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Os átomos do novo minério
conhecido estão organizados
de tal forma que a estrutura é capaz de aprisionar e tornar inativos vírus, moléculas e radiação

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



U
m novo mineral de cor marrom-avermelhada, muito semelhante à pedra conhecida como granada e com características singulares que podem servir para uma infinidade de aplicações – entre elas o controle de lixo radioativo e até o tratamento de Aids –, acaba de ser descrito pelo professor Daniel Atêncio, do Instituto de Geociências da USP. Ele foi batizado com o nome de menezesita.

Segundo Atêncio, os átomos do novo minério estão organizados de tal forma que deixam um espaço vazio no interior da estrutura, onde podem ser aprisionadas moléculas, vírus e até radiação. Por isso, o novo elemento pode ter aplicações em áreas como a medicina e o ambiente. “A estrutura da menezesita forma como que uma ‘gaiola’, que retém o vírus e o torna inativo, daí a importância de esse tipo de composto servir para a produção de medicamentos anti-virais”, explica o professor.

Atêncio pretende, agora, reproduzir o novo mineral em laboratório. É com o elemento sintético que poderão ser feitas experiências que levem à aplicação do novo elemento na medicina e outras áreas. Existem outros compostos sintéticos que buscam “aprisionar” vírus, destaca o professor. Mas a menezesita tem a vantagem de preservar a sua estrutura quando lançada na corrente sangüínea – ao contrário dos elementos disponíveis atualmente, que se desfazem no sangue. Material raríssimo na natureza, os dois pequenos grãos de menezesita que serviram para a descoberta de Atêncio foram doados pelo professor ao Museu de Geociências da USP, que fica no primeiro andar do Instituto de Geociências, onde encontram-se em exposição para o público. Aprovada em 31 de julho passado pela Associação Mineralógica Internacional (IMA), órgão regulador da mineralogia mundial, a proposta de mineral novo em breve estará detalhada em artigo da revista científica American Mineralogist.

Coletado no final da década de 1970 pelo engenheiro de minas, colecionador e comerciante de minerais Luiz Alberto Dias Menezes Filho, o composto ganhou o nome menezesita em homenagem a esse engenheiro que descobriu outros minerais novos no Brasil. “O Menezes tinha guardado amostras de minerais interessantes para estudo científico e, revendo esse material, encontrou este que era diferente dos outros já conhecidos no local onde foi encontrado, e resolveu trazer aqui para eu identificar”, conta Atêncio.

O lugar a que se refere o professor é a mina de Jacupiranga, em Cajati, a 230 quilômetros a sudoeste de São Paulo, conhecida entre geólogos por sua formação não-monótona, ou seja, de rochas dotadas de associações incomuns que propiciam as condições para a formação de alguns minerais de composição exótica, segundo o professor. Dessa região, na qual foram descritas as primeiras amostras dos minerais zirkelita, em 1895, e quintinita-2H, em 1997, são extraídos principalmente fosfato e calcita.

Com apoio da Fapesp e colaboração de diversos pesquisadores – entre eles José Moacyr Vianna Coutinho e Viviane Ferrari, do Instituto de Geociências da USP, Antônio Doriguetto e Javier Ellena, da Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas (MG), e Yvonne Mascarenhas, do Instituto de Física de São Carlos da USP –, foram realizadas análises químicas e ópticas que permitiram classificar a menezesita no grupo de minérios chamado heteropoliniobato, pertencente a uma família de minérios – os heteropolimetalatos – cuja estrutura cristalina é composta de vários octaedros (desenho de oito faces), com metais no meio unidos entre si. Em sua pesquisa, Atêncio mostrou que a menezesita é o primeiro heteropoliniobato natural já encontrado, ou seja, não se sabe de nenhum mineral com essa disposição de átomos dentro do cristal.



Atêncio: cedo ou tarde a ciência encontra aplicações para as descobertas


Coutinhoíta

O professor Atêncio descobriu e descreveu outros quatro minerais, além da menezesita, também aprovados pela Associação Mineralógica Internacional. São eles a coutinhoíta, a chernikovita, a lindbergita e a matioliíta.

Descrita em 2004, a coutinhoíta é um silicato que pode ter a mesma propriedade que a menezesita para ambientes de poluição por elementos radioativos, porque ela aprisiona elementos como tório e urânio e é insolúvel. Foi nomeada em homenagem ao Professor Emérito do Instituto de Geociências da USP José Moacyr Vianna Coutinho, um dos maiores mineralogistas brasileiros. Aos 81 anos, Coutinho é aposentado mas continua a dar expediente no Instituto de Geociências, fazendo pesquisas e orientando alunos. Ele também é pai do cartunista Laerte, que, ao saber do nome do novo mineral descoberto por Atêncio, fez uma tira em quadrinhos para homenagear o pai geólogo.

A lindbergita é um oxalato de manganês que já se conhecia sinteticamente, mas não na natureza, como a menezesita. Tem aplicações no campo da fotografia, como reagente químico de laboratório, e outras. O professor Atêncio, que está escrevendo um livro sobre os minerais descritos pela primeira vez no Brasil, tem um mineral em sua homenagem, a atencioíta, que também está exposta no Museu de Geociências da USP. “Já me perguntaram como é que alguém pode se interessar por estudar minerais raros. As pessoas acham que é só uma curiosidade”, diz o professor. “Isso parece até mais estranho atualmente, quando vemos muitos estudantes fazendo a mesma coisa porque só se interessam por temas da moda. No entanto, mais cedo ou mais tarde a ciência acaba descobrindo aplicações para descobertas que aparentemente não tinham utilidade nenhuma.”

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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