deixou para
nós herdeiros da filosofia ímpar que ele pregou.
O poeta Carlos Drummond de Andrade fala que de tudo fica um
pouco, mas do professor Boaventura, com certeza, ficará
muito, porque ele nunca limitou sua atuação ao tempo
e ao espaço da sua enunciação. Seu discurso
continuará a ecoar, porque sonhou, ousou e lutou pelo seu
ideal.
Sempre nos lembrava que o homem deve morrer moço, o mais
tarde possível e foi exatamente assim que ele viveu.
O professor sabia, como ele próprio afirmava, que envelhecer
é obra da sabedoria, uma das coisas mais difíceis
da grande arte de viver. Hoje podemos dizer que ele cumpriu essa
missão com muita propriedade. Aos 90 anos, lúcido
e absolutamente coerente com tudo que sempre defendeu, o professor
Boaventura nos deixa a sensação de que partiu para
uma grande viagem.
Pascoal
Luiz Tambucci (pastam bu@usp.br), doutor em Ciências da Comunicação
pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP,
é professor e assistente de direção do Centro
de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp) e professor da Universidade
Paulista. O texto acima é uma homenagem ao ex-diretor do
Cepeusp, Antonio Boaventura da Silva, que morreu no dia 16 de junho
de 2005.
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