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Coggiolla: presidente fraco



P
ela primeira vez desde o início da crise política deflagrada em maio pelas denúncias do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), o Partido dos Trabalhadores manifestou-se oficialmente reconhecendo erros e apontando providências que deve tomar em relação ao seu futuro. O texto, divulgado no dia 17, diz que o PT fazia “o seu primeiro pedido de desculpas à Nação, pois os atos que nos comprometem, moral e politicamente perante os brasileiros, foram cometidos por dirigentes do PT, sem o conhecimento de suas instâncias”. A Executiva Nacional do partido reconhece “a necessidade de construir métodos mais democráticos de direção, maior respeito à pluralidade interna” e também “a exigência de promover o fim dos relacionamentos informais – por isso não transparentes – entre governo e partido, que só favorecem a manipulação das instâncias partidárias por dirigentes com mais acesso ao poder”.

Na nota, o PT defende “uma ampla reforma política, com fidelidade partidária rigorosa e financiamento público e redução dos custos de campanhas, com vigência ainda para as eleições de 2006”. A Executiva convocou manifestações contra a corrupção e a favor do governo em todos os diretórios municipais no próximo dia 27, além de uma reunião extraordinária do Diretório Nacional para o dia 3 de setembro, quando devem ser encaminhadas “decisões punitivas a membros do partido, a partir dos pareceres da Comissão de Sindicância e/ou da Comissão de Ética”. O tom da resolução segue o do pronunciamento do presidente Lula na reunião ministerial do dia 12 – o dia seguinte ao depoimento de Duda Mendonça na CPI dos Correios, quando o marqueteiro do PT reconheceu ter recebido parte do pagamento pela campanha via contas em paraísos fiscais. O presidente disse sentir-se “traído por práticas inaceitáveis” das quais nunca teve conhecimento. “Eu certamente estou tão ou mais indignado do que qualquer brasileiro”, afirmou Lula, que também disse não ter “nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas”.

Na semana passada, a capital federal assistiu a manifestações organizadas por partidos como o PSOL e o PSTU, sindicatos e entidades estudantis. Enquanto os partidos de esquerda pediam o impeachment, outros setores pouparam o presidente Lula e dirigiram suas críticas à corrupção em termos gerais, abrangendo todas as instituições e também os partidos de oposição.

Sinais de riqueza

Também na semana passada, num debate promovido pela Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, o sociólogo Hélio Jaguaribe disse que “é preciso sair da perplexidade e encontrar a superação da crise”. Essa parece ser a direção adotada pelas forças políticas, num momento em que vários analistas já identificam um clima de “ressaca” em relação às CPIs em andamento no Congresso Nacional. Embora tenha sido aventada em Brasília, a possibilidade de impeachment de Lula parece tornar-se mais remota. Os partidos de oposição, liderados especialmente pela coalizão PSDB-PFL, que sustentou o governo de Fernando Henrique Cardoso, baixaram o tom do discurso. De acordo com a análise do professor Osvaldo Coggiolla, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o cenário que se desenha é o da manutenção do presidente, embora bastante enfraquecido. “A oposição quer sangrar o Lula até o final do mandato, que não está longe, e vencer as eleições. O próprio Antonio Carlos Magalhães (senador do PFL-BA) disse que não quer vencer Lula nos tribunais, mas no voto.”

Coggiolla acha que o tom da resolução anunciada pela Executiva do PT não é crível. “Isso é esquivar-se da responsabilidade”, diz. “Se fosse verdade que os dirigentes desconheciam essa enorme movimentação de dinheiro, seria uma incompetência extrema.” Para o professor, os sinais de que havia alguma coisa errada com as finanças do partido começaram a ser dados ainda nos primeiros meses do governo Lula. Coggiolla cita o caso do professor aposentado da USP Francisco de Oliveira – um dos fundadores do PT –, que antes de anunciar seu afastamento do partido, no final de 2003, chegou a ser processado pelo então tesoureiro Delúbio Soares.

