Este
documento esboça a imagem da Universidade que os signatários
projetam para o futuro, definido em 15 anos. Sem desconsiderar as
rápidas mudanças que a dinâmica da era do conhecimento
impõe, a projeção de longo prazo é indispensável
para implementar as metas de curto prazo. Igualmente, é suposto
que um plano de trabalho fundamenta-se no entendimento dos problemas
do presente, incluindo a compreensão de sua gênese
e de seu desenvolvimento ao longo do tempo. Esperamos que este texto
contribua para a formulação das propostas dos que
se oferecem para conduzir os destinos da USP no próximo quadriênio.
O avanço das organizações ocorre aos saltos
ou gradativamente. Excetuando-se a criação da USP
Leste, que pode significar uma inflexão pela dupla ousadia
da inserção do campus em zona considerada periférica,
bem como pela criação de cursos sincronizados com
os novos tempos, a Universidade de São Paulo passou o último
quarto de século entre as instituições da segunda
modalidade, embora, em longo período iniciado com sua fundação,
estivesse entre as da primeira. Nessa época, junto com o
ensino de graduação, iniciou as atividades de pesquisa,
tendo como pioneira a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
e como parceiro o paradigmático sistema independente de fomento
(Fapesp), que possibilitou a organização do ensino
de pós-graduação, com vários programas
bem-sucedidos como referência. É possível afirmar
que as grandes mudanças nos primeiros 35 anos da história
da USP foram precedidas de concepções claras dos sistemas
de pesquisa, fomento e pós-graduação que se
desejavam. É verdade que as lideranças de então
encontraram no exterior experiências bem-sucedidas que serviram
de modelo para suas propostas, mas isso não reduz a grandeza
de suas realizações nem impede a identificação
da essência que garantiu sucesso a cada uma delas: uma visão.
Os olhos do pensamento universitário se acomodaram às
conquistas iniciais, ao que estava presente nesse horizonte, ao
alcance da própria vista. Embora nos ajude a resolver problemas
conjunturais e a aperfeiçoar atividades produtivas de um
mesmo paradigma, a ótica de curto alcance deixa passar oportunidades,
bloqueia a exploração de nosso potencial e faz os
grandes problemas, de ordem mais estrutural, parecerem insolúveis.
A visão e a ousadia dos pioneiros de 50 anos atrás
devem inspirar nossas ações para promover mudanças
que elevem a Universidade aos novos patamares impostos pelos avanços
científico-tecnológicos. Há que se recuperar
o espírito visionário, não apenas observando
a força dos novos paradigmas presentes nas inflexões
das principais transformações do conhecimento na atualidade,
mas também imaginando a comunidade acadêmica como protagonista
e líder das inflexões que acontecerão.
O calendário de debates das próximas semanas torna
propício o momento. Como os problemas da USP são evidentes,
o primeiro impulso é propor soluções pontuais
para eles. A experiência mostra, no entanto, que, mesmo quando
factíveis, tais soluções têm pouca conseqüência,
porque perdem eficácia entre as demais dificuldades. Uma
comunidade grande e diversificada como a nossa tem dificuldade em
conciliar procedimentos discordantes. Devemos ou não impor
cotas? Devemos ou não descentralizar a administração?
Devemos ou não extinguir as Fundações? É
muito difícil haver respostas consensuais a perguntas como
essas, ainda que exaustivamente debatidas. Por isso, apenas são
produtivas as discussões que procurem uma imagem do futuro:
olhar além do imediato e do cotidiano, deixar de lado, por
um momento, as deficiências e vantagens do ambiente em que
vivemos e imaginar a Universidade que desejamos ter em, digamos,
15 anos. Assim, espera-se que os candidatos à Reitoria tragam
para as salas de debates sua visão da USP, em 2020, e sugiram
encaminhamentos gerais para sua consecução. Para especificar
essa solicitação, apresentamos abaixo três características
que distinguem a USP que idealizamos da USP de hoje. Para facilitar
a exposição, escrevemos como se estivéssemos
em 2020, a contabilizar o progresso conseguido nos últimos
15 anos.
Três características que distinguem a USP de 2020 da
de 2005.
Qualidade na quantidade. A USP, já em 2006, apresentava-se
simultaneamente como uma universidade com qualidade acadêmica
e de massa, por deter e registrar o maior índice de produção
científico-cultural do País e registrava quase 76
mil estudantes em formação (45 mil na graduação,
25 mil na pós-graduação e 6 mil especiais).
No tocante à qualidade acadêmica da graduação,
a reforma curricular dos cursos nos últimos 15 anos resultou
em estudantes motivados e em diplomas que garantem formação
ampla. A inserção de disciplinas de ciências
biológicas e mecânica quântica no curso de Filosofia
é um exemplo freqüentemente elogiado. Os formados pelos
cursos de Odontologia entendem tanto de dentística como dos
aspectos de negócios de sua especialidade e do impacto social
do seu trabalho. A participação, em grande escala,
dos estudantes em intercâmbios de cunho nacional e internacional,
em programas de iniciação científica e nos
de extensão voltados para o aprimoramento do ensino médio
demonstrou harmonia com os currículos, o que se imaginava
impossível há 15 anos. Disso tudo, resultou uma redução
global do índice de evasão que, em 2020, não
supera os 10% em nenhum dos cursos oferecidos pela Universidade
e uma média inferior a 6%. Contrapondo-se ao contexto social
brasileiro de 2006 (quando apenas 9% dos jovens entre 18 e 24 anos
estavam matriculados no ensino superior, garantidos sobretudo pelo
setor privado) e apoiando-se na competência instalada pelas
tecnologias digitais, a USP oferece, em 2020, cerca de 20 mil vagas,
em cursos presenciais ou em diferentes combinações
com mídias interativas, número que se mostrou necessário
para garantir avanços na eqüidade. O nível de
qualidade assegurado nessa ampliação reafirma o fato
de que não há incompatibilidade entre universidade
de massa e a de pesquisa, assim como reforça a crença
de que aumento de oferta de vagas no contexto brasileiro, com orçamento
garantido, apresenta-se como melhoria de qualidade institucional.
Eqüidade na igualdade. Na USP de 2020, a distribuição
social dos aprovados no vestibular se aproxima muito mais da distribuição
dos que concluem o ensino médio relativamente ao ano de 2005.
Reconhece-se o avanço que, em 15 anos, reduziu a um terço
a diferença entre as porcentagens de ingressantes provenientes
de cada classe social nas duas distribuições. Essa
mudança, sem reduzir o nível de exigência, aproveitou
o potencial daqueles que, em 2005, não prestavam o vestibular
ou que, por motivos secundários, não eram classificados,
aprimorou e diversificou o quadro discente. A diversificação
tem despertado o interesse de universidades estrangeiras, que têm
procurado parceria com a USP, seja para aprimoramento de seus próprios
programas, seja para aproveitar uma diversidade estudantil que não
encontram em seus países. Atualmente, algumas das mais importantes
atividades da Universidade buscam reduzir ainda mais essa diferença:
são priorizadas as atividades de extensão que promovem
a melhoria do ensino público no nível médio,
assim como a mais estreita relação com a escola básica.
A expansão de vagas, presenciais ou de ensino a distância,
já a partir de 2006 foi subordinada ao cumprimento de metas
que aferem o progresso rumo a uma maior eqüidade.
Pesquisa no desenvolvimento. Assumindo o papel central da
pesquisa num projeto de desenvolvimento nacional e de liderança
das novas transformações do conhecimento, em 2020,
75% dos docentes da USP produzem, rotineiramente, publicações
científicas de padrão internacional e conseguem apoio
de agências de fomento nacionais ou internacionais para seu
trabalho, uma porcentagem tida como irreal pelos que, em 2005, se
contentavam com 25%. A reunião de pesquisadores dedicados
a temas abrangentes, tais como energia, imunologia e redução
das desigualdades sociais, produz resultados científicos
aclamados internacionalmente e um número expressivo de parcerias
com os setores público e empresarial, que passaram a procurar
na Universidade apoio para seus projetos. Esse movimento motivou
a aglutinação de posicionamentos qualificados, convergindo
para a formulação de políticas públicas
de desenvolvimento nacional, com a participação de
diferentes agentes sociais, o que ampliou e revitalizou as ações
pioneiras da Agência USP de Inovação. Entre
políticas públicas e as ações em pesquisa
e desenvolvimento, a USP colabora de forma significativa com avanços
científico-tecnológicos e humanísticos que
geram novos paradigmas no âmbito acadêmico, da produção,
do trabalho, do emprego, da cultura, da educação e
da vida cotidiana. A participação de estudantes de
graduação e de pós-graduação
nesses projetos tem contribuído, decisivamente, para a formação
de um quadro de profissionais que vem mudando, estruturalmente,
a capacidade de inovação dos setores público
e empresarial. Um indicador inequívoco desse avanço
é o resultado da avaliação Capes, na qual,
pelo padrão de 2005, os cursos da USP alcançaram a
média 6,0.
As três características que distinguem a USP de 2020
da de 2005 se materializaram pelo esforço de lideranças
que ultrapassaram posturas conservadoras e mecanismos tradicionais,
burocratizantes e hierarquizados de gestão, desenvolveram
uma prática mais eficaz de planejamento e avaliação,
assim como uma comunicação e formas de negociação
mais ágeis e eficientes com as instâncias governamentais
e com outras forças vivas da sociedade. Antes e acima de
tudo, essas lideranças se orientaram por uma clara visão
do futuro. Reconhece-se, hoje, o acerto dessa visão como
o divisor de águas que lançou a USP no século
21.
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