Oliveira afirmou que Delúbio havia patrocinado uma grande festa em sua cidade natal, para a qual alguns convidados chegaram de helicóptero. “Se uma pessoa que por problemas de saúde já estava afastada do partido viu isso, como os dirigentes não saberiam?”, pergunta Coggiolla. “O problema não é o caixa dois. O problema é prestar atenção nas mudanças do nível de vida de ‘companheiros’ que tinham uma situação relativamente modesta e que de repente começam a ostentar símbolos de riqueza, como a Land Rover do Sílvio Pereira. Como é que ninguém se pergunta de onde isso vem?”

Para o professor, a crise brasileira insere-se num quadro internacional complexo, em que está presente até o temor do governo norte-americano em enxergar na crise no Brasil uma desestabilização parecida com a situação da Bolívia ou da Venezuela, especialmente em relação ao papel importante do país comandado por Hugo Chávez como produtor de petróleo. O preço do barril já passou dos US$ 60 e, de acordo com algumas estimativas, pode aproximar-se de US$ 100 até o final deste ano, o que justifica o interesse do governo de George W. Bush, diz Coggiolla. Ao mesmo tempo, o Brasil é o país com a mais alta taxa de juros do mundo, “o que traz uma remuneração espetacular para o capital especulativo”. Por essa razão, defende, não interessa à chamada comunidade de negócios que o Brasil venha a sofrer uma crise econômica prolongada. “Uma crise desestabilizaria não o governo, mas o próprio País, conforme alertou um editorial do (jornal inglês) Financial Times”, lembra Coggiolla.

Enfraquecido Lula, cuja candidatura à reeleição acredita ser muito difícil, Coggiolla projeta um cenário em que o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, poderia ser o candidato petista à frente de uma coalizão mais ampla que a formada em 2002, englobando, por exemplo, setores do PMDB. Do lado da oposição, prevê que o nome mais provável para disputar o Planalto seja o do atual prefeito José Serra (PSDB). “O Aécio Neves, que seria um candidato forte, ficou comprometido com a situação do PSDB em Minas Gerais, que também se envolveu com o Marcos Valério. O governador Geraldo Alckmin enfrentou problemas com a própria bancada governista na Assembléia. Por isso o Serra hoje está numa posição mais tranqüila.” Nesse cenário, avalia, há espaço para uma candidatura de esquerda que herde parte da votação que tradicionalmente iria para o PT.

Refundação

Além do desfecho da crise e das mudanças que ela deve gerar – para Hélio Jaguaribe, por exemplo, é necessário fazer uma reforma eleitoral que institua o voto distrital misto, extirpe os partidos anões e exija fidelidade partidária –, outra discussão em curso envolve petistas e não-petistas em relação ao futuro do Partido dos Trabalhadores. Sobre o tema, o professor Paul Singer, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, defende que a fórmula para “refundar” o PT inclui a desprofissionalização dos quadros dirigentes e a revisão da política de alianças adotada pelo partido. “O PT diminuirá de estatura, mas recuperará identidade e efetividade política. O papel mais importante que desempenhamos neste quarto de século foi o de educar politicamente parte dos cidadãos, introduzindo na cultura democrática brasileira a exigência da luta contra a pobreza extrema e suas seqüelas”, afirma em artigo publicado na página eletrônica Teoria e Debate Urgente, da Fundação Perseu Abramo.

Para o professor, um dos fundadores do PT e pai do também docente da USP André Singer, porta-voz do governo federal, refundar o partido não significa “regredir a um estágio ‘infantil’ do petismo, para relembrar um célebre título de Lênin”. “Para mim, ao menos, o que deve nos guiar nesta tarefa não é a saudade de um PT mais puro e autêntico, mas a procura inteligente do limite a partir do qual os meios não são mais justificados pelos fins, mas passam a ser obstáculos à realização dos mesmos”, conclui.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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